Carnaval é tempo de foliões e infecções

A festa não é uma emergência de Saúde Pública, mas gera situações de risco para tal

Ramon Lisboa/EM/DA Press
(foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press )

O carnaval nos traz momentos de extrema alegria, diversão e integração de pessoas e culturas. Carnaval é nossa festa maior e inigualável. Originalmente, nossa forma de celebrar a vida e expressar de forma irreverente os absurdos do cotidiano.


Mas, trata-se de um momento também de exposição a situações de riscos infecciosos importantes. Preservar a alegria e ao mesmo, a integridade das pessoas é responsabilidade sobretudo, de cada um de nós, do Estado, mas fundamentalmente de quem se alegra celebrando a vida.

 

Livre arbítrio exige responsabilidades e reflexão sobre ética e princípios. Não se colocar em risco e nem expor terceiros é o resumo destes princípios.


Abordaremos hoje alguns dos problemas de saúde pública associados à alegria do carnaval. Não no sentido de inibir a alegria, mas de tornar este momento genuíno em algo para não se arrepender no futuro.


AIDS, Sífilis, Gonorreia, Mononucleose, Hepatite B e C, HPV, Herpes simples etc são alguns desses problemas. Não nos esqueçamos das infecções de pele e partes moles relacionadas ao contato próximo entre as pessoas, da Leptospirose, as Meningites e as doenças associadas ao exagero com o abuso de álcool e outras drogas ilícitas, que são, da mesma forma, problemas evitáveis.


Vamos às doenças previamente mencionadas.


AIDS, Sífilis, Gonorreia, Hepatite B, HPV são doenças sexualmente transmissíveis, assim como o Herpes simples e a Mononucleose. Ou seja, a principal maneira de controlá-las e evitá-las é o uso de preservativos, masculino e feminino, gratuitamente distribuídos pelo SUS.


Com frequência, me perguntam:

- Quando teremos uma vacina contra a AIDS?

Minha resposta é simples:

-Já temos!

 

Camisinha e preservativo feminino. Ambos disponíveis em todas as Unidades Básicas de Saúde(UBS). Associados a consciência, não existe vacina mais eficiente. Além da AIDS, previnem também Gonorreia, Sífilis, Hepatite B, HPV e gravidez não planejada.


Ou seja, preservativos previnem problemas de uma vida inteira...


A AIDS, doença viral descrita na década de 80 do século passado, matou e ainda mata milhares de pessoas em todo o mundo. Transmitido pelos fluidos e secreções presentes no ato sexual, o vírus compromete o sistema de defesa do nosso organismo tornando o indivíduo vulnerável a diversas infecções por microrganismos com os quais convivemos em nosso dia-dia. Além das infecções oportunistas, a pessoa vivendo com o vírus da AIDS fica mais susceptível a diversas formas de câncer, doenças cardiovasculares e neurológicas.


AIDS hoje, diferentemente de alguns anos atrás, tem tratamento extremamente eficaz e cada vez menos tóxico. Extraindo o preconceito e o estigma, fruto dos anos 80, trata-se de uma doença crônica, perfeitamente controlável, principalmente quando o diagnóstico é feito precocemente.

 

Quanto mais cedo o diagnóstico e o tratamento, mais normal é a vida dos pacientes e maiores são as oportunidades de se usufruir dos avanços tecnológicos, que certamente trarão solução definitiva para essa doença nos próximos anos.


A alta eficácia dos tratamentos atuais disponíveis gratuitamente na rede pública acabou por gerar um relaxamento com as medidas de prevenção de outras doenças sexualmente transmissíveis. Enquanto a mortalidade pela AIDS diminuiu no Brasil e praticamente em todo o mundo, aumentaram os casos de Sífilis, gonorreia e Herpes.


Além disso, o início cada vez mais precoce da vida sexual, sem uma devida orientação, além de gravidez na adolescência, gera também, casos de AIDS numa geração que não conviveu com a doença nos momentos de ausência completa de tratamento.


Desta forma, a AIDS cresce nas faixas etárias entre 15 e 30 anos, assim como as demais DSTs.


