Antônio Roberto: Arrogância

"Vocês sabem por que o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso, portador de tanta água? Não? É porque ele teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo!"

10/02/2019 07:00
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"O que leva uma pessoa a ser arrogante e gostar de humilhar os outros? Tenho um chefe assim." - Semiramis, de Pedro Leopoldo (MG)

Nossos comportamentos, sobretudo no relacionamento com os outros, são frutos dos nossos sentimentos. Quando nosso coração está cheio de sentimentos negativos, temos, em geral, comportamentos destrutivos, violentos e inadequados. E, ao contrário, movidas pelos sentimentos positivos, nossas ações serão construtivas, amorosas e integrativas. O primeiro passo, portanto, para entender os procedimentos arrogantes, autoritários e opressores é tentar descobrir qual sentimento negativo está por trás disso. Todas as condutas orgulhosas, megalomaníacas e de desprezo aos outros escondem um SENTIMENTO DE INFERIORIDADE. Quanto mais inferiores nos sentimos, mais queremos mostrar superioridade. Na realidade, o complexo de superioridade é uma capa compensatória para a internalização de menos-valia. E como aparece na nossa vida essa sensação de menos valor, de se sentir por baixo?

Pessoas que sofreram processos de abandono na infância, que foram muito criticadas, que nunca aceitaram o próprio corpo, seja pela altura, pelo peso, por algum defeito físico, que sofreram abusos sexuais ou de violência física tendem ao sentimento de inferioridade. Um exemplo histórico disso é o caso de Hitler, ultrainferiorizado pela sua estatura física e sua origem pobre. Pessoas que não se amam tendem, por isso, à violência. E a forma mais comum da violência é o abuso do poder. O orgulho e a arrogância aparecem normalmente no exercício do poder. Na pessoa inferiorizada, ao assumir algum mando, aparece de maneira contundente o medo de perder. E, por defesa, começa a atacar. Ora é o professor que manda e desmanda na sala de aula, humilhando os alunos. Ora é o marido que sempre está certo. Ora é o aluno que discute sistematicamente com os professores. Ora é o vendedor que trata mal os clientes. Sempre a necessidade e o prazer de se sentir mais que as outras pessoas.

O contrário do orgulho é o sentimento de humildade. E aqui também reside uma confusão. Humildade não é me humilhar, me submeter, aceitar tudo que fazem contra mim. Humildade é, como diria Santa Tereza D’Ávila, a verdade. É ter consciência do meu verdadeiro tamanho e aceitá-lo, no bom e no ruim. O que estrutura a saída da arrogância é saber que somos todos SEMELHANTES. Cada pessoa é diferente da outra, mas, enquanto gente, semelhante. Não existe ninguém superior ou inferior a outra pessoa, a menos que a comparemos nas suas “pequenas” diferenças.

Por que o rico seria superior ao pobre? Por que o negro seria superior ao branco? Por que o homem é superior à mulher.? Todo preconceito é fruto do orgulho. Qualquer poder intelectual, financeiro, político e artístico me traz a obrigação de construir o mundo, de criar, de desenvolver e de ajudar. E nenhum poder me dá o direito de desqualificar, diminuir ou humilhar as pessoas. Todos nós, em maior ou menor grau, somos arrogantes e orgulhosos. E o nosso desafio é melhorar cada vez mais esse traço, à medida que ele é o principal responsável pelo fracasso nas relações, por meio da dominação, da posse, do controle e do autoritarismo que queremos exercer sobre os outros.

O medo de perder o poder, de perder a imagem de onipotentes que temos de nós mesmos nos leva a absurdos nos relacionamentos. Desde o grito amedrontador até a violência física. E o principal jogo nas relações orgulhosas é o jogo da razão. Nós, enquanto autoritários, sempre queremos ter razão. E não admitimos a discordância. Queremos que todos tenham a mesma percepção nossa da realidade, que pensem igual a nós e que façam o que desejamos. Essa é a forma de o orgulhoso se sentir amado e valorizado, às custas da submissão e desqualificação do outro. A própria cultura nos incentiva a isso. Não é raro ouvirmos frases, socialmente aceitas, que refletem o reforço à conduta desrespeitosa às diferenças: “Detesto pessoas burras”.“Detesto pessoas pobres” etc. Quando falamos isso, na realidade, detestamos a natureza humana, com suas imperfeições e dificuldades. Detestamos a nossa própria inferioridade, ao nos comparar com um modelo ideal de como deveríamos ser. Vocês sabem por que o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso, portador de tanta água? Não? É porque ele teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo!