Brasileiro Adriano Goldman assina a direção de fotografia da badalada série 'The crown', da Netflix

Fotógrafo diz se sentir à vontade em trabalhar em Londres e admite que gosta de dar palpite em tudo

por Pedro Antunes/Estadão Conteúdo Mariana Peixoto 12/12/2016 20:03

Há uma brincadeira no meio audiovisual que diz que, das três qualidades – bom, rápido e barato –, um projeto, seja filme ou série, só pode ter duas. “Se é bom e rápido, ele não pode ser barato”, afirma o diretor de fotografia paulistano Adriano Goldman, de 50 anos.

Adriano Goldman/Divulgação
O fotógrafo Adriano Golman trabalha nas filmagens da segunda temporada da série da Netflix (foto: Adriano Goldman/Divulgação)

Bem, ele pôde escolher o caminho que quis ao trabalhar em The crown. Goldman assinou a fotografia de seis dos 10 episódios da temporada inicial da produção da Netflix. “Sou um fotógrafo um pouco fora da curva, dou palpite em tudo, figurino, maquiagem, continuidade. E, como (Stephen) o Daldry (diretor e produtor-executivo) confia em mim, pude até exercitar um pouco de direção em The crown”, aponta.

É a série mais cara da história da televisão – o orçamento bateu os US$ 150 milhões. Também um dos projetos de maior repercussão da plataforma de streaming – foi indicado a três Globos de Ouro –, já engatou uma segunda temporada. Goldman está desde agosto trabalhando nos novos episódios, centrados na vida da monarquia britânica durante os anos 1960.

 

As filmagens do segundo ano devem ir até abril. “Prefiro trabalhar fora (do Brasil). Não vou fingir que não. Londres, hoje, é a meca onde tudo está acontecendo. É o que era Los Angeles há 20 anos. É um mercado ativo e rico. Não vou dizer que não vou mais trabalhar no Brasil. Tive convite para fazer Elis, por exemplo, mas minha prioridade é aqui”, afirma.

Goldman não foi para a Inglaterra por causa de The crown. A série, na verdade, é o sexto projeto que ele realiza no Reino Unido. Goldman é cria da Olhar Eletrônico, produtora independente criada em 1980 por Fernando Meirelles, que deu origem à O2. Aos 18 anos, tocou a campainha do escritório da produtora e se ofereceu para trabalhar lá.

Antes de chegar a Londres, realizou uma série de trabalhos por aqui. Assinou, entre outros, a fotografia dos filmes O ano em que meus pais saíram em férias (2006) e Romance (2008) e das séries Cidade dos homens (2007) e Alice (2008). E foi novamente Meirelles quem acabou fazendo a ponte para que Goldman começasse a trabalhar no exterior, indicando-o para a fotografia de um longa rodado no México. A produção era Sin nombre (2009), dirigida por um tal de Cary Fukunaga.

Netflix/Divulgação
Série conta a história do reinado de Elizabeth II (foto: Netflix/Divulgação)

Bem, os dois se tornaram próximos. Fukunaga logo se tornou um dos nomes fortes da produção audiovisual norte-americana – foi um dos criadores de True detective, em que Goldman só não trabalhou porque tinha outros compromissos.

O brasileiro conseguiu uma agente, com quem está até hoje, que foi lhe garantindo bons trabalhos: entre eles estão Jane Eyre (de 2011, dirigido por Fukunaga), Álbum de família (2013, de John Wells, com Meryl Streep e Julia Roberts) e Trash: A esperança vem do lixo (2014, de Stephen Daldry).

O trabalho junto a Daldry na produção britânica filmada no Brasil acabou lhe rendendo o convite para The crown. “Durante Trash, nós começamos a falar sobre o futuro e possíveis colaborações. Na época, The crown nem existia. Quando a série começou a virar realidade, eu disse que queria trabalhar nela por causa dele (Daldry)”, continua Goldman.

De acordo com ele, o método proposto pelo britânico foi tão “agradável” que ele resolveu continuar no projeto. “Admito que resolvi trabalhar na segunda temporada por conforto (Goldman vai fazer a fotografia de cinco dos 10 episódios do segundo ano). Além disto, Daldry é um artista com quem quero continuar conectado.”

Para Goldman, a experiência em The crown lhe deu uma outra dimensão profissional. “É a escala das coisas. Você tem facilidade de acesso a qualquer equipamento. E, no fundo, a grande diferença é o orçamento. Com o dinheiro que tenho disponível e a maturidade dos produtores, todos entendem que ele tem que ser gasto.”

Logo no início das filmagens da primeira temporada, uma decisão modificou bastante o projeto. “The crown seria 60% em estúdio. Depois, resolveram que seria 90% em locações.” Trabalhando numa “cidade caríssima” e utilizando “muito espaço público”, Goldman vem tocando o projeto como deseja.

“Minha primeira intenção, dentro do possível, é reproduzir a luz natural, ou fazer com que ela vire uma luz cinematográfica. Apesar de ninguém ter me pedido isso, o lugar onde a ação acontece não tem um ‘circo’. Não é um set de cinema. A luz está do lado de fora, então isso dá uma liberdade grande para o diretor e o elenco, pois todos ficam menos engessados”, acrescenta ele.

No entanto, o dinheiro, para Goldman, está longe de ser tudo. Entre o fim da primeira e o início da segunda temporada de The crown, ele fez a fotografia de Dark river, filme da britânica Clio Barnard. “Foi o projeto de orçamento mais baixo em que já trabalhei na vida. E é interessante porque você tem que partir do princípio de que não adianta sonhar com situações de luz ideal. Isso faz com que você parta para outros parâmetros.”

Cheio de possibilidades, Goldman ainda não sabe quando volta para casa – ainda que esteja vivendo direto em Londres há dois anos, sua residência oficial é no Rio. Não descarta dirigir seu próprio filme. Mas, a curto prazo, pretende continuar trabalhando para os outros. “Em dois anos faço quatro filmes como fotógrafo. E um filme pequeno toma o mesmo período na vida de um diretor.”

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