Acessar serviços de saúde de qualidade ainda é um grande desafio no Brasil e na América Latina

Pesquisa revela que a demora no atendimento e a falta de equipamentos e médicos são alguns dos entraves que dificultam o acesso à saúde de qualidade por quem mais precisa

por Joana Gontijo 22/09/2018 18:31
Lelis
(foto: Lelis)

O acesso aos serviços de saúde de qualidade é um tema complexo, que deve ser tratado por uma ótica multidimensional, perpassando diferentes frentes, como aspectos políticos, sociais, econômicos, organizativos, técnicos e até simbólicos. Não dá para negar que muito esforço tem sido empregado em facilitar esse processo, principalmente na esfera pública. Mas também é fato notório que ainda existem inúmeras travas que dificultam o alcance universal à saúde no Brasil, na América Latina e, a nível global, essencialmente em países pobres ou em desenvolvimento. São lacunas que fazem o caminho para o bem-estar cada vez mais complicado e, por isso mesmo, empresas da área não se esquivam do trabalho para minimizar tantos obstáculos. A intenção geralmente é adotar uma postura crítica para refletir e intervir nas práticas e serviços, mirando no propósito de uma atenção responsável, integral, resolutiva, equânime e de qualidade.

Presidente da Roche Farma Brasil, empresa líder no ramo farmacêutico e de diagnóstico, Rolf Hoenger há 25 anos atua junto à indústria farmacêutica, principalmente na América Latina, onde a população está envelhecendo e as enfermidades aumentam com esse ritmo. Ele tem feito parte de estudos cujo maior objetivo é melhorar a vida das pessoas e ultrapassar os entraves para conseguir tratar doenças. Para Rolf, uma sociedade informada é o primeiro passo para alcançar resultados satisfatórios quanto ao acesso aos sistemas de saúde.

"Se a pessoa não tem consciência sobre o câncer, sua vida será mais curta. Se não sabe como funciona a estrutura dos serviços, não desfrutará dos benefícios. Os avanços da medicina só têm significado se chegam àqueles que necessitam. A informação, portanto, é essencial nesse contexto. Se atuamos de maneira sustentável, contribuiremos, no fim das contas, para um mundo melhor", frisou, durante o marco de abertura do Roche Press Day, encontro de especialistas em saúde, promovido pela companhia em Cali, na Colômbia.

Além da urgência em ter políticas públicas voltadas para a resolução de problemas realmente impactantes, Rolf reafirmou a importância do trabalho em conjunto para aumentar o acesso à saúde de qualidade. Ele cita as principais limitações que dificultam esse processo. "Se o paciente não sabe que tem a doença, não vai ao médico; as filas de espera que resultam em um intervalo demorado para obter o acesso ao tratamento; necessidade de viajar quilômetros para chegar à infraestrutura de saúde; baixos níveis de conscientização da população; desigualdade na infraestrutura dos serviços conforme o local; diagnóstico tardio e financiamento insuficiente." O especialista esclarece que 2/3 das enfermidades não são tratadas adequadamente, ou não são tratadas em absoluto. "A medicina está avançando mais rápido que os sistemas de saúde. Isso está causando um atraso na capacidade de avaliar, financiar e prover o tratamento para os pacientes".

Roche Farma Brasil/Divulgação
"Se a pessoa não tem consciência sobre o câncer, sua vida será mais curta. Se não sabe como funciona a estrutura sobre os serviços, não desfrutará dos benefícios" - Rolf Hoenger, presidente da Roche Farma Brasil (foto: Roche Farma Brasil/Divulgação)

No Brasil, algumas e decisivas limitações são apontadas como os principais entraves no acesso à saúde de qualidade. Nos últimos sete anos, a percepção da população sobre o quadro piorou, sendo que 75% dos habitantes consideram que as ofertas de tratamento, tanto na esfera pública quanto privada, são ruins ou péssimas. São os dados da última pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que ouviu 2 mil pessoas em 126 municípios do país. “A melhoria dos serviços de saúde é importante para aumentar a qualidade de vida da população e a produtividade no trabalho”, afirma o gerente-executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca.

As dificuldades e a demora no atendimento ficam em primeiro lugar como problema do sistema de saúde pública, com 37% das menções. Logo depois aparece a falta de equipamentos, citada por 15% dos questionados. Seguindo com 9% das respostas, estão a falta de médicos, a má administração ou a corrupção.

Outra constatação é que 64% da população recorre essencialmente ou exclusivamente aos serviços públicos de saúde, diante de 17% que prefere somente ou principalmente os serviços privados. Seja um ou outro, uma queixa recorrente é a complicação para agendar consultas e exames médicos - grande parte dos participantes do levantamento revelou já ter deixado de procurar um médico ou fazer um exame devido a tal dificuldade.

