Saúde Plena

ONCOLOGIA

Tabagismo ainda se mantém como importante causa de morte por câncer nos EUA



O câncer é possível de prevenção. Este é um fato. E, por isso, frequentemente abordo aqui o impacto de alguns vícios como o alcoolismo e o tabagismo no processo de carcinogênese, de incidência e de mortalidade pela doença.


No caso do tabagismo, embora suas taxas tenham diminuído nos Estados Unidos, o hábito ainda contribui substancialmente para a carga do câncer, sendo responsável por quase 4 em cada 10 mortes por câncer em algumas áreas.

O dado vem de um estudo – publicado on-line em 26 de janeiro na "Cancer Causes & Control" – que analisou as variações geográficas nos Estados Unidos e descobriu que as maiores proporções de mortes atribuíveis ao tabagismo ocorreram no Sul e nos Apalaches.

A informação é interessante, pois reflete historicamente as políticas e programas de controle do tabagismo estaduais e locais mais fracos nessas áreas, incluindo impostos baixos sobre os cigarros, leis antitabagismo e programas de cessação do tabaco brandos e pouco abrangentes.



Ou seja, quanto maior o esforço para combater o tabagismo, menor o impacto das doenças causadas pelo uso do tabaco. Nesse sentido, valem todos os esforços: desde o não incentivo do hábito pelo cinema e TV, a uma maior carga tributária sobre o produto, assim como a realização de campanhas intensivas sobre os malefícios do tabagismo.

 

Variação Regional


 
Para chegar aos resultados, Islami e colaboradores examinaram a proporção de mortes por câncer atribuíveis ao tabagismo, de 2013 a 2017, em 152 áreas estatísticas metropolitanas e micropolitanas (MMSAs), nos Estados Unidos.

A proporção de mortes por câncer causadas pelo tabagismo variou de 8,8% em Logan (Utah-Idaho) a 35,7% em Lexington-Fayette (Kentucky). Mas, mesmo com essa grande variação, pelo menos 20% de todas as mortes por câncer foram atribuídas ao tabagismo em 147 das 152 MMSAs.


Interessantemente, a proporção de mortes por câncer atribuíveis ao fumo (ou fração atribuível à população) variou não apenas nos Estados Unidos, mas também dentro de regiões e estados individuais.

Por exemplo, no Nordeste, a proporção de mortes por câncer atribuíveis ao fumo variou de 24,2% a 33,7%; e dentro do mesmo estado do Texas, em Wichita Falls essa proporção foi 1,5 vezes maior do que em El Paso.

Os dados mostram que a proporção de mortes por câncer atribuíveis ao tabagismo foi maior em homens do que em mulheres em todas as MMSAs avaliadas. Entre eles, a proporção de mortes por câncer atribuíveis ao fumo variou de 11,7% em Provo-Orem, Utah, a 43% em Florence, Carolina do Sul.  Para as mulheres, variou de 5,2% em Logan (Utah-Idaho) a 31,7% na Cidade do Panamá, Flórida.

Embora o artigo não explique exatamente as razões das variações observadas em todo o país, os autores sugerem que a implementação desigual das taxas de impostos sobre o cigarro e outras iniciativas de controle do tabaco podem ser um fator.


Por exemplo, o alto imposto total sobre o consumo na cidade de Nova York (US $ 1,50 por maço, além do imposto estadual de Nova York de US $ 4,35 por maço), pode contribuir para a menor proporção de mortes por câncer relacionadas ao fumo na cidade de Nova York-Jersey-White em comparação com outras regiões do estado de Nova York e do Nordeste.

Nos EUA, aumentar o preço dos produtos do tabaco por meio de impostos especiais de consumo é a intervenção mais eficaz para reduzir a prevalência do tabagismo. Embora lá a taxa de imposto estadual sobre cigarros seja de US $ 4 por maço ou mais em Washington DC, Rhode Island, Nova York e Connecticut, ainda é menos de US $ 1,50 por maço em 23 estados, 19 dos quais estão no Sul e Meio-Oeste.

