Projeto pioneiro em Minas Gerais oferece suporte para pessoas com câncer

Programa de Navegação é uma parceria do Global Cancer Institute (GCI) com a UFMG e visa melhorar o acesso e a adesão dos pacientes ao tratamento oncológico e dar apoio nesta fase

por José Alberto Rodrigues* 18/10/2018 14:00
Jair Amaral/EM/D.A Press
Com a estagiária Ruth Pires, a médica Carolina Martins destaca o impacto significativo do programa no tratamento oncológico (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Receber um diagnóstico de câncer pode ser angustiante. Todo o processo do diagnóstico até o tratamento envolve diferentes médicos, exames, informações e decisões que podem tornar esse período confuso. Para ajudar nessa assistência, foi criado um conceito de navegação do paciente como ferramenta para melhorar os cuidados oncológicos, proporcionando um acompanhamento mais efetivo.

Um navegador de paciente é um profissional treinado para abordar quaisquer barreiras ao cuidado do doente e fornecer orientação pessoal ao longo do processo. A relação médico-paciente é uma interação que envolve os compromissos firmados entre ambos, devendo ser marcada pela confiança. “Uma boa relação médico-paciente gera maior segurança para que o paciente obtenha melhores esclarecimentos sobre sua doença e se sinta mais confiante para realizar o tratamento”, afirma Carolina Martins Vieira, médica e uma das coordenadoras do Programa de Navegação em Belo Horizonte.

De acordo com Angélica Nogueira Rodrigues, pós-doutora em oncologia pela Harvard University, professora e pesquisadora da UFMG e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos, o programa de navegação de pacientes tem um impacto significativo no acesso e aderência ao tratamento e ao seguimento, com diminuição significativa das taxas de absenteísmo. “Objetivamos testar essa excelente e barata ferramenta para otimizar o tratamento dos pacientes com recursos mais restritos, que, acreditamos, têm o potencial de se beneficiar mais do que aqueles com mais alto nível socioeconômico-cultural”, comenta.

Para Carolina Martins Vieira, há algumas características da navegação de pacientes com câncer. Por exemplo, a disponibilização individualmente para pacientes com uma questão definida relacionada à doença. “Tem como alvo uma rede de serviços específica necessária para a solução daquela demanda; foca na identificação de barreiras dos pacientes ao acesso; almeja reduzir atrasos no acesso a serviços de tratamento de câncer, com ênfase no tempo do diagnóstico ao tratamento e reduzindo as perdas de seguimento”, afirma.

O projeto avalia o papel da navegação de pacientes na melhoria dos prazos para início e conclusão do tratamento radioterápico definitivo nos doentes em tratamento no sistema público de saúde de Belo Horizonte. Esse estudo está sendo mantido no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) e vem sendo conduzido pela médica Carolina Martins Vieira, sob orientação da professora Angélica Nogueira Rodrigues (da UFMG) e Paul E. Goss (da Universidade de Harvard). “Atuando como oncologista no SUS, frequentemente observo obstáculos que os pacientes enfrentam para ter acesso a tratamentos oncológicos, em especial a radioterapia. A ideia é utilizar a navegação de pacientes para tentar transpor esses obstáculos”, comenta Carolina Vieira.

Para a coordenadora, espera-se que o projeto ocasione uma melhora da aderência, diminuição do tempo entre o início e fim da radioterapia, diminuição do nível de estresse e aumento do grau de satisfação dos pacientes, identificação e descrição dos principais empecilhos observados. “Trata-se de um projeto-piloto, com previsão de duração até julho do próximo ano. Já incluímos quase 30 pacientes (de 100 previstos) e conseguimos guiar todos até o início do tratamento radioterápico.”

