Saúde Plena

Entenda a Síndrome dos Ovários Policísticos, frequente mas desconhecida

Em relação a muitas doenças é comum percebermos que mesmo elas sendo muito frequentes, fica perceptível que entre os pacientes existe uma grande falta de conhecimento sobre elas. Isso impede que eles reconheçam os sinais e sintomas de alerta e atrasam a procura por avaliação médica por não saber qual a importância e o impacto na saúde de determinada doença. Resolvi hoje então comentar alguns aspectos de uma patologia bastante frequente entre as mulheres. 



A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é condição endócrina das mais comuns que acomete as mulheres jovens, e usando dados dos Estados Unidos, ela afeta 6 a 12% das mulheres em idade reprodutiva. O que exatamente causa a SOP e seu impacto total no corpo de uma mulher ainda não está totalmente claro. A síndrome é caracterizada por hiperandrogenismo (excesso de hormônios masculinos), distúrbio menstrual e subfertilidade mas não necessariamente estarão todas essas características presentes na mesma paciente. Sabemos que as mulheres com SOP têm disfunção ovulatória, o que significa que a ovulação é irregular ou pouco frequente. Mulheres com SOP podem experimentar anovulação (falta de ovulação), irregularidades menstruais, e à ultrassonografia dos ovários eles se apresentam de volume aumentado e policísticos. Por conta dos ciclos irregulares e sem ovulação as mulheres podem ter aumento do risco de infertilidade.

Em função do hiperandrogenismo é comum a presença de manifestações cutâneas, incluindo hirsutismo (excesso de pelos pelo corpo), acne e perda de cabelo no couro cabeludo. Outra manifestação comum que pode ocorrer na pele é a acantose (espessamento e escurecimento da pele associado à resistência à insulina). Essas alterações podem levar a desconforto emocional como angústia, ansiedade e até quadros depressivos especialmente por ser um problema que se inicia na puberdade e interfere na auto-estima.

Muitas mulheres com SOP também têm distúrbios metabólicos e apresentam resistência à insulina, o que significa que seus corpos produzem insulina, mas não têm a capacidade de agir com eficiência. O corpo então precisa produzir mais insulina na tentativa de manter um nível normal de açúcar no sangue. Quando os níveis de glicose no sangue continuam a aumentar apesar do aumento dos níveis de insulina, o Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) se desenvolve. Isso faz com que as mulheres com SOP apresentem um risco aumentado de algumas complicações durante a gravidez como o risco para diabetes gestacional e pré-eclampsia e ao longo da vida  aumenta também a chance de evoluírem para DM2. 



Aproximadamente 40% a 85% das mulheres com SOP estão com sobrepeso ou obesas em comparação com os controles da mesma idade. A resistência à insulina está presente em mulheres magras e obesas com SOP (30% e 70%, respectivamente) em comparação com controles e pareados por idade e peso descrito em alguns estudos. Mas as mulheres com SOP também enfrentam um outro grande problema que é o ganho de peso A resistência à insulina é frequentemente citada como um grande fator que contribui para a obesidade. Não está claro se a SOP é uma causa direta dos quilos extras que muitas mulheres apresentam mas parece existir uma ligação. Algumas evidências  sugerem que as mulheres que tem SOP teriam também uma maior suscetibilidade genética à obesidade. Acaba virando um ciclo vicioso pois como a própria SOP pode fazer as mulheres ganharem peso mais facilmente do que outras, e quanto mais peso elas ganham, mais piora a disfunção ovariana e o aparecimento adicional de sintomas. A relação exata entre peso e SOP ainda não é muito bem conhecida, no entanto, estar acima do peso ou estar obeso aumenta o risco de algumas condições associadas à SOP, como já falado antes de DM2, doenças cardiovasculares ou até do câncer endometrial. 

Em medicina o que não falta são polêmicas, no caso da SOP tem sido comum mudanças nas definições da doença e mudanças nos critérios de diagnóstico que vão sendo moldados conforme o surgimento de novos conhecimentos científicos. A SOP foi descrita pela primeira vez pelos autores Stein e Leventhal em 1935 em uma série de casos de sete mulheres com amenorreia (falta de menstruação) e infertilidade associadas a múltiplos cistos nos ovários. 

