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Filmes e séries destacam a luta dos povos indígenas da Amazônia

Nokun Txai %u2013 Nossos txais discute o papel das mulheres nas comunidades indígenas - Foto: Amazon Prime Video
No decorrer da história do audiovisual brasileiro, sobram exemplos de produções que abordam os povos indígenas, tanto por meios ficcionais quanto documentais. Poucas não caíram no erro de retratá-los como objetos ao invés de sujeitos. A série documental Nokun Txai – Nossos txais (2019) faz o contrário desse movimento ao trazer os indígenas para o processo de criação.



Exibida por emissoras públicas brasileiras, a produção chegou recentemente ao catálogo da Amazon Prime Video. Nos 13 episódios de 26 minutos, a série reflete sobre o processo de resistência e adaptação da cultura indígena amazônica frente à contemporaneidade, a partir dos povos do Acre.
Com direção-geral do cineasta Sérgio de Carvalho, as filmagens foram feitas entre 2016 e 2017 nos municípios acreanos de Tarauacá, Feijó, Marechal Thaumaturgo, Cruzeiro do Sul e Jordão. A maior parte das gravações ocorreu nas aldeias, mas a série também acompanha a vida de indígenas nas cidades.

Aikewara foi rodado na região do Araguaia - Foto: Amazon Prime Video 

MULHERES

Com visão bastante atual, os episódios retratam a movimentação dos indígenas e o papel das mulheres nas comunidades. Também ganharam destaque a relação deles com as novas tecnologias e as pressões políticas que sofreram.



No primeiro episódio, são retratados dona Mariana e “seu” Milton, sobreviventes do extermínio dos kuntanawas e ex-integrantes do movimento socioambiental idealizado por Chico Mendes. Vivendo hoje em humilde contexto urbano, os dois enfrentam os desafios da terceira idade e discutem a demarcação de suas terras.

No quarto episódio, “Yara Baka – Pessoa espírito”, é apresentado o coletivo de pesquisadores-artistas MAHKU – Movimento dos Artistas Huni Kuin. Ao longo de uma semana, a produção acompanha o encontro deles no Bairro Kaxinawá, em Jordão. O protagonista é Ibã Huni Kuin, que, junto da juventude indígena urbana, desenvolve um trabalho abordando mitos e músicas de seu povo.

Quem protagoniza o sexto episódio é a jovem acreana Alana Manchineri. Ela visita o Acampamento Terra Livre, em Brasília, em meio à crescente tensão política causada pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.



Nossos txais também aborda o xamanismo amazônico, a influência da religião nas aldeias e a medicina tradicional. Além de Sérgio de Carvalho, episódios são assinados pelos cineastas indígenas Zezinho Yube e Bebito Pyanko e pelo diretor Vincent Castelli, criador do projeto Vídeo nas Aldeias. A direção de fotografia é de Pedro Von Kruger, Miguel Vassy, Hadrien La Vapeur e Renato Vallone, que também cuidou da montagem ao lado de André Sampaio e Lorena Ortiz.


Resultado da imersão na cultura dos povos amazônicos, a série foge ao senso comum com saldo positivo. Além de problematizar impasses culturais e disputas de terras, mostra como os indígenas se posicionam diante desses desafios e como ocorre sua mobilização na prática. O que torna Nokun Txai – Nossos txais referência é o fato de a série ter sido criada e realizada em parceria com os personagens que retrata.

FERRAMENTA

Para os três diretores de Bimi Shu Ikaya (2019), o cinema é ferramenta essencial para a preservação da tradição dos huni kuin. Isaka, Zezinho Yube e Siã defendem, nesse documentário, a necessidade de transformar o audiovisual em uma forma de eternizar costumes que podem desaparecer, inclusive devido à falta de interesse das próximas gerações.



Para isso, os diretores fazem um retrato de Bimi, a primeira mulher indígena huni kuin a organizar sua própria comunidade, desempenhando papéis até então exclusivos dos homens, como o pajé de cura.

Ao longo de 52 minutos, o filme percorre os espaços da aldeia em busca de elementos culturais, sublinhando as atividades coletivas em que Bimi se empenha com o propósito de passar adiante conhecimentos tradicionais de seu povo.

O resultado é uma narrativa irregular que, embora cheia de pontas soltas, carrega potência singular, em especial por discutir o fazer cinematográfico no contexto dos indígenas. Além disso, Bimi Shu Ikaya traz reflexões importantes sobre a quebra de paradigmas naquela comunidade calcada na figura masculina.



NOKUN TXAI – NOSSOS TXAIS
Série documental em 13 episódios. 
Direção: Sérgio de Carvalho. 
Disponível na Amazon Prime Video

BIMI SHU IKAYA
Documentário de Isaka Huni Kuin, Zezinho Yube e Siã Huni Kuin. Disponível 
na Amazon Prime Video

Passado e presente se confrontam em Antes o tempo não acabava - Foto: Amazon Prime Video 

O trauma da guerrilha

Na década de 1970, índios da etnia aikewara suruí tiveram contato com soldados durante a Guerrilha do Araguaia, ocorrida no Sul e Sudeste do Pará. A ocupação do território indígena por tropas do Exército e a consequente violência cultural sofrida por esse povo são temas do documentário Aikewara (2018), de Luiz Arnaldo Campos e Célia Maracajá.

Em 80 minutos, o longa oferece uma visão inédita sobre a Guerrilha do Araguaia destacando a ocupação do território, o que, segundo o filme, trouxe consequências desastrosas para os aikewaras, como o alistamento de jovens indígenas e a extinção de práticas tradicionais.

Filmado nas aldeias Sororó e Itahy, no município de São Geraldo do Araguaia, o processo de construção do documentário foi feito com a consultoria do ativista Paulo Fonteneles Filho (1972-2017).



Além de relatos dos aikewaras sobre sua própria história, o filme aborda a criação da Comissão da Verdade Suruí, o primeiro grupo indígena formado para trazer a público fatos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985). 

AIKEWARA

Documentário de Luiz Arnaldo 
Campos e Célia Maracajá. Disponível
 na Amazon Prime Video 


O ritual do adeus

As imagens iniciais de Antes o tempo não acabava (2018) são impressionantes. Exibem o ritual de iniciação em que os jovens índios colocam a mão em luvas de palha cheias de formigas-de-fogo.

Até esse ponto, o registro flerta com o documental. Entretanto, a ficção logo se instala: anos depois, o filme mostra a trajetória de Anderson (Anderson Tikuna), que vive em conflito com os costumes de sua tribo, nos arredores de Manaus, e decide abandonar a comunidade após a morte da sobrinha.


O longa acompanha as experiências profissionais, sexuais e afetivas do protagonista no centro urbano – da burocracia para conseguir um nome “de branco” à ida a uma festa punk.

Ao longo de 83 minutos, o filme propõe um retrato de problemáticas de identidade, modernidade, sexualidade e descaso de ONGs e das autoridades. Embora não seja uma narrativa amarrada, traz à tona cenas bonitas e cheias de vivacidade, o que permite empatia com o jovem protagonista, cujas ações impensadas são justificáveis.

ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA

Filme de Fábio Baldo e Sérgio Andrade. 
Disponível na Amazon Prime Video