Os altos custos são mais uma barreira - 73% dos brasileiros afirmam que desistiram de buscar um médico, realizar um exame ou tomar medicamentos por causa do preço. O documento mostra ainda quais são as ações consideradas necessárias para melhorar a saúde pública. A principal medida (para 59%) , é equipar hospitais e postos de saúde e, em seguida (para 52%), aumentar o número de médicos. A crença de que os investimentos em prevenção às doenças são mais importantes do que a construção de hospitais é mais um fator que veio à tona.

Nesse cenário, um novo tipo de clínicas médicas tem crescido por Belo Horizonte e região. São particulares, porém, até 50% mais acessíveis que os atendimentos privados. Ofertando consultas e exames quase sem espera, com estrutura e qualidade, uma dessas redes é a Clínica do Bem, que abrange mais de 20 especialidades médicas. “Atendemos o público C e D, mas acabamos sendo muito atrativos também para a classe média. Somos uma opção para quem não tem plano de saúde ou não quer encarar as filas dos planos ou do SUS”, ressalta o sócio-proprietário, Walter Galvão Neto, salientando que o serviço está em expansão.

O metalúrgico Vanderson Aparecido de Assis dos Santos, de 37 anos, passou por momentos delicados com o pai, de 76, nos últimos três meses. O senhor começou a passar mal, sentir dores no peito e cansaço. Ao recorrer a um posto de saúde pelo SUS, o caso acabou indo parar na fila de espera para exames e, com o passar do tempo, o incômodo aumentou e a preocupação também. Unindo toda a família, Vanderson conseguiu reunir recursos para procurar um serviço privado, e foi aí que conheceu a Clínica do Bem, onde foi constatada uma disritmia cardíaca.

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Depois de enfrentar dificuldades para conseguir atendimento para o pai pelo SUS, Vanderson se viu obrigado a reunir recursos para recorrer ao serviço privado (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Rapidamente, seu pai realizou todos os procedimentos e a possibilidade de cirurgia para colocação de um cateter foi descartada, com a prescrição de novos remédios para pressão e um tratamento adequado. "Chegamos a pensar no pior. Tivemos sorte por poder resolver de outra maneira. Mas imagina quem tem doenças mais sérias. A saúde dos brasileiros há anos está jogada de lado. Uma falta de respeito do poder público para com os cidadãos", lamenta.

A preocupação acerca dos custos com os tratamentos deve ser relativizada, salienta Rolf Hoenger. "Um paciente detectado cedo com alguma doença vale 17 vezes menos ao Estado do que outro com a doença já avançada. Não é só o custo-benefício imediato. Há que se pensar a longo prazo. Se você consegue salvar uma pessoa e ela retorna ao mercado de trabalho, volta a pagar impostos, gera renda para o país". O mesmo conceito pode ser aplicado quando o assunto é o valor dos medicamentos. Um paciente que melhora apenas com a terapia medicamentosa, sem precisar ir ao hospital e ocupar um leito, significa que não vai sobrecarregar as unidades de saúde. "O tratamento com remédios despende dinheiro, mas também elimina outros gastos", compara.

"A doença é um importante fator incapacitante, suprime o mais essencial da vida, tira o que nos faz feliz. Nossa existência não se pode mensurar pelos momentos que respiramos, mas sim pelos momentos que tiram nossa respiração", opinou durante o evento em Cali Carlos Estrada, presidente da Roche Farma Colômbia. Assim, é fundamental educar e conscientizar todos os atores envolvidos no processo de acesso à saúde. "Um enfrentamento eficiente influencia diretamente na expectativa de vida com a doença, assim como nos custos. Outro desafio é otimizar o tempo entre a suspeita e o diagnóstico até o início das terapias. A mudança na saúde tem impacto no bem-estar das pessoas, mas também no crescimento econômico", salienta.

Para o oncologista e especialista internacional no controle do câncer e assessor da Unidade Internacional de Controle do Câncer (UICC), Rolando Camacho, uma das premissas para melhorar o acesso à saúde é apoiar projetos que educam sobre o tema, como Organizações não Governamentais (ONGs), considerando não apenas a prevenção, mas também mudanças de atitude e estilo de vida. "Um erro é encarar a doença como uma sentença de morte. Se não se pode curar, dá para ter uma sobrevida saudável. Ainda existem muitos estigmas em relação a algumas patologias e, nesse caso, é fundamental ser bem informado", ressalta.

Uma etapa significativa para obter atendimento adequado é formar uma visão coletiva do problema entre os agentes implicados nesses processos, através de mecanismos de coordenação, para que o trânsito dos pacientes pelo sistema seja mais oportuno, ressalta Ramiro Guerrero, diretor do Centro de Estudos em Proteção Social e Saúde Econômica (PROESA). "As pessoas devem saber o que fazer no que concerne à prevenção, buscar cedo a atenção. Isso naturalmente exige que existam serviços com cobertura eficiente para detecção e diagnóstico. É um trabalho que envolve múltiplas instituições. Quando os serviços estão distantes um do outro, o percurso de cada paciente por toda a rota de atenção pode gerar muitos trâmites e demora", esclarece.