Educar de forma permanente é fundamental, principalmente nas escolas, ambiente de trabalho e dentro das nossas casas. Falar de forma clara com os filhos e mostrar-lhes a importância do sexo seguro e responsável como uma forma de se viver de maneira saudável, prazerosa e de se preservar a espécie humana é nossa missão enquanto pais. Faz parte da educação diária, assim como, ensinar escovar os dentes.


Se existem dificuldades para se falar sobre o assunto com seus filhos, o problema não é deles, é seu. Portanto, procure auxilio, informe-se, eduque-se e preserve a vida de quem você ama e o seu próprio sossego.


Não menos importante que a AIDS é a Sífilis. Trata-se de uma doença bacteriana milenar que acomete a humanidade, praticamente desde o seu surgimento. A Sífilis, assim como a AIDS, acometeu ao longo da história pessoas de todas as classes sociais e sempre esteve ligada a boemia e aos prazeres do sexo desmedido.


Vivemos hoje no Brasil uma epidemia de Sífilis, apesar de dispormos de métodos diagnósticos seguros e de tratamento altamente eficaz. A Sífilis é uma doença que se desenvolve em fases, com um longo período de latência, ou seja, sem qualquer sintoma, o que a torna ainda mais perigosa.


Na primeira fase, surge uma lesão indolor na região genital, boca ou ânus, que some sozinha em aproximadamente, uma semana. Muitas vezes esta lesão passa completamente despercebida pelos pacientes.


Na fase seguinte, que pode se desenvolver em semanas ou meses, conhecida com secundária, a Sífilis se apresenta geralmente com quadros de febre e manchas pelo corpo, que também desaparecem espontaneamente.


A fase terciária pode se manifestar anos depois com sintomas em diversos órgãos, sendo as manifestações neurológicas uma das mais graves. A demência é uma destas manifestações, que se confunde com outros quadros psiquiátricos e a Doença de Alzheimer. Lesões em nossa principal artéria, a aorta, podem levar a sua ruptura e morte súbita.


Sífilis é uma doença perfeitamente tratável com um antibiótico antigo, barato e histórico, a penicilina. Entretanto, a falta do diagnóstico e consequentemente do tratamento é causa de graves complicações no futuro.

 

A prevenção é o sexo seguro com o uso do preservativo para o coito vaginal, anal e oral. Entretanto, na fase secundária as lesões de pele e mucosas são altamente transmissíveis, sendo o uso do preservativo insuficiente para oferecer uma proteção segura. Nestas situações, o diagnóstico e o tratamento são a principal forma de evitar a transmissão da doença para terceiros.


A gonorreia é outra doença sexualmente transmissível, altamente negligenciada. A descoberta dos antibióticos e alta eficácia inicial destas drogas contra a Neisseria, bactéria que causa a doença, deu uma falsa sensação de segurança até mesmo para os profissionais de saúde. Entretanto, cada vez mais temos visto casos de infecções graves associadas à estas bactérias, que hoje, encontram-se resistentes à maioria dos antibióticos que utilizávamos no passado.


Além da drenagem de pus pela uretra no homem e corrimento vaginal na mulher, Infecções articulares e infecções generalizadas pelo Gonococo resistente a múltiplos antibióticos são cada vez mais diagnosticadas em hospitais de todo o mundo.


O controle da Gonorreia é complicado, uma vez, que as mulheres podem ser portadoras assintomáticas destas bactérias e transmitirem para seus parceiros, sem a mínima consciência de estarem colonizadas.


Tanto a Sífilis quanto a Gonorreia não geram imunidade, ou seja, o individuo pode ter inúmeras vezes infecções idênticas. Infecções repetidas pelo gonococo são causa de obstrução crônica da uretra e graves complicações futuras, evitáveis em sua maioria pelo simples uso do preservativo.


A hepatite B é outra doença sexualmente transmissível perfeitamente evitável.