Principal pilar

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Carolina Martins Vieira é uma das coordenadoras do Programa de Navegação em Belo Horizonte (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Angélica Nogueira conta que a primeira iniciativa desse projeto é a análise do impacto de um navegador de pacientes, para efetivar a realização do tratamento de radioterapia para pessoas que têm nessa modalidade terapêutica seu principal pilar para a cura do câncer. “A demora para iniciar e completar o tratamento radioterápico tem efeitos deletérios, incluindo maiores taxas de recorrência e menor sobrevida dos pacientes”, ressalta.

Na data da inclusão do projeto, são recolhidas várias informações sobre o paciente e sua doença, tentando reconstituir todos os passos já percorridos por ele e estabelecer os próximos a serem trilhados. “Conhecer as doenças prévias do paciente, incluindo medicações já em uso, histórico familiar e história socioeconômica, proporciona um planejamento de tratamento mais adequado para cada paciente. Criando estratégias individualizadas, há chances de melhor adesão ao tratamento proposto, inclusive com maior grau de satisfação por parte do paciente.”

A partir de então, o paciente é contactado semanalmente, pelo telefone ou pessoalmente, caso ele já tenha que se deslocar ao hospital para algum procedimento, para auxiliar na solução dos empecilhos identificados. Essa ajuda inclui preenchimento da documentação necessária ao encaminhamento à radioterapia, busca de recursos locais e apoio (incluindo subsídios de transporte), trabalho para agilizar autorização junto aos órgãos públicos, marcação de consultas nos centros de referência, acompanhar a adesão do paciente em consultas e tratamento e estreitar o canal de comunicação entre pacientes e profissionais de saúde.

“Além dos contatos semanais, os pacientes incluídos no projeto e seus acompanhantes têm uma linha de contato telefônico para falar diretamente com a equipe para tirar dúvidas e solicitar ajuda. Nos esforçamos para que eles se sintam acolhidos e seguros para percorrer os passos necessários para maior sucesso no tratamento”, reforça Carolina.

A médica conta que a equipe atende pacientes sob tratamento oncológico no Ambulatório Borges da Costa, da UFMG. No projeto são incluídos os pacientes que iniciarão tratamento radioterápico neoadjuvante (prévio) ou definitivo para câncer de colo uterino, reto, cabeça e pescoço, canal anal, esôfago, pulmão e próstata. Ao ser identificado um potencial candidato para o projeto (entre os pacientes atendidos na instituição), o mesmo é convidado a participar do projeto. Caso aceite (após leitura criteriosa e assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido), o acompanhamento é iniciado e mantido até o término do tratamento radioterápico.

NO MUNDO

O conceito de navegação foi introduzido como uma ferramenta para melhorar os cuidados oncológicos para os mais desfavorecidos e se caracteriza pelo apoio de um profissional para superar barreiras e efetivar a prevenção e/ou tratamento de uma doença. Em 1995, Freeman e colaboradores mostraram os resultados do primeiro programa de navegação realizado no Harlem, em Nova York, onde 87,5% dos pacientes realizaram biópsias mamárias recomendadas, comparado a 56,6% dos pacientes não navegados, com significativo impacto no tempo para realização das biópsias. Em 2005, o Ato do Navegador de Pacientes e Prevenção de Doenças Crônicas foi assinado como lei nos Estados Unidos e, desde a primeira experiência bem-sucedida no Harlem, muitos outros programas de navegação foram iniciados.

Personagem da notícia - Vanilda Barbosa Moreira, paciente do Programa de Navegação

Apoio psicológico

A doutora Paola me indicou o Programa de Navegação. É um projeto maravilhoso, me dão todo o apoio, tanto na conversa quanto psicologicamente. Elas ajudam em tudo que eu preciso, são profissionais maravilhosos. Dão assistência integral e estão sempre prontos para ajudar, conversar sobre todo esse processo. Elas falam que posso ligar caso ocorra qualquer problema, que estão sempre prontas para dar informações e apoio. Graças a Deus, não tenho do que reclamar.

*Estagiário sob a supervisão da editora Teresa Cara