Ex-lojista, hoje aposentado, acredita no poder transformador do bordado e seu papel social

Luiz Gonzaga Figueiredo descobre o bordado aplicado na chita e cria oficina na qual contribui com o renascimento de mulheres por meio da arte no tecido

por Lilian Monteiro 20/11/2018 12:40
Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal)

Chico Buarque canta “mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas. Quando eles embarcam, soldados. Elas tecem longos bordados...”. Bordado é a arte de ornamentar tecidos com diferentes desenhos, que sempre atraiu pela estética. Os caminhos traçados pelo fio e agulha (deixemos a máquina de lado!) criam uma decoração das mais belas e antigas da história. Na Grécia antiga, ele aparece nas túnicas, assim como na vida dos hebreus, em passagens da Bíblia, nas falas de Homero para Helena e chega ao Ocidente a partir do século 7. Mas, ao longo do tempo, o bordado também assumiu um papel social, emocional, de transformação, um instrumento terapêutico até. Além de ser ofício rentável.

Seja o fio de algodão, seda, ráfia, ouro, fibra sintética, seja canutilho ou náilon, esculpido no tecido, certo é que o bordado seduz gerações de todas as idades e gêneros. Luiz Gonzaga Figueiredo é um deles, que, de admirador, se tornou professor. Ele nasceu no Vale do Jequitinhonha. É natural de Rio do Prado, de uma família de oito irmãos, a maioria ligada à arte, pois, naquela região, “arte e artesanato parecem ter nascido da necessidade do povo”, como lembra a irmã, Mary Arantes Figueiredo. Formado em relações públicas, hoje aposentado, ele diz que “sempre vi arte como elemento vivo para minha alma. Exposições, museus, teatro e cinema fazem parte da minha vida. Assim como a moda – fui lojista por 20 anos. Acredito que a relação com o bordado tenha começado na minha infância, com o meu pai alfaiate, em que o arrematar, alinhavar, casear e pregar botões eram funções a mim delegadas e se tornaram familiares”.

Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal)

Luiz conta que, há cinco anos, na casa da sua irmã Pupê, ele se encantou ao vê-la bordar um painel de chita. As cores, as linhas e os pontos o capturaram. “Com ela, aprendi os pontos iniciais e dali busquei novos conhecimentos em oficinas, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, além de pesquisas em revistas, livros, exposições, o que estivesse ligado ao universo da chita.” Desse olhar nasceu a Primavera, nome escolhido para a marca de bordados. Suas aulas são referência para muitas alunas (maioria mulheres) que já estão no outono da vida ou passaram por problemas, e que, com a ajuda da oficina, puderam renascer. Hoje, com todas as tardes da semana ocupadas com aulas, Luiz se sente feliz em ensinar e estimular mulheres a resgatar ofício tão precioso. Elas têm visto a oficina como verdadeira arteterapia. “As aulas são de pura alegria e espontaneidade. As trocas são ricas e as relações de amizades ocorrem num clima de confiança, carinho e respeito. A hora do café é de descontração e fala-se de tudo, das alegrias e tristezas, das conquistas e perdas.”

Algumas alunas já fizeram do bordado um verdadeiro negócio, com a produção de pufes, carteiras, almofadas e customização de jaquetas e calças jeans. “A chita tem a cara do Brasil, pela sua diversidade de cores, sempre intensas e de muita alegria. Ganha espaço nas áreas rurais, periféricas e nas folclóricas, para só depois ganhar expressão nas artes, vitrines e passarelas dos estilistas e designers. Diria até que é um tecido feliz, por isso a escolha.” O próximo passo de Luiz é formar um grupo de homens que bordam. “Até então, os grupos são compostos por mulheres, embora já não seja mais novidade homens bordando, quebrando estigmas. A ideia é romper esse tabu e observar o novo papel masculino no seio familiar e social nessa troca de papéis. Nada de ver o bordar como excludente e de caráter apenas feminino.”

MEMÓRIA

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Para luiz Gonzaga Figueiredo, o bordado tem hoje um papel social, de transformação (foto: Arquivo Pessoal)
Para Luiz, a relação com o bordado é de amor. “O tecido é o pano de fundo, um terapeuta anônimo, para segredos, alegrias e tristezas. Costumo dizer que os pontos são como amigos; com alguns você tem mais afinidade, com outros nem tanto. O mesmo ocorre com as cores: algumas mais queridas, outras menos. Bordar é um estado meditativo, pois, enquanto bordamos, esvaziamos a mente e nada pensamos. Mas cada fio é conduzido pela emoção.”

Luiz explica que há estudos, nacionais e internacionais, que mostram como a atividade de bordar faz toda a diferença nos tratamentos psiquiátricos, além de reduzir as chances de transtornos cognitivos leves e perda de memória. “Em Portugal, onde morei por nove meses, fiz curso em bordado livre para trazer novidades para as alunas. O bordado nos encanta, contagia a alma e nos liberta das amarras. Tudo é pelo espontâneo e pelo que o bordar proporciona, ou seja, resgate de memórias afetivas, do que foi aprendido em tempos de colégio, do que as mamães e as vovós deixaram como legado. Todo esse universo se funde nos encontros dos grupos, nas conversas, nas confissões ao compasso de cada ponto dado. Além do ofício, as alunas vivenciam trocas de experiências, construção de autoestima, tornam-se mais seguras e mais felizes.”

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(foto: Arquivo Pessoal)

O bordar, revela Luiz, lhe permitiu ver que poderia imprimir uma linguagem estética como meio de expressão livre, um veículo de interação e troca. Além de ser uma “oportunidade de reunir pessoas, hoje cada vez mais ilhadas em seu próprio universo. É um momento de puro relaxamento, contemplação e prazer”. Para ele, o bordado livre é uma das técnicas artesanais com maior liberdade de expressão, desenvolvido a partir de um risco ou uma estampa, o que permite a cada um voar por meio dos fios e tramas. “Com uma variedade de pontos, vale ressaltar que, com poucos deles, é possível bordar um belo painel de chita, que poderá se transformar em bolsas, carteiras, almofadas, pufes e banquetas. E até mesmo transformar roupas, customizando jeans e outros tecidos. Além de prazeroso, o bordado na chita pode ser um ofício rentável. A comercialização dele tem sido feita em bazares e feiras na cidade, ou a venda direta ao lojista.”

Quanto à oficina, o número de alunas varia de grupo para grupo. As aulas ocorrem uma vez por semana, com o valor de R$ 70, com duração de três horas, e quase sempre na casa da aluna ou em espaços onde ela própria escolhe ou disponibiliza.

Contato pelo e-mail luiz1945@outlook.com ou no Instagram @luiz_gonzaga_figueiredo