Autor da próxima novela da Globo apela ao realismo fantástico para falar do Brasil contemporâneo

O sétimo guardião marca a volta do autor ao realismo fantástico, gênero que lhe rendeu os sucessos Roque Santeiro e Pedra sobre pedra

21/10/2018 10:54
RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS
(foto: RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS)

Aguinaldo Silva foi repórter policial, mas se consagrou como novelista. Faz parte do primeiro time de autores da Globo. Quando um trabalho novo dele não está no ar, uma novela sua é reprisada na TV, como ocorreu com Senhora do destino, que bateu recorde de audiência à tarde ao ser reexibida no Vale a pena ver de novo, e com A indomada, que pode ser revista atualmente no canal Viva.

Agora, Aguinaldo se dedica a um novo folhetim, O sétimo guardião, próxima trama das 21h, prevista para estrear em 12 de novembro. A novela marca a volta do autor ao realismo fantástico, gênero que lhe rendeu os sucessos Roque Santeiro e Pedra sobre pedra. Em O sétimo guardião, ele retoma a localização geográfica já lendária em sua obra, que abrange as cidades fictícias (e só aparentemente pacatas) de Greenville, Tubiacanga e Serro Azul. A novidade é que Serro Azul, até então apenas citada nas tramas, será o cenário da nova atração.

A história gira em torno de um segredo escondido na fonte da cidadezinha, guardado com devoção por sete guardiões: Eurico (Dan Stulbach), Machado (Milhem Cortaz), Ondina (Ana Beatriz Nogueira), Egídio (Antônio Calloni), Milu (Zezé Polessa), Feliciano (Leopoldo Pacheco) e Aranha (Paulo Rocha). À beira da morte, o guardião-mor Egídio precisa ser substituído e seu gato, Léon, sai em busca do sucessor.

Xodó da trama – e do elenco –, Léon (“papel” de quatro felinos da raça bombay, única que consegue ser adestrada) chega a São Paulo e escolherá Gabriel (Bruno Gagliasso), filho que Egídio não sabe existir, fruto de seu relacionamento com Valentina. Esse papel é de Lilia Cabral, que promete ocupar o posto das grandes vilãs de Aguinaldo, como Nazaré Tedesco e Tereza Cristina. O elenco conta ainda com Marina Ruy Barbosa e Tony Ramos.

Morando há três anos em Higienópolis, na capital paulista, o autor mantém a Casa Aguinaldo Silva de Artes, na Vila Buarque. Além de cursos livres de interpretação e de oficinas de roteiro, o espaço abriga um teatro com 100 lugares.

Nesta entrevista, Aguinaldo, de 75 anos, fala sobre a nova novela e comenta a polêmica envolvendo Silvio Cerceau, ex-aluno de uma de suas materclasses, que reivindica direitos autorais de O sétimo guardião.

O sétimo guardião marca sua volta ao realismo fantástico. É um gênero mais popular na literatura e no cinema, mas não na TV...
Sim, a TV é mais “realista”. De certa forma, quem quebrou esse realismo foi o Dias Gomes. Como nasci no interior do Nordeste, numa cidade (Carpina, PE) onde tem todas essas lendas absurdas, as histórias da Mulher de Branco, guardei isso no meu imaginário. Quando me chamaram para fazer Roque Santeiro, entrei nesse universo e achei que me movimentava bem ali. Fiz uma sequência de novelas que fizeram muito sucesso com essa linguagem. Depois, entrei meio que em crise e resolvi ser um autor realista com Senhora do destino. Mas agora percebi que a realidade brasileira está tão extremada que não dá para você repetir isso nas novelas. O universo do realismo mágico permite que, ao mesmo tempo em que é crítico em relação à realidade, você saia dela. Então, resolvi voltar a isso.

Você escreveu pensando neste momento que o Brasil está vivendo?
É, a novela tem alusões a este momento, mas, ao mesmo tempo, ela transcorre num universo muito particular. Por exemplo, a cidade onde se passa a história não tem telefonia celular. Lá não chega o sinal. Só que, na metade da novela exatamente, chega a telefonia celular, porque a Valentina, personagem da Lilia, põe uma rede lá, dizendo que não pode ficar sem celular. Levamos 20 anos para chegar à revolução digital que a gente vive hoje, e nessa cidade isso ocorre em um dia. As pessoas que não tinham internet se veem num mundo novo, mas a cidade tem um grande segredo que precisa ser guardado. Só que, nesse novo mundo, não existe segredo.

