Processos inflamatórios crônicos, como os causados por doenças autoimunes e pelo estresse, durante a meia idade podem estar relacionados ao declínio cognitivo nas décadas que antecedem a velhice. A conclusão é de um estudo publicado na quarta-feira, no periódico científico Neurology, da Academia Americana de Neurologia.
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Diante da era digital, estresse e velocidade do mundo, aprenda como preservar a memóriaPesquisa recente mostra ser possível apagar memórias que causam medoOs pesquisadores acompanharam 12.336 pessoas com idade média de 57 anos por cerca de 20 anos e constataram que pacientes com biomarcadores de inflamação apresentavam queda de 8% e até 12% nas habilidades de pensamento e memória. O achado pode contribuir para que intervenções sejam feitas quando o paciente ainda está na meia idade.
"Enquanto outros estudos analisaram a inflamação crônica e seus efeitos no cérebro de idosos, nosso estudo investigou a inflamação crônica começando na meia idade e mostrou que ela pode contribuir para o declínio cognitivo nas décadas que antecedem a velhice", explica o autor do estudo Keenan A. Walker, da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland.
Walker diz que a inflamação crônica é um processo difícil para o corpo, pois pode causar danos nas articulações, órgãos internos, tecidos e células, além de favorecer doenças cardíacas, derrame e câncer.
Ela é diferente da inflamação aguda, que é considerada uma reação saudável do organismo e ocorre quando o corpo reage para combater infecções ou lesões. Um dos principais sintomas da inflamação crônica é a fadiga.
Para realizar o estudo, os pesquisadores colheram amostras de sangue dos participantes e mediram quatro biomarcadores de processos inflamatórios: fibrinogênio, contagem de leucócitos, fator von Willebrand e fator VIII. Após três anos, ocorreu a medição da proteína C-reativa, que também é um biomarcador para inflamação.
As habilidades de memória e pensamento dos pacientes foram avaliadas no início do estudo, seis a nove anos depois do primeiro teste e ao fim do levantamento. Com base em uma pontuação desenvolvida pelos estudiosos, os participantes foram divididos em quatro grupos.
A conclusão foi que o grupo que apresentou os níveis mais altos de biomarcadores de inflamação tinham declínio 8% mais acentuado nas habilidades de pensamento e memória ao longo do estudo do que os participantes que tiveram os índices mais baixos. No caso da proteína C-reativa, a queda foi de 12%. Análises posteriores apontaram que declínios do pensamento ligados à inflamação eram mais expressivos em áreas da memória do que em outros aspectos, como a linguagem.
"Acredita-se que muitos dos processos que podem levar ao declínio nas habilidades de raciocínio e memória comecem na meia idade e é na meia idade que eles também podem responder melhor a intervenções", diz Walker. "Nossos resultados mostram que a inflamação crônica pode ser um alvo importante para a intervenção. No entanto, também é possível que ela não seja uma causa, mas um marcador ou mesmo uma resposta para doenças cerebrais neurodegenerativas que podem levar ao declínio cognitivo."
O estudo, porém, teve um fator limitador. Participantes que tiveram níveis mais altos de inflamação crônica no começo da pesquisa tinham mais propensão a desistir ou morrer antes do encontro final para acompanhamento. Dessa forma, os participantes sobreviventes podem não representar a população geral.
Mudanças
Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, Fabiano Moulin de Moraes diz que o estudo é importante para nortear mudanças de hábitos que podem contribuir para um envelhecimento mais saudável.
"Sedentarismo, privação de sono, má alimentação e estresse causam processos inflamatórios e um adoecimento precoce.
Segundo o especialista, marcadores analisados pelos pesquisadores, como a contagem de leucócitos, fazem parte de exames de rotina, mas isso não significa que as pessoas devam focar no resultado dessas análises.
"Se a pessoa está com medo de ter esse índice alto, é porque não está fazendo sua parte. Não é fazer exame nem tomar anti-inflamatório que vai resolver. A medicina já mostrou que a prevenção é o melhor negócio."
Cícero Galli Coimbra, professor de neurologia e neurociências da Unifesp, alerta que medicamentos tomados de forma indiscriminada também podem gerar processos neurodegenerativos.
"Existem publicações que apontam o impacto de drogas usadas de forma crônica. Os protetores gástricos podem provocar processos neurodegenerativos e os medicamentos que têm como objetivo baixar o nível de colesterol privam o cérebro de gorduras importantes para sua proteção."
A proposta de intervenção apontada pelo estudo é uma solução adequada, de acordo com Coimbra. "É muito mais difícil tratar essas doenças depois que elas começam.".