Vacina com mais de 99% de eficácia contra a doença estão disponíveis há mais de 20 anos, entretanto, ainda convivemos com milhares de caso de hepatite B em todo o mundo. Esse fato nos leva a questionar se uma vacina contra a AIDS de fato seria capaz de erradicar a doença do planeta.
Se não erradicamos a hepatite B, porque erradicaríamos a AIDS, apenas com esta estratégia?!


A hepatite B é uma doença viral que acomete o fígado, podendo levar a morte logo na fase inicial e aguda da doença. Diferentemente da hepatite A que raramente mata na fase aguda, a hepatite B pode causar a morte na fase aguda. O vírus pode ser eliminado do organismo por algumas pessoas, mas, em outros, pode permanecer ativo e provocar cirrose hepática e câncer no fígado.


A hepatite B além de prevenção altamente eficaz, tem também tratamento com medicamentos. Drogas, a princípio desenvolvidas para tratar a AIDS, se mostraram altamente eficazes no controle do vírus B.


Portanto, mais uma vez, o diagnóstico dos portadores do vírus, é fundamental no controle e prevenção da doença.


Em se tratando de carnaval, não poderíamos deixar de falar sobre o beijo e os seus riscos. Mais uma vez, não cabe aqui, qualquer juízo moral quanto a beijar 1 , 2 , 3 ...100 pessoas em X dias de Carnaval. Estamos falando do risco real de se adquirir doenças com elevado potencial de gravidade.
Mononucleose, Hepatite A, Meningite, amigdalite, herpes, são alguns exemplos.


Mas centralizemos na Mononucleose, tradicionalmente conhecida como Doença do Beijo. Trata-se de uma doença viral, provocada pelo vírus de Epstein-Barr. A mononucleose provoca uma forte dor de garganta, com formação de placa no orofaringe, febre alta e múltiplos linfonodos (íngua) na região do pescoço, axilas e virilha. Com frequência provoca também, aumento do fígado e baço.  O vírus é transmitido pela saliva, sangue e outras secreções, inclusive as genitais, portanto, trata-se também de uma doença sexualmente transmissível.


O beijo e o compartilhamento de copos e talheres são as formas mais frentes de transmissão da doença, que geralmente se desenvolve cerca de 30 a 45 dias depois do contagio. Portadores assintomáticos do vírus, são os principais transmissores da da doença.


Apesar da maioria dos casos ser assintomática, um percentual significativo de infectados desenvolvem sintomas extremamente desconfortáveis e que levam a um afastamento longo das atividades do dia-dia.


Não existe uma vacina ou um tratamento específico para a Mononucleose, o qual é feito basicamente com antitérmicos, repouso e hidratação. Apesar de ser uma doença que na imensa maioria das vezes é autolimitada, ou seja, cura sozinha, o vírus permanece no organismo sendo responsável por diversos tipos de câncer, principalmente os que acometem o sistema linfático, conhecidos com Linfomas.


Certamente a maioria dos beijadores não pesam nesta possibilidade no meio da folia e diante de tentações múltiplas, principalmente após ingerir umas e outras...


É sobre as “umas e outras “ que eu gostaria de dedicar as últimas linhas desta coluna.


A perda da lucidez é um dos principais problemas de saúde pública que podemos ter. Sem lucidez, perdemos a luz e o caminho a ser seguido. Perdemos o juízo e a capacidade de decidir sobre o certo e o errado.


Boa parte dos problemas que enfrentamos na vida, não apenas no carnaval, vem da perda do senso crítico e do autocontrole. Esse é um dos principais problemas que enfrentamos com o uso abusivo do álcool, ou qualquer outra droga.


Temos o livre arbítrio de escolher o que queremos de nossas vidas, assim como arcar com as consequências de nossas decisões. Não podemos culpar o álcool ou qualquer outra droga pelas consequências, se as decisões de as utilizar são inteiramente nossas.


E’ possível compatibilizar alegria e folia com responsabilidade? Claro!! Afinal, a amanhã vai ser outro dia... hoje e sempre é você quem manda...

Veja detalhes sobre todas as doenças comentadas nesta coluna no site do Ministério da Saúd.