Professor doutor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1996, Leandro Karnal é das personalidades pensantes mais admiráveis neste país. Com bagagem de conhecimento invejável, é daqueles mestres que nos instigam a questionar, elaborar, raciocinar, criar, ter ideias e refletir. Nesta entrevista ao Bem Viver, ele fala um pouco de tudo e destaca a palestra que dará em Belo Horizonte, amanhã, com o tema “Onde quero estar quando o futuro chegar?”, pergunta central de todo pensamento estratégico. Na sua explanação, ele tratará da noção de tempo entre nós, especialmente da aceleração com o mundo líquido contemporâneo. O encontro também discutirá metas, equilíbrio, vida pessoal e trabalho, resiliência, planejamento e protagonismo. A realização de tudo o que desejamos é fruto do mero acaso ou pode ser intensificada pela vontade e ação? Afinal, de qual lugar você quer contemplar o futuro quando ele se tornar o seu presente? Leia os trechos mais importantes da fala deste intelectual e formador de opinião dos mais importantes do Brasil, com mais de um 1,4 milhão de seguidores no Facebook.
Como define o futuro? Temos de pensar nele o tempo todo para ir construindo-o ou viver o presente é mais objetivo?
O futuro nunca chega e estou ao lado do pensamento agostiniano de um presente contínuo. O futuro não veio/virá, precisa ser desenhado e sairá de um jeito não controlado por nós. Quanto mais eu investir na estratégia, mais o tal do futuro ficará próximo do meu desejo.
Onde você quer estar quando o futuro chegar?
Queria estar melhor do que hoje, pois considero crescer uma obrigação. Melhor implica todos os campos humanos: corporal, afetivo, conhecimento, familiar e material etc. Quero sempre sentir que há desafios pela frente e que não parei ou não fiquei repetindo o que deu certo antes. Gosto de me desafiar.
Onde imagina que o Brasil estará no futuro? A fatídica frase “Brasil, o país do futuro” é mais uma desilusão entre tantas relacionadas a este país?
A frase nasceu de fontes como Stephan Zweig, que veio para o Brasil, chamou-o de “país do futuro” e se matou, ironicamente.
Em ano de eleições, como enxerga o Brasil dividido desde 2013? Que lições podemos tirar? O que há de bom e ruim neste cabo de força em que a sociedade brasileira se transformou? Aprendemos algo?
Sempre fomos divididos e, muitas vezes, polarizados de forma mais grave do que hoje. Para dar exemplos, havia mais ódio e até mais violência em 1935, 1961-1964 ou 1968. Estamos tendo a oportunidade de ver mais gente pelas redes e somos apresentados à maior variedade de posições que já existiu. O ódio sempre existiu, apenas agora ele tem chance de contato. As redes colocaram todos frente a frente e ainda protegidos pelo anonimato.
O inferno somos nós.
Uma inversão da ideia de Sartre de que o inferno são os outros. Uma reflexão cruzada com o budismo, que enfatiza a nossa capacidade de criar muito a partir da nossa percepção. As adversidades sempre existiram, sim, mas como cada um de nós interage com elas e recria seu significado é algo que também diz respeito ao seu universo interior. Não me refiro aos problemas objetivos da vida, como a fome ou a violência urbana, mas da maneira como reagimos ao trágico da existência. A ação necessita sentir o problema e agir contra ele, mas o reforço do problema em si, sem ação, torna a vida complicada. Por isso o item budista: a dor é inevitável, o sofrimento é opcional.
Revolução 4.0, Era Digital, individualismo, fake news, o mundo feliz das redes sociais. Inteligência artificial, robôs substituindo os homens em determinadas funções, o mundo do trabalho em transformação, profissões deixando de existir. Estamos no olho do furacão da transição e nascimento de um novo mundo. Como lidar com tudo isso sem enlouquecer? Somos obrigados a ser digitais para não ficar fora da roda?
Se quisermos estar no mundo como ele se apresenta, sim.
Diante do cenário descrito na resposta anterior, vivemos no mundo líquido, como disse Zygmunt Bauman (modernidade líquida)?
A metáfora de Bauman refere-se à dissolução de metanarrativas, de explicações amplas e gerais, de fronteiras claras, de autoridade centralizada e de vida privada resguardada. O mundo líquido dissolveu tudo rapidamente, com a adesão entusiasmada das pessoas. Ninguém mais precisa nos espionar, já fornecemos todas as informações antes.
Você é um otimista diante deste mundo globalizado e recomendaria que todos nós fôssemos? Síria, refugiados, terrorismo, Venezuela, corrupção brasileira, 13 milhões de desempregados no nosso país (na realidade, é muito mais), dinheiro sendo tirado da educação pelo governo, Donald Trump, aquecimento global, liberação de agrotóxicos...
Durante a Segunda Guerra houve muito mais mortes do que hoje. Durante a epidemia de gripe espanhola houve mais mortes do que hoje. Nas Cruzadas havia mais violência do que hoje. Temos problemas enormes, alguns bem menores do que no passado e outros maiores. Temos uma economia em crise, mas inflação sob controle. Você tem todos os motivos para se suicidar ao fim desta entrevista ou para começar o melhor período da sua vida. Os problemas não são uma representação, eles existem. A interação com a realidade problemática é que demanda algumas coisas objetivas. "Gosto de pensar o passado como experiência, o presente como ação e o futuro como estratégia. Não controlo tudo, mas posso aumentar enormemente a chance com ações estratégicas”
E o mundo que vive em busca da felicidade plena o tempo inteiro? Ou que se sente obrigado a falar que está sempre feliz? Por onde anda a sanidade? Como aceitar que tristeza faz parte, assim como cair e levantar? E que nem sempre tristeza é depressão? E, por isso, não é possível viver engolindo pílulas por aí?
A sanidade não é a dor ou a tristeza, como parece indicar a pergunta. A sanidade é a consciência e a capacidade de estabelecer perspectiva. Depressão é doença e só pode ser superada com ajuda médica. Tristeza é fase passageira e pode ser superada pelo tempo ou pela ação individual. Tristeza tem causa: luto, perda financeira etc. Passa com o tempo. Depressão nem sempre tem causa tão clara ou gatilho evidente. Querer parecer sempre bem é de uma melancolia enorme. A chave parece ser a percepção de que posso ser triste ou alegre e que continuo sendo eu e que alguns momentos menos brilhantes ajudam a estimular a alegria depois.
SERVIÇO
Palestra: Onde quero estar quando o futuro chegar?
Palestrante: Leandro Karnal
Local: KM de Vantagens Hall BH
Avenida Senhora do Carmo, 230, São Pedro - BH
Dia: 24 de setembro
Horário: às 20h
Capacidade: 3.616 pessoas
Ingressos: de R$ 50 a R$ 200
Venda: www.ticketsforfun.com.br
Venda a grupos: grupos@t4f.com.br
Meia-entrada: obrigatória a apresentação do documento previsto em lei.