Ator das 'mil vozes' conta que trabalho aumentou na quarentena

Jefferson Schroeder é conhecido pela versatilidade em criar vozes distintas para seus personagens. Atuante no Instagram, ele faz planos para o teatro e a TV no pós-pandemia

Helvécio Carlos 21/06/2020 04:00
Fotos: Flávia Canavarro /Divulgação
Jefferson Schroeder (E) em cena do espetáculo Antes que a definitiva noite se espalhe em Latinoamérica, apresentado em BH no ano passado (foto: Fotos: Flávia Canavarro /Divulgação)
Em plena pandemia do novo coronavírus, que fez com que a fonte de renda de muitos artistas secasse, o ator Jefferson Schroeder não tem do que reclamar. Desde o dia em que foi para casa, trabalho não faltou. O mais recente deles foi a criação de vozes para objetos de cena do programa Diário de um confinado, de Bruno Mazzeo e Joana Jabace, que estreia na Globoplay na próxima sexta-feira (26) e entra na grade da Globo a partir de 4 de julho.

“Tem dias em que trabalho muito mais na quarentena do que fora dela. Como meu canal mais forte é o Instagram, as pessoas me procuram como alguém que trabalha na internet”, diz o ator de 33 anos, natural de Canoinhas (Santa Catarina).

Schroeder, como todos nós, foi pego de surpresa pela pandemia, que levou à suspensão de seu trabalho como a fofoqueira Cida Lamounier, quadro do programa Se joga (Globo). Ele conta que, no início, não teve problema nenhum em ficar em casa. “Gosto, mas fiquei sem saber o que fazer. Depois veio a inspiração para escrever meu segundo livro, Dois pontos.” O primeiro, O ponto, é uma coletânea de crônicas editadas pela Letramento.

Se até aqui você ainda não conseguiu ligar o nome de Jefferson Schroeder à pessoa, agora será fácil: ele é o criador de Katie, aquela dubladora libidinosa e seu amigo inseparável, o bombeiro Brian. A lista reúne 17 personagens. Katie foi criada em 2007, quando o ator ainda frequentava as aulas no Centro de Artes de Laranjeiras (CAL).

Um vídeo de Schroeder ao lado de Fábio Porchat nos bastidores de Fofoca de mãe, do Porta dos Fundos, em que ele interpreta Katie e Brian, foi o primeiro a estourar com os personagens. Ele conta que, desde a infância, tinha o hábito de criar personagens e usar uma variedade de vozes para eles.

“Em casa, na hora do almoço, eu conversava com a minha família com as vozes dos personagens, criava, imitava os professores. Isso, para mim, era apenas a indicação de que eu gostava de atuar. Não imaginava que era meu diferencial nem que a vida me daria oportunidade de que fosse a referência do meu trabalho. Tanto que, no começo, me chamavam de o homem das mil vozes, o cara das vozes.”

A ficha caiu quando vieram as primeiras entrevistas após o vídeo com Porchat. “Tive que entender e enxergar que as pessoas vêm um diferencial nisso. O que acho que atraiu a atenção do público foram as nuances da voz de um personagem para outro, o que, para mim, é o fator decisivo para criar o personagem. É muito difícil para mim criar um personagem se ele tiver uma voz parecida com a de algum que já existe”, conta.

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INSPIRAÇÃO  

Como a voz é a principal característica dos personagens de Jeff, como ele é chamado entre amigos, seu processo criativo tem peculiaridades. É a partir da voz criada por ele ou da inspiração na voz de uma determinada pessoa que a personalidade do personagem começa a ser desenhada. “Claro que é uma coisa intuitiva. Pode haver vários caminhos. A vida é muito vasta, mas vou tentando entender que figura é aquela voz.”

