Saiba como lidar com as frustrações da vida e seguir em frente

Sentimento é o estado de uma pessoa quando impedida, por alguém ou por ela mesma, de atingir a satisfação por algo esperado que não ocorreu

por Lilian Monteiro 27/08/2018 07:00
Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Flávia e a mãe, Filomena, encontraram na cumplicidade pela costura e estética o caminho para superar as frustrações (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

O Brasil que perdeu a chance de lutar pela hexa. A promoção na empresa que não veio. O pedido de casamento que não se materializou. O filho que não escolheu a profissão que você sonhava para ele. A demissão que chegou ao ser trocada por um colega mais novo. A fertilização que não deu certo. O amor não correspondido. O elogio tão aguardado que não aconteceu. A compreensão do amigo que não ocorreu. Todas essas cenas da vida real podem causar frustração, já que a expectativa, tão aguardada, dissipou-se no ar. Como engolir a seco, dar um sorriso, levantar a cabeça, sacudir a poeira e seguir em frente? Certamente, não há regra, modelo, receita, fórmula matemática que poderá aplicar para se sentir bem, logo quando o desejo é abortado. Mas há saídas e todas com livre-arbítrio.

Durante 12 anos, ela foi professora universitária até ser demitida, vítima da redução de custos no auge da crise no Brasil, em 2015. Na mesma época, teve de lidar com a mãe enfrentando um câncer, descoberto por acaso. O mundo parecia desabar. A sensação de não poder fazer nada gerou a frustração, que foi transformada em ação e reação. Essa é história de Flávia Renata Santos, de 46 anos, publicitária, mestre em bioética, enfermeira especialista em geriatria, educadora tecnológica, professora e palestrante. A mãe dela, Filomena Gonçalves Santos, de 57, esteticista, crocheteira e tricoteira das boas, está saudável e com a saúde em dia.

Como Flávia superou o sentimento de frustração? Com fé na vida, em Filomena e nela mesmo: “Sempre tive educação rígida, estudei em boas escolas, recebi o melhor dos meus pais para minha formação. Sou de uma família unida e acredito que dessa união adquirimos forças para sair de situações difíceis. Quanto à frustração, ainda que tenho sido alertada de que nem sempre o esforço para adquirir as coisas é recompensado, que posso fazer a coisa certa e mesmo assim não ser aceita, que levar um não é da vida, só aprendemos a lidar quando ela acontece. Sem viver, sem estar dentro da situação não é possível saber passar por isso”.

Para Flávia, ao estar no meio do furacão, a única saída diante da frustração é torná-la algo positivo para seu crescimento. “As situações são distintas, os problemas diferentes e, às vezes, não estamos preparados. Tudo depende do emocional, ela pode nos pegar num momento fragilizado. Por isso, nunca estaremos preparados para a frustração. Claro, o tamanho do arranhão dependerá da maturidade. O que me afetou aos 16 anos não provocará a mesma reação aos 30”, acredita Flávia.

A publicitária conta que, ao se deparar com a doença da mãe, depois do impacto veio o jogo de cintura: “Somos muito ligadas. Fazemos programas juntas e, num desses momentos, fragilizadas, fomos ao Centro da cidade. Ao passarmos em frente a uma loja de máquina de costura, ela sugeriu que comprássemos uma. Fiquei espantada e argumentei que não sabia pregar um botão. Ela rebateu: ‘Entramos em um curso e aprendemos’. Uma hora depois, para não perder a emoção, estávamos com a máquina em casa e matriculadas num curso de patchwork”.

Assim, formamos uma outra parceria que nos ajudou a superar a fase complicada: “Depois de um tempo, ela saiu e eu prossegui. Como ela, também sou esteticista. Sem emprego, retomei meu atendimento em casa, tinha perdido todos os clientes e precisei resgatá-los. Com minha mestre Helena Rocha Compagno, que dá aula de costuras de roupas para casa, encontrei o que buscava. Eu me apaixonei, me formei e me especializei em roupas de banho. Faço toalhas com apliques de linho, tecido de algodão e renda guipir, além de roupões personalizados. Comecei com panos de prato para dar de presente para a família e amigos no fim do ano de 2015. Recebi tantas encomendas que tudo mudou. E no auge da crise”.

A vida seguiu e Flávia enfatiza que Filomena ficou bem, “graças a Deus”. E como a mãe também borda, “me ajuda com os bordados e com as compras de materiais e ainda na estética, além de trabalhar em uma clínica. Ela me inspira a não curtir a frustração porque é ativa, trabalha e não abaixa a cabeça. Acabou que criamos duas empresas, a Filó Mimos Ateliê e a Due Estética, somos sócias. Nada mais de 40 horas semanais dentro de uma sala de aula, até dou cursos livres, módulo de pós-graduação e palestras. Tenho muitas formações, fiz até curso de saboaria, e acredito que todas conversam, estão linkadas”.