Sempre ouvimos falar de Serro Azul em suas novelas, mas nunca a vimos. Vamos ver agora...
Sim. E agora é o contrário: as pessoas vão a Greenville, a Tubiacanga. E eu trouxe personagens como o Ypiranga e a Scarlet, que eram de A indomada, vividos novamente por Paulo Betti e Luiza Tomé. Mas teve um problema sério, porque o Paulo Betti foi escalado para outra novela. Então, vou ter que tirar os dois a certa altura.


A personagem Valentina já tem até Instagram, com suas frases ácidas. Quem criou o perfil?
Um jornalista. Valentina talvez seja meu personagem mais extremado. Neste momento em que as coisas estão meio complicadas, você não pode falar tanta coisa, mas ela fala tudo. Ela pode, porque é a vilã. Se fosse personagem do bem, não podia.

Você anunciou a volta da Nazaré Tedesco na novela, mas Renata Sorrah pediu para deixar a personagem quietinha. Você ficou chateado?
Não, pelo contrário, achei que ela estava certa. Trazer a Nazaré de volta sem o mesmo impacto que ela teve na outra novela seria um erro. Os elementos que já tinha para o personagem usei na trans. Porque também estava muito incomodado com essa coisa de trans nas novelas ser sempre muito certinho, muito bem-comportado. Quando você passa por uma transformação tão extrema, você não pode ficar tímido. Tem que botar para quebrar. Então, queria fazer um personagem trans assim.

A trans é interpretada pela Nany People, não é?
Sim, mas eu queria que fosse a Renata (Sorrah).

Nesse caso, entrou a questão do lugar da fala. Queriam que você colocasse uma trans para fazer o papel da trans, não?
Sim, aí falei pro Papinha (o diretor Rogério Gomes): tudo bem, me arranja uma trans que seja tão boa atriz como Renata Sorrah. Estava certo de que ele não ia arranjar. Não conhecia a Nany People, só ouvia falar. O Papinha me mandou um teste, vi e achei sensacional. Perguntei quem era. Ele disse que era a Nany. Falei: já está escolhida.

Ex-alunos de sua masterclass reivindicaram autoria da história da novela O sétimo guardião.
Na verdade, ninguém reivindicou. O que houve foi uma sequência de idas de algumas pessoas que nunca foram identificadas ao que chamo de baixa mídia, que são os pequenos blogs e sites, mas nunca apareceu ninguém que protestasse oficialmente.

A não ser o Silvio Cerceau...
Pois é, e estou processando ele, porque assinou o contrato que tinha uma cláusula de confiabilidade. Mas o caso está na Justiça e nem posso falar sobre isso.

Nessa masterclass, vocês chegaram a falar do universo de O sétimo guardião?
Sim, tinha elementos, porque era uma novela que eu pretendia fazer. Então, fomos falando sobre isso ao longo da master, partindo de mim para eles, o tempo inteiro. A teoria eu passo na prática. Incentivo o aluno a desenvolver certos temas que coloco. O desenvolvimento deles é ou não aprovado por mim. Já fiz uma masterclass em Portugal, quatro aqui, estou fazendo a quinta aqui, e nunca houve nenhum problema, porque os alunos sabem qual é a função deles ali. Além disso, assinam toda a documentação legal que libera o material para mim. O Silvio foi o único.

Divulgou-se que os nomes desses alunos apareceriam nos créditos da novela. É verdade?
Não sei exatamente... Quando fiz Fina estampa, foi o mesmo sistema, uma sinopse que a gente trabalhou. A Globo, que não era obrigada a fazer isso, nos créditos finais do primeiro capítulo citou o nome dessas pessoas como participantes da masterclass da qual saiu a sinopse. Presumo que isso vai acontecer também agora.

Sua vida está dividida entre Rio de Janeiro, São Paulo e Lisboa. Você pensa em ficar mais tempo em Portugal em algum momento?
Tenho negócios lá, tenho hotel, dois restaurantes (em Óbidos). Já sou português. Mas um escritor não pode se afastar (de seu país). Você fica estrangeiro em sua própria obra. (Estadão Conteúdo)

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