Epílogo: Mens sana in corpore sano

Ressalto nesta última coluna a importância da melhora dos hábitos alimentares e a importância vital de manter o corpo minimamente ativo em todas as fases da vida, da infância à velhice

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A famosa frase de Décimo Junio Juvenal

 

Quando aceitei o desafio há 1 ano para escrever neste importante espaço na mídia, já imaginava ser uma grande responsabilidade, mas não tinha a dimensão real do alcance que teria entre os leitores.

Procurei nesse período trazer informação médica com enfoque principal nos temas mais próximos da minha área de atuação há vários anos, que é a endocrinologia.

Espero ter sido útil e colaborado com informações que possam ter contribuído com reflexões de temas importantes para a saúde humana. Falei nesse período sobre questões atuais que comprometem a qualidade de vida e atuam no adoecimento da população com temas como poluição do ar, disruptores endócrinos, baixa qualidade do sono, sedentarismo, hábitos alimentares inadequados, microbiota intestinal.

Pontuei sobre a importância das artes na melhoria da saúde física e mental das pessoas. Mencionei atualizações em questões relacionados à doenças da tireóide, diabetes mellitus, osteoporose, cirurgia bariátrica.

Diante da pandemia pontuei alguns aspectos do impacto da COVID-19 em algumas condições endocrinológicas como na insuficiência adrenal e os riscos para os pacientes diabéticos e obesos.

 

Como comentei em colunas anteriores, estamos em momento de crescimento exponencial de conhecimento científico e grandes conquistas têm sido obtidas pela humanidade nas últimas décadas, mesmo às custas de alguns efeitos colaterais.

Fica impossível acompanhar na área médica a enxurrada de publicações que surgem continuamente. Procurei fazer um filtro de assuntos que julguei pertinente para serem trazidos a público nesse período.

Já na minha primeira coluna apresentei de forma abreviada o que seria a endocrinologia e qual o papel de atuação do especialista nessa área. Nós, médicos endocrinologistas, juntamente com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), temos compartilhado uma grande preocupação com a deturpação da especialidade e a proliferação indiscriminada do uso impróprio, descabido, inadequado e abusivo de hormônios em situações desnecessárias, contraindicadas e perigosas.

Alguns pacientes desavisadamente banalizam o uso de hormônios buscando neles a possibilidade de soluções mágicas com intenções meramente estéticas e cosméticas, achando que o uso dessas substâncias são a maneira mais simples e rápida de atingir objetivos corporais nada recomendáveis nem eticamente aceitáveis.

Isso acontece cada vez pela fácil divulgação por parte de alguns profissionais que não são reconhecidos como endocrinologistas e até mesmo por pessoas que nem são médicas, mas que divulgam informações pseudocientíficas prometendo resultados “incríveis” do uso hormonal nas redes sociais e seduzindo uma quantidade cada vez maior de desavisados enfeitiçados pela magia dos hormônios como solução mágica para todo tipo de demanda.

 

Esses pacientes imaginam estar fazendo grande vantagem para sua saúde quando na verdade podem estar criando riscos graves em quem até então nem doença prévia tinha, mas que podem na verdade estar arrumando problemas de saúde. Vale ressaltar que, quando esses mesmos pacientes apresentam complicações graves e sequelas dessas contraindicadas, inaceitáveis e inadequadas prescrições hormonais por parte desses profissionais não habilitados, é o endocrinologista bem formado, preparado e que atua de forma ética a quem os pacientes recorrem para procurar atendimento e auxílio para “apagar incêndio” - não ao profissional que causou o dano.

 

Aproveito o ensejo nessa minha última publicação utilizando esse espaço de grande alcance para alertar os leitores reproduzindo aqui integralmente uma publicação do site oficial da SBEM de 15 de junho de 2020 intitulada Posição Internacional sobre Abuso de Hormônios. 

 

“Recentemente a SBEM, através do vice-presidente, Dr. Cesar Boguszewski, recebeu um convite do Dr. Michael Irwig, representante da American Association of Clinical Endocrinologists (AACE) para participar da produção de um artigo sobre o uso e abusos de vários hormônios, que é uma permanente preocupação da Sociedade e dos endocrinologistas brasileiros. O artigo foi publicado na edição de março de 2020, da Endocrine Practice que é a Revista Científica Oficial da AACE. “O conteúdo inclui o mau uso dos hormônios tireoidianos, hormônio de crescimento (GH), testosterona, suplementos adrenais, entre outros, abordando todos os riscos do uso inapropriado, inclusive com impactos econômicos negativos para os sistemas de saúde”, explicou o Dr. Cesar.  