MOLA PROPULSORA

Além de Filomena, o pai, Geraldo Euler, também ajuda no que pode. Participa, corrige, dá palpite, é o motorista e, principalmente, o maior incentivador. Já Filomena contagia todos por não dar espaço em sua vida para a frustração: “Frustrar-se é não conseguir o que deseja. Não acho que devemos aprender a lidar com ela, na verdade, temos que ficar livres dela. Não aceitar e partir para outra. Bola pra frente”.

Quanto maior a expectativa, maior a frustração. A questão é que, quando ela ocorre, cada um tem de decidir se a transforma em peso, em uma punição da vida ou, então, reage, às vezes, até consiga rir da situação e fazer da queda um despertar da vontade de mudar, do impulso para lamentar a força para agir em seu benefício e no do próximo.

Frustração pode ser encarada como decepção, desapontamento, desencanto, desgosto, desilusão, insatisfação, insucesso. Diante de tanta negatividade, nada como serenidade e resiliência para vesti-la de entusiasmo e mola propulsora. Assim mãe e filha fizeram. Outros personagens retratados pelo Bem Viver nas próximas páginas também. Especialistas apontarão caminhos. Todos passam por sentimento de privação e é preciso lutar para não se desestruturar emocionalmente, já que a entrega pode fazer mal à saúde.

A favor do arco-íris
Frustração é um sentimento de impotência e surge quando desejos e expectativas não são realizados. Emoção humana das mais comuns, é importante saber administrar, aceitar e superar

Liliane Pelegrini/Happy Day Fotografia
Iaçanã Woyames de Assis Pinto com o marido, Kleber Antônio de Almeida, e a filha Sophia: tragédia pessoal e um novo recomeço de vida (foto: Liliane Pelegrini/Happy Day Fotografia )

“Aprendi com a vida que quando a gente para de querer fugir da dor ela vai embora mais rápido. Aprendi também que não temos nenhum controle sobre a vida, os acontecimentos e, principalmente, sobre as pessoas. A única certeza é a incerteza. Por isso, hoje lido com um pouco mais de tranquilidade com as frustrações”, diz Iaçanã Woyames de Assis Pinto, diretora de atendimento na Pessoa, agência de relações públicas. Mas nem sempre foi assim. “Quando olho para trás, vejo que as experiências me fizeram mais forte para lidar com as frustrações. Se antes ficava triste, deprimida e questionava a vida, sentindo muita raiva, hoje consigo encarar com mais paciência, olhando para a minha dor e tentando sempre ver o lado bom, mesmo nas coisas ruins. Isso não quer dizer que não fico triste ou para baixo. Mas que aprendi a me erguer e a lidar melhor.”

Trabalhando como assessora de imprensa em uma empresa de comunicação, Iaçanã estava habituada a gerenciar crises, mas não imaginou que teria que enfrentar uma crise pessoal gigantesca. Em 2014, após muitas tentativas, conseguiu engravidar, mas com 16 semanas de gestação levou um susto durante a ultrassonografia: seu filho, Samuel, tinha uma má-formação, uma obstrução no trato urinário, seus rins não funcionavam. Foi um momento de dor e medo. Ela e o marido, Kleber Antônio de Almeida, decidiram levar a gestação adiante. Samuel nasceu de parto normal, com 33 semanas de gestação, e viveu 35 minutos em seu colo. Quatro meses depois, ela descobriu que estava grávida da Sophia, hoje com 2 anos.

Como ela lidou com essa fatalidade? “Foi desafiador, extremamente dolorido, mas uma experiência que me ensinou tanto... Mudou minha maneira de enxergar o mundo. Existe uma Iaçanã antes do Samuel e outra depois. Um filho amado e desejado que não iria viver. Lidamos com a vida e com a morte ao mesmo tempo. Já que desde 17 semanas de gestação os médicos disseram que meu filho era ‘incompatível’ com a vida. Porém, ele estava vivo dentro de mim: eu ouvia seu coração, o sentia mexer. Mas ele poderia morrer a qualquer momento na minha barriga ou logo depois do parto. Chorei muito, me perguntava o porquê de viver tudo aquilo e senti raiva. Mas todas as vezes em que eu chorava ou ficava triste, sentia um bebê vivo dentro de mim. Prometi para mim mesma, junto com o meu marido, que ele viveria o tempo que fosse necessário. Cantava para ele, contava histórias e dizia: ‘Filho, você vai viver o tempo que quiser’. Recebemos muito apoio da nossa família e amigos. Inclusive, eles foram fundamentais.”