Adicionalmente, a elevada proporção de indivíduos de baixa renda – nos quais o fumo é mais prevalente – também pode, em parte, contribuir para taxas mais altas de mortalidade por câncer em alguns locais. No entanto, estudos anteriores mostraram que para o mesmo grupo socioeconômico, a prevalência de tabagismo em nível estadual é substancialmente mais baixa no Nordeste e no Oeste, que têm políticas de controle do tabagismo historicamente mais fortes.



Outras intervenções, como leis antifumo, proibições de anúncios e promoções de produtos de tabaco, campanhas na mídia contra o uso do tabaco, aconselhamento e tratamento para a dependência do tabaco também reduzem o hábito.

Deve-se notar que apenas uma proporção relativamente pequena dos fumantes atuais recebe aconselhamento sobre tabaco ou farmacoterapia nos EUA. Por exemplo, o aumento da cobertura do seguro saúde, inclusive por meio da expansão do Medicaid (programa Federal e Estadual que ajuda nas despesas médicas de algumas pessoas de baixa renda), e a inclusão abrangente dessas medidas de cuidados preventivos nos planos de saúde poderiam também ser implementadas.

Islami e colaboradores também apontaram que, embora este estudo não tenha considerado a influência da indústria do tabaco nos cânceres relacionados ao fumo, levantamentos anteriores mostraram que, historicamente, há forte resistência política às ações de controle do tabaco em estados produtores de tabaco, em grande parte por causa da influência dessa indústria.



 


No Brasil


 
Também aqui, conforme mostram dados anteriores, houve redução relacionada a uma intensa campanha de combate ao hábito. Segundo estudo citado pelo INCA – Iglesias RM, Szklo AS, Souza MCD, et al (2017) –, desde 1986, um amplo conjunto de intervenções legislativas, regulatórias, educacionais e econômicas para abordar o uso do tabaco vem sendo implementado, o que tornou nosso país líder mundial no controle do tabaco e um dos países mais bem-sucedidos na redução do uso do tabaco (de 34,3% em 1989 para 14,7% em 2013).

Conforme os últimos dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), enquanto em 2006, 15,6% da população tinham o hábito, em 2018, o percentual baixou para 9,3%. Interessantemente, cidades bem desenvolvidas, Porto Alegre e São Paulo, são as capitais com mais fumantes.

A tendência nacional, conforme indicam os números, é de queda constante desse hábito nocivo no Brasil, o que possivelmente terá impacto na incidência e mortalidade relacionadas a inúmeros tipos de câncer: de traqueia, brônquios e pulmão, laringe (cordas vocais); câncer na cavidade oral (boca); câncer de faringe (pescoço); câncer de estômago; câncer de cólon e reto; leucemia mieloide aguda; câncer de bexiga; câncer de pâncreas; câncer de fígado; câncer do colo do útero; câncer de esôfago; câncer de rim e ureter.



Assim como no hábito de alcoolismo, os homens estão à frente: fumam quase duas vezes mais do que as mulheres. Entre eles, a porcentagem de fumantes em 2018 foi de 12,1%. Já a parcela de mulheres fumantes ficou em 6,9%, sendo que entre elas, houve redução de 44% no hábito de fumar no período de 12 anos.

Apesar da queda do tabagismo, o hábito ainda tem um grande impacto negativo. Conforme o estudo “Carga de doença atribuível ao uso do tabaco no Brasil e potencial impacto do aumento de preços por meio de impostos”, disponível no site iecs.org.ar/tabaco, no Brasil, 428 pessoas morrem por dia por causa da dependência da nicotina, chegando a 156.216 mortes anuais. O maior peso é dado pelo câncer, doença cardíaca e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

Das mortes anuais causadas pelo uso do tabaco, 50.413 são por câncer (26.651 por outros cânceres e 23.762 por câncer de pulmão); 34.999 mortes correspondem a doenças cardíacas; 31.120 mortes por DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica); 17.972 mortes por tabagismo passivo; 10.900 por pneumonia; e 10.812 por AVC (acidente vascular cerebral). Além disso, aproximadamente 56,9 bilhões de reais são perdidos a cada ano devido a despesas médicas e perda de produtividade.



Podemos concluir que fumar não é bonito, é caro (para o indivíduo e para os governos), causa inúmeras doenças e a morte de milhares de pessoas. A escolha sobre não fumar não parece difícil, não é mesmo?!

 

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

 

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