O endosso da SBEM ao documento tem uma importância fundamental, pois esse tema vem sendo discutido há muito tempo e é de grande interesse dos associados. A preocupação da SBEM, assim como de outras sociedades internacionais, é com a prescrição abusiva e indiscriminada de hormônios por médicos não especialistas e mesmo por outros profissionais de saúde. Desconhecendo ou deliberadamente negligenciando os riscos terapêuticos envolvidos, não especialistas recomendam tratamentos hormonais para fins estéticos, como terapia antienvelhecimento ou para doenças que nem mesmo existem, como fadiga adrenal.

“É muito importante a ampla divulgação desse artigo, pois, agora, todos os endocrinologistas dispõem de um posicionamento oficial de uma entidade representativa internacional, endossada pela SBEM, abordando os aspectos mais relevantes em relação ao mau uso de hormônios. Podem inclusive servir como base para processos ético-legais”. A publicação faz uma revisão completa da literatura científica, mostrando as indicações aceitas para o uso dos diferentes hormônios na prática clínica e, principalmente, onde não devem ser usados. 


Contexto e Importância do Documento

No texto, os pesquisadores explicam que nas últimas décadas, observou-se um aumento sem precedentes no uso off label e no uso indevido de testosterona, GH, hormônio da tireoide e suplementos adrenais. A terapia com testosterona é frequentemente proposta aos homens de meia idade ou mais velhos sem doença endócrina estabelecida, com intuito de promover mais disposição, ganho de energia e de libido, enquanto o GH é especialmente usado indevidamente com intuito de retardar ou reverter o processo de envelhecimento. Já os hormônios da tireoide são há muito tempo empregados, erroneamente, como emagrecedores e os glicocorticoides, oferecidos como tratamento de fadiga crônica e anti-estresse.  No artigo, os autores deixam claro que não há evidências científicas para apoiar esse tipo de prescrição.

“Como todo bom endocrinologista sabe, testosterona, GH, hormônio tireoidiano e glicocorticoides devem ser prescritos como terapia de reposição hormonal a pacientes com diagnóstico de uma doença endócrina estabelecida, como hipogonadismo, hipopituitarismo com deficiência de GH, hipotireoidismo e insuficiência adrenal, situações clínicas em que os benefícios e potenciais riscos de tais tratamentos estão bem consolidados na literatura médica”, detalhou.

O artigo destaca ainda os vários fatores, que contribuíram para o aumento do uso off-label e indevido desses hormônios e suplementos. Todos têm forte apelo comercial:

- publicidade direta ao consumidor, 

- fake news (sites com alegadas informações médicas legítimas que distorcem achados científicos) 

- entidades e empresas com fins lucrativos que promovem terapias hormonais com fins estéticos e como fonte de juventude, sem considerar os potenciais riscos inerentes a essa má prática clínica.

A SBEM vem divulgando, com regularidade, alertas em relação aos riscos e os muitos efeitos colaterais desconhecidos do uso indevido de hormônios, e o artigo publicado na Endocrine Practice vem somar aos esforços da entidade.”

 

Fica aqui então meu agradecimento a todos os leitores, em especial aos que me mandaram mensagens com elogios ou críticas, pois nelas foram trazidos comentários e sugestões e até mesmo menção a pequenas correções, mas todas de alguma forma enriqueceram meu trabalho e me incentivaram para aperfeiçoamento e esforço para escrever o melhor que podia por todo esse período em que estivemos juntos.

Deixo ainda meus agradecimentos ao Portal UAIrepresentado pelo Benny Cohen (editor de mídias convergentes), que me deu toda liberdade para a escolha dos temas médicos que achei relevante trazer para o público leitor.

Diante dos temas que julguei importante divulgar neste espaço ficam algumas poucas e simples mensagens finais. Ressalto a importância da melhora dos hábitos alimentares, devemos nos preocupar em ler melhor os rótulos, sermos mais criteriosos nas escolhas alimentares. Entender que o hábito alimentar é diverso na espécie humana há milhares de anos, não existe uma dieta melhor do que a outra, mas existem escolhas melhores ou piores que irão impactar diretamente na qualidade de vida e no processo de adoecimento das pessoas. Comer é um ato social e cultural e devemos prestar atenção de que o ato de comer é sagrado, é um momento único de convívio familiar e comunitário e não simplesmente o de comer nutrientes.

Junto a isso a importância vital de manter o corpo minimamente ativo e a praticar frequentemente atividade física tem importância crítica em todas as fases da vida da infância à velhice. 

 

Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Décimo Júnio Juvenal. No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida:

 

“Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.

Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,

que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,

que suporte qualquer tipo de labores,

desconheça a ira, nada cobice e creia mais

nos labores selvagens de Hércules do que

nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.

Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;

Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.”

 

Quer falar comigo? Envie email para arnaldoschainberg@terra.com.br