Ao longo dos anos vários critérios de diagnóstico existiram e suas mudanças expandiram o número das mulheres que são rotuladas como SOP. Os critérios para o diagnóstico vem sofrendo idas e vindas e tem sido constantemente atualizados e alterados nos últimos anos. Assim já tivemos os consenso formulado pelo National Institutes of Health (NIH) em 1990, depois em 2003 uma reunião de especialistas em Roterdã, quando foi adicionada a necessidade da presença ultrassonográfica de ovários policísticos. Uma força-tarefa da Sociedade de Excesso de Androgênios e SOP em 2006 estabeleceu que evidências clínicas ou bioquímicas de hiperandrogenismo (excesso de hormônios masculinos) seria essencial para o diagnóstico, pois existiam padrões de mulheres com SOP não hiperandrogênicas e essas não teriam os mesmos riscos metabólicos de longo prazo comparado com as com hiperandrogenismo. Em 2012 um workshop do NIH revisou as evidências e recomendou novamente manter os amplos critérios de Roterdã. 



Ainda assim, muitos especialistas questionam até hoje a orientação da última revisão que retornou a inclusão da necessidade da detecção na ultrassonografia pélvica de um padrão de ovários policísticos como um dos três principais critérios. Uma das razões para criticar a necessidade deste achado  ultrassonográfico é que poderia existir um padrão polimicrocítico nos ovários de muitos mulheres que não apresentam outros critérios para terem o diagnóstico firmado de SOP. Ter os ovários com características dos ovários policísticos pelo ultrassom foi encontrado em 62-84% das mulheres com idade 18-30 anos na população em geral e em 7% das mulheres entre 41 e 45 anos e mesmo assim não deveriam ser classificadas com o diagnóstico de SOP. Apesar do nome ser de Síndrome dos Ovários Policísticos a presença de cistos no ovário não é indispensável e temos mulheres com quadro de SOP com ultrassom normal e o contrário, mulheres com policistos no ovário mas sem possuir outros critérios para o diagnóstico da síndrome.

Refinar os critérios diagnósticos com as melhores evidências possíveis da literatura científica é muito importante, pois a partir de um diagnóstico mais preciso pode-se levar à seleção mais adequada das mulheres que realmente tem melhor indicação para se beneficiar de algum tratamento.

O tratamento para SOP dependerá da variedade de sintomas que variam para cada mulher e como estão lidando com suas queixas, dos resultados dos testes, dos fatores de risco para DM2 e de doenças cardíacas e dos planos de gravidez. Uma terapia que quase sempre pode ser recomendada é o exercício, que ajuda o corpo a usar insulina com mais eficácia e pode reduzir o risco de DM2. Se a paciente estiver acima do peso, combinar dieta e exercício para perder pelo menos 5% a 10% do seu peso corporal pode ajudar a reduzir o colesterol alto, o pré-diabetes e, potencialmente melhora da infertilidade. Intervenções voltadas à perda de peso também pode melhorar a evolução da gravidez e as taxas de nascimentos vivos em mulheres com SOP.



Nas avaliações médicas então identificamos quem pode se beneficiar mais do uso de drogas, como a de pílulas contraceptivas via oral para regular o ciclo menstrual ou para reduzir o hirsutismo (excesso de pelos). Outro objetivo pode ser o da diminuição do risco de câncer endometrial. Devemos individualizar e discutir a necessidade de medicamentos orais que possam ajudar na melhora da sensibilidade à insulina e potencialmente diminuir o risco de tolerância à glicose diminuída e até de DM. As mulheres com SOP que buscam gravidez podem se beneficiar do conhecimento de que possuem uma disfunção ovulatória para auxilia-las no planejamento familiar e a procurar mais precocemente avaliação que pode precisar incluir medicamentos para indução da ovulação. 

Embora os pesquisadores não tenham confirmado uma ligação genética clara, a SOP costuma ocorrer em famílias, e é possível que uma mutação específica contribua para o desenvolvimento da doença por uma mulher. Se a paciente tiver uma mãe ou irmã com SOP ou um parente de primeiro grau com DM ou intolerância à glicose, isso pode significar que você tem mais chances de desenvolver a doença. Estima-se que um quarto das mulheres com SOP tem mães com a doença e um terço tem irmãs com a doença.

No final das contas se a SOP é uma causa direta do ganho de peso ou não, ainda fica muito evidente que a perda de peso é útil. Quando se trata de SOP, o foco principal é sempre alguma perda de peso, mesmo que discreta, a modificação da dieta e as mudanças no estilo de vida. A SOP é uma condição médica complexa que requer cuidados que vão mudando ao longo da vida à medida que a condição evolui e as necessidades de cuidados de saúde de uma determinada paciente mudam ao longo das fases diferentes da vida da mulher.