SABEDORIA

Para Iaçanã, a partida de Samuel foi marcada por grande dor, mas também de um amor absurdo que a transformou em uma pessoa melhor. “A nova gestação, inicialmente, estava repleta de medos, angústias, mas de uma vontade de viver tudo aquilo que não foi possível com o Samuca. Nunca vou esquecer quantas vezes meu obstetra repetiu a frase ‘cada gravidez é uma história’. Frase que me tranquilizava e acalmava meu coração, às vezes medroso, às vezes angustiado. Sophia é meu bebê arco-íris. Conceito que está relacionado a um filho que vem depois de uma tempestade. Afinal, o fenômeno composto de sete cores da natureza só ocorre depois de uma chuva, na verdade, do encontro entre o Sol e a chuva. E depois de tudo o que vivi, não poderia chamar a morte do Samuel, simplesmente, como tempestade. Tempestade é algo forte, intenso, causa transtornos, inundações, desastres e perdas. Mas também traz consigo limpezas, renovações, solidariedade e empatia. E mais do que isso: ela ensina muito.”

Assim, ao pensar em frustração, Iaçanã revela que “quando Sophia chora por alguma razão, tento não dizer: “Pare de chorar!”. Eu tento dizer ‘filha, não tem problema chorar. Você está triste, com raiva? O que houve?”. Porque não quero que ela reprima suas emoções, ou entenda que nunca devemos estar tristes ou frustrados. Quero muito que ela saiba lidar com seus sentimentos”. Com sabedoria, Iaçanã completa: “Nossa sociedade cobra que estejamos sempre bem e felizes. Mas a tristeza e a frustração fazem parte. Não tem problema ficar triste, com raiva ou frustrado. O que vamos fazer com essas emoções é o que devemos nos perguntar e com que preocupar. O que eu quero é que ela tenha inteligência emocional, busque o autoconhecimento e saiba que vamos chorar e cair muitas vezes. Os incômodos e as frustrações fazem parte da vida, por isso temos que aprender a lidar com eles”.

Na vivência de Iaçanã, ela acredita que “temos certa influência dos pais, afinal eles são nossas primeiras referências. Mas não só eles, acredito que todas as pessoas que estão próximas e com que convivemos diariamente nos afetam de alguma forma. Tive bons exemplos. Ver minha mãe com três filhos, voltando a estudar depois dos 40 anos. A própria história da minha avó, de luta e sobrevivência, com muitas dificuldades financeiras também. Tem ainda meus tios, Carla e Davi, que perderam a filha de 7 anos, minha prima, e não desistiram da vida, pelo contrário, me ensinaram a lidar com as perdas. Na verdade, principalmente, as mulheres da minha família sempre me ensinaram a não desistir, a ser forte, a lutar, mesmo diante das frustrações da vida. Além da minha família, a doutrina espírita, minha religião, a terapia, meus amigos e a Comunicação Não Violenta (CNV) me ajudaram no processo de autoconhecimento e inteligência emocional. Lembrando que ele é contínuo, não posso dizer que aprendi e sei lidar 100% com a frustração, mas, hoje, melhor do que ontem. E assim vou caminhando todos os dias com o que virá”.

Dádiva dos corajosos

A vida apresenta a todos, sem distinção, contrariedades. O que exige paciência, resiliência e habilidade para tratar com os obstáculos que se impõem. Decepções, certezas adiadas ou descartadas não podem ser sinônimo de fim da linha, de jogar a toalha ou de desespero. Pelo contrário. Não se pode deixar dominar pelo sentimento de frustração, já que nunca se verá livre dele. Ninguém consegue tudo o que quer. Por isso, é importante saber diferenciar desejo de necessidade.

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Cristiane Vierno, de 42 anos, administradora de empresas, perdeu o emprego no auge da carreira e voltou a tomar as rédeas da própria vida (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Cristiane Vierno, de 42 anos, administradora de empresas, trabalhou como analista de crédito junto a multinacionais do mercado financeiro por 20 anos. Atualmente, é a idealizadora e uma das administradoras do Espaço Cambiar, que atua na curadoria da Feira das Gerais. Mas, antes disso, ela caiu e teve de reerguer: “Logo que comecei a cursar administração na PUC Minas, passei a fazer estágios. Estudava à noite e trabalhava durante o dia todo. Ao me formar, já era contratada de uma multinacional, estava feliz, era bem remunerada e gostava muito do que fazia. Em paralelo, me casei, fui mãe aos 30 anos, mas não menos dedicada ao trabalho. Fui subindo na carreira e atingindo um patamar sênior graças ao meu esforço, dedicação e perseverança. Tive oportunidades e não as desperdicei.” Porém, diante de crises consecutivas em uma economia tão vulnerável como a brasileira, ameaças constantes são comuns. “E depois dos 40 anos, me senti muito mais vulnerável. Você atinge cargos seniores, mas o mercado tende a absorver profissionais de mais baixo custo, mais jovens e inexperientes. Esse descaso é frustrante. Em meu último emprego, fui demitida em função da redução de custos.”

