Tema de novela, síndrome de Guillain-Barré é o assunto da vez; aprenda mais sobre essa condição rara

Personagem de Giovanna Lancellotti em Segundo Sol foi diagnosticada com o problema e abre a discussão sobre o mal

por Joana Gontijo 03/10/2018 07:00
Paulo Belote/Globo; Novela SEGUNDO SOL;
Na novela Segundo Sol, Rochelle, personagem de Giovanna Lancellotti, se revolta com a notícia de que tem a síndrome de Guillain-Barré (foto: Paulo Belote/Globo; Novela SEGUNDO SOL; )

A personagem Rochelle, interpretada por Giovanna Lancellotti na novela Segundo Sol, acaba de saber que sofre com um transtorno raro e muito pouco conhecido: a síndrome de Guillain-Barré. Por meio das redes sociais, a atriz comentou sobre a experiência. "Começa uma nova fase na vida da Rochelle. Acredito que na da Giovanna também. Esse processo foi muito intenso e transformador pra mim. Sempre bom deixar claro que eu não acredito que doença seja "castigo" pra ninguém. Aliás, conheço pessoas muito boas que passaram por traumas e superações lindas, mesmo "sem merecê-las". Acredito que qualquer obstáculo, decepção ou até doença, vem pra ensinar. A busca é transformar, superar e evoluir com isso. Vem pra fortalecer laços antigos... E criar novos! É isso que estou tentando passar nessa reta final: esperança!", publicou no Instagram.

Essa é uma condição rara, aguda e grave, desencadeada pelo sistema imunológico. As causas ainda não são totalmente conhecidas, mas sabe-se que incluem infecções como influenza e zika vírus, cirurgias ou tumores, que provocam uma resposta imunológica exagerada contra os nervos periféricos e suas raízes espinhais. A síndrome afeta os nervos que controlam os músculos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de mortalidade está entre 3% e 5% e a incidência varia de 0,6 até 2,4 pessoas a cada 100 mil, sendo maior em regiões em que há mais exposição a infecções. Conforme a OMS, pessoas de todas as idades podem ser afetadas, mas isso é mais comum em adultos e homens.

A síndrome surge quando as defesas do organismo são mais intensas do que o necessário para acabar com uma infecção e passam a atacar os nervos periféricos do próprio corpo, causando sintomas variados. É o que aconteceu com Rochelle que, pouco antes de desenvolver a síndrome, havia tido uma infecção na garganta. As lesões nervosas levam a complicações progressivas, que podem comprometer a respiração, dificuldade de deglutição e causar males como infecções do sangue, trombose venosa profunda, coágulos pulmonares ou paradas cardíacas.

Segundo o professor assistente do Departamento de Neurologia da Unicamp, doutor Marcondes França, os principais sintomas da Síndrome de Guillain-Barré são fraqueza progressiva e dormência, sendo estes comuns a todos os pacientes - outras características sentidas pela personagem de Giovanna Lancellotti. “No entanto, existem subtipos. Por isso o Guillain-Barré é caracterizado como síndrome, e não doença. Apesar de o fator desencadeante ser uma infecção, os sintomas e as causas variam”, explica.

Os sintomas, quase sempre, são motores. É comum que os incômodos se iniciem pelos pés, depois se refletem nas pernas, até chegar aos braços. O paciente passa a ter limitações para andar e manusear objetos e, em alguns casos, acontece a paralisia da face, quando a pessoa acometida fica sem expressão facial. Os sinais também incluem dormência nos pés ou pernas e mãos, além de dores distribuídas nessas áreas do corpo.

A condição clínica de cada paciente é o que determina o tipo de tratamento. Em certas situações, a pessoa pode ter paralisia da musculatura respiratória e comprometimento do ritmo cardíaco, demandando um acompanhamento mais cuidadoso. A terapia, na maioria das vezes, é realizada com imunoglobulina, administrada por cinco dias com o objetivo de se obter uma resposta clínica. Quando isso não acontece, o próximo passo é a plasmaférese, praticamente uma troca do plasma para os anticorpos não envolvidos com a síndrome. A fisioterapia também assume papel fundamental para os quadros mais sérios.

O Guillain-Barré tem estágios de progressão que variam entre duas a quatro semanas e quase a metade dos pacientes começa a responder ao tratamento a partir da segunda semana. Em muitas situações, os pacientes se recuperam por completo com o processo terapêutico - aproximadamente 15% dos casos podem resultar em sequela, enquanto em 5% as condições levam a óbito pela gravidade da situação.

Avanços no tratamento

A síndrome de Guillain-Barré foi descrita em 1916, quando o desconhecimento e consequente demora no diagnóstico e tratamento adequado levavam a uma alta mortalidade. Como em cerca de 30% dos pacientes a síndrome se manifesta com fraqueza nas pernas que se espalha até comprometer o sistema respiratório, os avanços que permitiram maior controle da respiração, como a ventilação mecânica, foram decisivos para melhorar a sobrevida dos pacientes. “Outros marcos importantes estão relacionados ao surgimento de tratamentos como a plasmaférese, em 1978, e a imunoglobulina humana, na década de 1990. Estas são terapias de substituição do plasma do sangue e de reposição de anticorpos, respectivamente”, explica Marcondes França.

No Brasil, as pesquisas sobre a síndrome foram intensificadas após associações com a infecção pelo vírus zika. Desde então, laboratórios e universidades em Campinas, Ribeirão Preto, Niterói, Rio de Janeiro e Natal conduzem estudos diversificados, que buscam principalmente identificar as principais causas e mecanismos envolvidos na síndrome. Além disso, há grande foco no desenvolvimento de exames que agilizem o diagnóstico, já que o tratamento é mais eficaz quando iniciado até 14 dias após o surgimento dos sintomas.

“A síndrome pode ser ocasionada por lesão nos axônios - parte do neurônio responsável pela condução dos impulsos nervosos, ou na bainha de mielina - barreira que envolve e protege os axônios que protege o cérebro. O entendimento de como isso ocorre é importante objeto de pesquisas no Brasil, pois as diferenças levam a variações que incluem a resposta aos diferentes tipos de tratamento”, complementa o especialista.

O diagnóstico perpassa a percepção de um grupo de sinais e sintomas que, nos primeiros momentos, não estarão evidentes em exames, o que torna a detecção do problema um pouco mais dificultada. O teste com o líquido da espinha (líquido cefalorraquidiano) é um auxílio, mas só depois de alguns dias, já que as alterações no organismo surgem no mínimo em uma semana após a pessoa contrair o mal. Em um prazo maior, as mudanças na condução nervosa podem ser observadas - o exame de eletroneuromiografia, que consiste em pequenos choques nos braços e nas pernas, consegue apontar alterações que indicam a lesão da mielina.