Saúde Plena

ONCOLOGIA

Diabetes de início recente e o risco de câncer de pâncreas

Como tenho falado em vários artigos, ao destacar os fatores de risco e também as ações preventivas contra o câncer, a cada dia mais fica evidente que nosso corpo deve ser avaliado sempre como um organismo único, em que a existência de uma anormalidade pode desencadear um efeito negativo em cascata.



No caso do câncer de pâncreas, por exemplo, a ciência busca confirmar e entender a relação entre o diagnóstico de diabetes e o maior risco de desenvolver o tumor. O pâncreas é o órgão responsável pela produção de insulina, o hormônio que promove o controle dos níveis de açúcar no sangue. Já a diabetes nada mais é que a falta de insulina ou ainda o funcionamento inadequado de suas funções.

Recentemente, um estudo publicado na revista JAMA Oncology demonstrou que o chamado “diabetes de início recente acompanhado de perda de peso” foi associado a um aumento substancial no risco de câncer pancreático. Assim, a detecção precoce do diabetes é uma interessante estratégia para prevenção do câncer. O estudo de coorte contou com cerca de 160 mil homens e mulheres.

As análises apontaram que a perda de peso não intencional, principalmente entre aqueles com peso previamente saudável, e a idade avançada aumentam ainda mais o risco.

A taxa de risco para câncer de pâncreas registrada em pacientes com diabetes de início recente ficou em 2,97, em comparação com participantes que não tinham diabetes. Já, para aqueles com diabetes existente há mais de quatro anos, a taxa ficou em 2,16.



Por outro lado, essas taxas de risco aumentaram gradativamente conforme a quantidade de peso perdido em comparação com as pessoas que não perderam peso: 1,25 para aqueles que relataram uma perda de peso até 1,8 kg; 1,33 para aqueles com perda de peso de 2,2 a 3,6 libras; e 1,92 para aqueles com perda de peso de mais de 3,6 kg.

Em 2018, um outro estudo publicado no Journal of the National Cancer Institute já havia avaliado a relação entre o diabetes de início recente e o aumento de risco de câncer de pâncreas sem, contudo, avaliar a perda de peso. Agora, com os novos resultados, os pesquisadores deverão voltar a atenção para descobrir se o diabetes de início recente, após os 50 anos, no contexto de perda de peso, deve definir um protocolo de vigilância do câncer de pâncreas.

Dois estudos nesse sentido já estão recrutando pacientes. Um deles irá usar a ressonância magnética e a colangiopancreatografia magnética para a triagem de câncer pancreático em estágio inicial ou lesões precursoras. O outro buscará identificar biomarcadores de adenocarcinoma pancreático precoce entre as pessoas com risco acima da média, incluindo indivíduos com história familiar de câncer pancreático, com lesões pancreáticas císticas ou pancreatite crônica e aqueles com início recente de diabetes.



Sobre o câncer de pâncreas


Apesar de o câncer de pâncreas ser responsável por apenas 2% de todos os tipos de câncer, esse tumor recebe atenção por sua difícil detecção e comportamento agressivo, o que influi em uma alta taxa de mortalidade. No Atlas de Mortalidade por Câncer – SIM, de 2018, foram registradas 11.099 óbitos, sendo 5.497 homens e 5.601 mulheres.

O combate dos fatores de risco controláveis como tabagismo, má alimentação e obesidade são importantes formas de prevenir a doença. Contudo, para outros fatores de risco como o diabetes, inflamação crônica do pâncreas (pancreatite), história familiar de síndromes genéticas (mutação do gene BRCA2, síndrome de Lynch e síndrome de melanoma maligno atípico familiar (FAMMM)), história familiar de câncer pancreático e idade avançada, a atenção deve ser para o acompanhamento periódico dos pacientes com o objetivo de realizar o diagnóstico precoce.

Especialmente para pessoas com histórico familiar de câncer de pâncreas, a análise genética em busca de alterações que predisponham à doença é muito importante. Um oncogeneticista poderá avaliar o histórico de saúde familiar e determinar se o paciente pode se beneficiar de um teste genético para entender o risco de câncer pancreático ou outros tipos de câncer. Em caso de predisposição hereditária, um rastreamento anual com exames por imagem a partir de uma idade mais precoce é recomendado.



Importante lembrar que os sinais e sintomas do câncer pancreático geralmente não ocorrem até que a doença esteja avançada.  Dessa forma, dor abdominal que se irradia para suas costas, perda de apetite ou perda de peso não intencional, amarelecimento da pele e do branco dos olhos (icterícia), fezes de cor clara, urina de cor escura, coceira na pele, diagnóstico de diabetes ou diabetes existente que está se tornando mais difícil de controlar, trombose arterial ou venosa e fadiga devem ser avaliados imediatamente por um especialista.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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