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GINECOLOGIA

Por que fazer o acompanhamento ginecológico após os 60 anos?


“Doutora, você vai olhar minha caixinha de joias?” Era sempre assim que dona Lúcia* falava quando chegava ao consultório. Tinha 94 anos e era virgem; mas ia, regularmente, à consulta ginecológica. Muitos acreditam que a maturidade implica no fim do acompanhamento ginecológico. Ledo engano. A avaliação rotineira da mulher em suas diferentes fases da vida serve para prevenção, identificação e tratamento precoces de doenças inerentes a cada período.

O envelhecimento de uma população reflete melhorias nas suas condições de saúde e vida. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, 13,45% da população brasileira tinha mais de 60 anos. Estima-se que em 2060 essa proporção aumente para 25,69%. Em relação às mulheres com mais de 60 anos, em 2018, havia 7,51% das brasileiras nessa faixa etária e a expectativa é que daqui a 42 anos esse percentual passe para 17,89%.

O crescente número da população idosa feminina pede uma maior conscientização sobre os cuidados necessários com a saúde.
Apenas para vocês terem uma ideia, entre as mulheres com câncer de mama localizado e câncer de mama invasor, 54% e 59%, respectivamente, têm mais de 60 anos.

Além do rastreamento de doenças mamárias, o câncer de colo uterino também está entre as doenças a serem rastreadas. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) recomenda que todas as mulheres que já tiveram relação sexual façam o Papanicolau anualmente, na idade entre 25 e 64 anos. Após dois exames anuais sem alterações, podem repetir o exame a cada três anos. Aquelas mulheres com mais de 64 anos que já tiveram relação sexual, mas nunca fizeram o exame, devem fazer o Papanicolau por dois anos. Se normais, estão dispensadas de fazê-lo.

E se a paciente não tiver útero? Bem, nesse caso, precisamos saber por qual motivo o útero foi retirado. Mulheres que foram submetidas a histerectomia (cirurgia de retirada do útero) por motivo benigno, ou seja, sem sinais de câncer, estão dispensadas de realizar o Papanicolau. Aquelas em que foi identificada presença de câncer devem ter acompanhamento de acordo com o tipo de tumor encontrado.

Ao contrário dos cânceres de mama e colo uterino, não existe, até o momento, formas de rastrear os cânceres de ovário e endométrio, por isso não há uma recomendação para realização rotineira de ultrassonografia pélvica ou transvaginal para rastreamento desses tumores.
Por outro lado, toda mulher que apresente sangramento vaginal após a menopausa deve procurar seu ginecologista para ser avaliada. A maioria das causas desse sangramento é em função da baixa concentração do hormônio estrogênio. Entretanto, em 10% dos casos, há presença de alterações malignas que devem ser tratadas precocemente.

Um outro ponto importante que aparece no consultório é a incontinência urinária (perda de urina involuntária). Atualmente, acomete 23,3% e 31,7% da mulheres entre 60 e 79 anos e com mais de 80 anos, respectivamente. Fica o alerta: perder urina não é normal, mesmo quando a pessoa já atingiu essas faixas etárias. E qual é a causa dessa incontinência? Há inúmeras e as principais estão relacionadas com infecção urinária, mau controle do diabetes, acidente vascular encefálico e prolapsos genitais. Esses, muitas vezes são ocultados pelas pacientes. Diversas vezes o prolapso genital (queda do útero ou da bexiga) são identificados apenas ao exame físico ginecológico, pelo fato de as mulheres negligenciarem os sintomas que são uma sensação de pressão ou na vagina.

Finalmente, o momento da consulta ginecológica também é uma oportunidade para a mulher tirar suas dúvidas e ser orientada sobre questões da sexualidade.
Pode haver sexo quando se tem mais de 60 anos? É normal ter desejo? Devo usar preservativo com meu parceiro? Um estudo australiano mostrou que 39,2% das pessoas com mais de 60 anos eram sexualmente ativas. Entretanto, apenas 16,64% das pessoas entre 55 e 64 anos usavam preservativos. Seja pela menor preocupação com contracepção, por medo de perder o parceiro ou por não saber usar o preservativo, as mulheres ficam mais expostas a infecções sexualmente transmissíveis.

A alienação e, muitas vezes, o pudor da maturidade feminina precisa dar espaço para o conhecimento e cuidados com o próprio corpo. Assim como dona Lúcia que, no alto dos seus 94 anos, realiza controle fiel. E sempre que ela me pergunta sobre o exame ginecológico, eu lhe respondo: “Vou sim! Vamos deixar essa caixinha uma jóia!”.

Tem alguma dúvida sobre ginecologia e obstetrícia? Envie um e-mail para  rogeriawerneck@gmail.com Ficarei feliz em respondê-las

*Nome modificado


Rogéria Werneck
Ginecologista e obstetra da Santa Casa de Belo Horizonte, membro da comissão de residência em ginecologia e obstetrícia do Hospital das Clínicas de Minas Gerais, mestre e doutoranda em saúde da mulher pela UFMG
rogeriawerneck@gmail.com
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