Genética do câncer foi a grande temática do Congresso AACR 2021

Sessão plenária contou com apresentações que exploraram a genômica do desenvolvimento do câncer, com ênfase nos processos de instabilidade cromossômica tumoral

National Cancer Institute/Unsplash
(foto: National Cancer Institute/Unsplash)

O congresso anual da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer (AACR) é considerado o maior e mais importante evento mundial da oncologia translacional, que se refere a ensaios pré-clínicos ou de laboratório que norteiam os estudos clínicos de novas ferramentas diagnósticas e de tratamentos para o câncer. Também são alvos desse congresso a genômica do câncer e os ensaios clínicos de drogas, moléculas e imunobiológicos pioneiros no tratamento oncológico.

Este ano, o congresso foi realizado entre os dias 9 e 14 de abril e a sessão plenária, que é a principal é a mais aguardada, teve suas palestras focadas na genética do câncer, mais especificamente no papel da instabilidade cromossômica para o desenvolvimento dos tumores.

Essa sessão plenária especial foi dedicada à memória da renomada bióloga molecular e geneticista Dra Angelika Amon, cientista austríaca falecida em 2020 e que deixou como legado relevantes pesquisas na área da genômica do câncer.

A plenária contou com quatro excelentes apresentações, que exploraram com maestria a genômica do desenvolvimento do câncer.

Genomas do câncer passariam por explosões de alterações genéticas semelhantes ao "big bang"

A primeira palestra foi ministrada por doutor David Pellman, do Dana Farber de Boston (EUA), e explorou a compreensão da origem dos genomas do câncer, não só pela via tradicional gradual ou "darwiniana", mas principalmente pela via dos eventos mutagênicos críticos do DNA celular, ou as denominadas "mutações catastróficas".

Além da evolução gradual, parece que os genomas do câncer passam por explosões de alterações genéticas semelhantes ao "big bang". Como os genomas do câncer podem ser extremamente complicados com centenas ou milhares de rearranjos cromossômicos, é parcimonioso considerar que essa complexidade pode ocorrer rapidamente, por meio de um pequeno número de explosões de mutação.

Estudos recentes mostram que uma quantidade significativa de alterações no genoma do câncer se origina de anormalidades na estrutura e integridade do núcleo, o que os patologistas chamam de "atipia nuclear".

Pellman abordou em sua apresentação as causas e consequências de três desses processos mutacionais: duplicação do genoma inteiro, cromotripsia (multifraturamento e rearranjo de segmentos do genoma com perda da seqüência original, o que pode reposicionar genes que controlam a divisão celular) e ciclos de ponte de fusão-quebra de cromossomos. Ele também discutiu sobre as potenciais implicações terapêuticas desses estudos pioneiros.

Instabilidade cromossômica e evolução tumoral

Já o pesquisador doutor Samuel F. Bakhoum, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center de Nova York (EUA), palestrou sobre a Instabilidade cromossômica e a evolução tumoral. Ele observou que a instabilidade cromossômica é conhecida como uma marca registrada do câncer há mais de um século.

O avanço do sequenciamento da próxima geração (NGS) mudou a atenção coletiva para mutações em oncogenes individuais e para genes supressores de tumor como condutores de câncer, mas com muito menos ênfase sobre a instabilidade cromossômica, apesar de sua associação bem conhecida com cânceres avançados e metastáticos. Isso ocorreu porque o NGS, via de regra, avalia alterações gênicas e não cromossômicas. Somente mais recentemente os processos geradores de instabilidade cromossômica passaram a ganhar mais atenção dos cientistas e pesquisadores.

A instabilidade cromossômica deve ser sempre considerada, pois a maioria dos pacientes morre de metástases, mas a busca para a identificação dos genes individuais, que levam a essas metástases, não tem sido frutífera. Em um artigo publicado há três anos na Nature, Bakhoum e seus colegas mostraram que a instabilidade cromossômica é um impulsionador da progressão do câncer e da metástase.

Segundo ele, na última década, nossa compreensão dos mecanismos e consequências da instabilidade cromossômica no câncer, bem como nossa capacidade de desenvolver modelos experimentais que nos permitem dissecar a instabilidade cromossômica, abriu uma nova área na oncologia.

Os pesquisadores agora pensam na instabilidade cromossômica como uma alteração direcionável, em vez de uma caixa preta. Ao saber que as células normais não têm instabilidade cromossômica, é possível entendê-la como uma vulnerabilidade. Assim, é possível despertar o sistema imunológico para ver a instabilidade cromossômica como um fenômeno estranho, em vez de um evento próprio do nosso organismo, explicou o colega cientista.

Como as vias de reparo do DNA e das respostas de danos ao DNA celular estão relacionadas ao surgimento do câncer

Doutor Stephen P. Jackson, do FMedSci Wellcome Trust / Cancer Research (Inglaterra), discorreu em sua palestra sobre o desenvolvimento de uma melhor compreensão sobre como o câncer surge, o que requer o entendimento das vias de reparo do DNA e das respostas de danos ao DNA celular. Em sua palestra intitulada Explorando a instabilidade do genoma para novas terapias contra o câncer: Inibidores de PARP e além, Jackson fez uma revisão de pesquisas anteriores que levaram ao desenvolvimento de inibidores das chamadas enzimas PARP.

Essas enzimas são capazes de reparar as deficiências do reparo do DNA em células tumorais. O uso, portanto, de uma medicação inibidora dessas enzimas pode induzir à morte celular tumoral, principalmente em tumores que apresentem mutações em genes igualmente especializados no reparo da recombinação homóloga, como por exemplo o BRCA1 e o BRCA2.

Jackson discutiu como as tecnologias de triagem genética podem identificar mais terapias que visam as vias de reparo do DNA; os mecanismos pelos quais os cânceres desenvolvem resistência a essas terapias; como a resistência a uma droga pode levar à oportunidade terapêutica com uma droga diferente; além de como defeitos na estabilidade genômica se associam ao câncer.

De acordo com Jackson, com base nos recentes resultados, é possível ser otimista sobre a geração e a utilidade de novas terapias anticâncer direcionadas para reparo de DNA. Isso, combinado com outros desenvolvimentos na pesquisa do câncer e aplicações clínicas, pode significar cada vez mais que os cânceres se tornam doenças muito mais controláveis.

As causas e consequências do estresse de replicação celular

Finalmente, a pesquisadora doutora Karlene A. Cimprich, professora da Universidade de Stanford (EUA), palestrou sobre As causas e consequências do estresse de replicação celular, abordando como as células respondem e toleram o estresse de replicação e as causas de algumas de suas origens. O estresse de replicação é comum no câncer e causa a instabilidade do genoma.

Para a pesquisadora, há uma resposta importante a esse estresse mediado pela quinase (catalizadora de uma reação química) ATR. Como muitas células cancerosas têm altos níveis de estresse de replicação, elas podem depender criticamente dessa via de resposta ao estresse.

A transcrição atua como uma fonte de instabilidade do genoma por meio da formação de R-loops. Tanto a transcrição quanto R-loops são fontes de estresse de replicação. As células cancerosas crescem com esse estresse e desregulam certas vias para ajudar em seu crescimento.

Na prática, os conhecimentos apresentados no congresso confirmam a tendência atual de entendimento genético do câncer para ampliar as estratégias de prevenção, assim como de rastreamento e tratamento do câncer. A oncologia de precisão é hoje a nossa luz no fim do túnel.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.


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