Saúde Plena

Desabastecimento

O transplante de medula óssea no Brasil corre sérios riscos


O transplante de medula óssea é uma modalidade terapêutica que representa esperança de vida para pacientes com doenças malignas e não malignas, como as leucemias, linfomas, mieloma múltiplo, neuroblastomas, imunodeficiências, anemia falciforme, aplasia de medula, dentre outras. Para conversar sobre um obstáculo recente para realização deste tratamento no Brasil, convidei o doutor Gustavo Machado Teixeira, médico Responsável Técnico de Transplante de Medula Óssea no Hospital das Clínicas-UFMG, a quem credito a autoria do texto abaixo:

Para que o transplante aconteça, o paciente recebe um regime preparatório com drogas (fármacos) quimioterápicas associadas ou não a radioterapia, antes de receber a infusão das células tronco hematopoéticas. Os objetivos da utilização desse regime preparatório são destruir as possíveis células malignas remanescentes, proporcionar imunossupressão (evitando as rejeições) e criar espaço na medula óssea para receber as novas células tronco do doador.


Na última década, temos vivenciado um processo contínuo de desabastecimento de drogas quimioterápicas para tratamento de pacientes com câncer, e algumas dessas drogas são utilizadas no transplante de medula óssea, como a carmustina, a lomustina e o melfalano. Muitas dessas drogas descontinuadas foram utilizadas por várias décadas e mostravam ser extremamente eficazes, seguras e baratas.

A "bola da vez da descontinuação da distribuição" é o bussulfano. Em 23 de novembro de 2020, fomos notificados pelo Laboratório Pierre Fabre do Brasil - LTDA a respeito da descontinuação da distribuição do bussulfano no Brasil e que o último lote disponível tem validade até 31 de junho de 2021. Essa empresa é a única responsável pela distribuição do bussulfano no Brasil. Essa descontinuação terá enorme impacto na realização dos transplantes de medula óssea no país.

Como analogia ao que estamos vivenciando durante a pandemia da COVID-19, seria como a empresa responsável por fabricar respiradores mecânicos utilizados nas Unidade de Terapia Intensiva e não houvesse como obter respiradores mecânicos para todos os pacientes que necessitam de ventilação mecânica, como os pacientes com complicações pulmonares graves relacionadas à COVID-19. Nesse cenário de desabastecimento de quimioterápicos, também há dificuldade de utilização de outro fármaco substituto ou temos dificuldade de importação.


Qual é o impacto da descontinuação do bussulfano? Com a ausência do medicamento, se tornará inviável qualquer transplante de medula óssea no Brasil, seja esse um transplante em adultos ou em crianças, seja em hospitais públicos ou em hospitais privados. Para se ter uma ideia, em 2019, conforme dados do Registro Brasileiro de Transplantes, foram realizados 3.805 transplantes em adultos e 534 transplantes pediátricos.

Como podemos proteger nossos pacientes sem termos meios legais que possam evitar este tipo de situação (descontinuação da fabricação e/ou comercialização de fármacos)? Acredito (e defendo) que sejam revistas as normativas que regulamentam não apenas o registro de fármacos com rigor, mas também a decisão por descontinuá-los. Precisamos também que nossas autoridades sanitárias estejam atentas ao desabastecimento desses tratamentos e sejam ágeis em providenciar a importação e, se necessário, a quebra de patentes em situações emergenciais para que os laboratórios com parceria com o Ministério da Saúde assumam a fabricação desses medicamentos.

Tem alguma dúvida ou gostaria de sugerir um tema? Escreva pra mim: carolinavieiraoncologista@gmail.com