Embora essa tenha se tornado sua marca registrada, Schroeder não é apenas o homem das mil vozes. A trajetória do ator é ampla. No ano passado, ele esteve em Belo Horizonte no elenco da peça Antes que a definitiva noite se espalhe em Latinoamérica, com direção de Felipe Hirsh e texto de autores latino-americanos.

O convite para integrar a montagem estrelada por Debora Bloch e Guilherme Weber, de viés dramático, emocionou o ator, por demonstrar que os colegas não o veem como alguém restrito ao universo cômico. “As pessoas me respeitam por inteiro e sou muito feliz por elas perceberem que as vozes não são a minha única ferramenta.”

No teatro, as histórias de Schroeder são muitas e variadas. Em 2017, ele estreou o monólogo A produtora e A gaivota, que escreveu inspirado em A gaivota, de Anton Tchekhov, com direção de João Fonseca. No ano seguinte, faturou o Prêmio do Humor, organizado por Fábio Porchat, nas categorias texto e performance.

“Houve sessões em que havia oito pessoas na plateia. Em uma sessão, fiquei com 25 centavos de lucro e ainda tinha que pagar a porcentagem da produção.” Nesta quarentena, ele começou a escrever outra peça para o teatro. Se a resposta de público ao seu primeiro monólogo não estava sendo arrebatadora, a viralização do vídeo do Porta dos Fundos lhe abriu as portas do mercado publicitário. Ele chegou a interromper a temporada para se dedicar à gravação de comerciais.

O ator também atuou em espetáculos da Cia Omondé, de Inez Viana, com textos de Jô Bilac, Ariano Suassuna e Alcione Araújo. No cinema, o personagem Danilo, no longa Pérola, dirigido por Murilo Benício, é seu trabalho mais recente. O filme está em fase de finalização, mas sem data de estreia definida. “É meu quarto filme, um projeto muito especial. Fiquei encantado em trabalhar com Murilo, um diretor respeitoso com o ator.”
Danilo, namorado da filha de Pérola, tem, assim como todos os personagens do longa, um humor de situação. “São figuras reais, engraçadas por serem muito originais”, descreve. Na televisão, Schroeder fez participações nas novelas Sol nascente e Rock story (2016), Império (2014) e Amor à vida (2013).

A página do ator no Instagram conta com mais de 450 mil seguidores. O conteúdo é dividido entre vídeos com seus personagens (as alienígenas estão entre as preferidas do público),  dublagens de vídeos com cenas do mundo animal e leituras feitas por ele.

PERSONAL  

No conto de João e Maria, Schroeder conseguiu reunir quase todo o catálogo de personagens que criou, incluindo Roberta, a personal trainer, para dar a sua visão a respeito da história do irmãos Grimm. Para criar o conteúdo, Schroeder procura equilibrar a expectativa do público e o que deseja fazer. O Instagram é, para ele, um respiro como artista.

Para a vida pós-pandemia, o ator tem diversos planos. Um deles é criar monólogos para a TV, o que pode ser uma alternativa para a produção audiovisual lidar com as medidas de precaução e distanciamento que serão necessárias daqui pra frente.

Ele também planeja um programa infantil, um programa com seus personagens, o lançamento do segundo livro,  a montagem de um clássico no teatro e uma série na Netflix ou na Globo. Ser diretor e professor de teatro são outras atividades que estão em seu horizonte.

Como diretor, Schroeder acha que poderia ajudar a polir o talento dos atores. Ele reconhece que, em alguns de seus trabalhos, “faltou alguém para dar um toque”. Na sala de aula, seu objetivo é simplificar as coisas. Ele avalia que alguns professores amedrontam os alunos com o discurso de que o teatro é difícil, uma arte que requer anos para ser compreendida.

“A verdade é que a vida oferece muito material para levar para a cena. Todo muito tem uma verdade que, às vezes, é sufocada por um discurso de medo imposto pelos professores. Por isso tenho vontade de ver se essa ideia de liberdade é um bom caminho também. Só vou saber dando aula.”

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