Para Cristiane, sentir-se preterida no mercado após 20 anos de dedicação gera muita frustração: “É um sentimento que impacta, desequilibra e nos desestabiliza. Lidar com frustrações nunca foi simples. Mas quando a situação é se reinventar, não há escolha. Você precisa se fortalecer, há quem precise de você bem e feliz, além de você mesma, é claro”.

PAZ INTERIOR

Sem emprego, Cristiane saiu à procura de recolocação. Foi quando encarou nova frustração, já que para retornar ao mercado teria de aceitar um terço do seu último salário. “Ao fazer as contas, fatalmente pagaria para trabalhar. O mercado estava em busca de trainees e não alguém com experiência de 20 anos.” Como ela reagiu? “Não tinha alternativa que não fosse me reinventar. Conheci muitas pessoas como eu, que estavam descobrindo novos horizontes e refazendo sua vida. Resolvi trabalhar na promoção de pessoas que atravessavam o mesmo problema que eu. Surgiu a ideia da Feira das Gerais, que começou como Feira das Mulheres Empreendedoras.” A Feira das Gerais ocorre mensalmente e reúne 45 expositores de diferentes segmentos.

Em paralelo, Cristiane Vierno desenvolve há quase dois anos o trabalho de transporte infantil. “Hoje, tenho uma MEI como motorista e tenho vários clientes que levo e busco, em meu carro, a escolas e atividades extraclasse. Amo o que faço e me orgulho demais disso.”

E a frustração? “É natural aos seres humanos, quando nos dedicamos a algo e não somos valorizados. Saber lidar com ela é uma dádiva dos corajosos. Passar por situações difíceis nos fortalece, nos amadurece, nos faz enxergar o problema do outro com mais empatia e interesse em acolher e ajudar.”

Cristiane diz que se pudesse dar um conselho a alguém que esteja passando por algum tipo de frustração, diria: “Coragem e fé, que para todo o mal há sempre um bem muito maior por vir. Para tolerar as frustrações temos que aceitar que as coisas nem sempre saem como gostaríamos, mas temos que nos esforçar e seguir adiante, sempre”.

"Tudo quero, tudo posso"
Satisfazer suas expectativas e as dos outros. Em momentos de baixa imunidade psíquica, as pessoas ficam vulneráveis às frustrações. É preciso ter resiliência para lidar com um dos pilares da vida

Arquivo Pessoal
Para Maria Goretti Ferreira, psicóloga e psicanalista, a capacidade de lidar com a frustração é fruto da história pessoal (foto: Arquivo Pessoal)

“A frustração não só faz parte da vida como é constitutiva do ser humano. É um dos pilares sobre os quais se desenvolve e se estrutura a nossa subjetividade”, explica Maria Goretti Ferreira, psicóloga e psicanalista. Ela frisa que o “paradigma clássico é a relação mãe/filho. No início da vida, a mãe (ou alguém que exerça a função) não sabe ainda quem é o seu bebê e é de se esperar que fique à disposição para aprender a conhecê-lo e melhor suprir as suas necessidades fisiológicas e emocionais. Nesta interação, a mãe desvela-se em proporcionar conforto, na medida do possível, com carinho e afeição. Constitui-se assim o protótipo da apresentação do mundo à criança, que, por sua vez, ao seu modo peculiar e singular, apreende e capta o seu entorno, carregando ao longo da vida impressões favoráveis ou não ao seu ser no mundo e com o mundo”.

Com o passar do tempo e do desenvolvimento do bebê, esclarece Goretti, a mãe vai dosando a sua disponibilidade – porque também gradualmente retoma outros aspectos da sua vida – e a criança vai aprendendo a esperar, a adiar as suas recompensas, a não ser mais atendida a tempo e a hora, como nos primórdios. “O padrão prazer versus desprazer vai tomando corpo com a frustração se fazendo presente e se perpetuando por toda a vida. Espera-se que o sujeito em desenvolvimento vá aprendendo e assimilando que os outros (pessoas e objetos) não estão à sua disposição, ao seu bel-prazer.”

Conforme a psicanalista, a capacidade de lidar com a frustração é, portanto, fruto da história pessoal e pressupõe que, sendo o sujeito um ser de falta, incompleto por natureza, “sempre encontrará pela frente pedras no seu caminho. Pedras essas que, se bem acolhidas e interpretadas, poderão se transformar em sábias ferramentas de superação de obstáculos e desafios”.

INTOLERÂNCIA E MAMADEIRA

O problema, constata Goretti, é que, “infelizmente, na atualidade, há uma enorme intolerância à frustração, como se não devesse fazer parte da vida. Parece inconcebível que o sujeito se depare com fracassos e tropeços, sinônimos de atestado de incompetência e de insucesso. Tornou-se feio, constrangedor, humilhante, uma vez que longe dos holofotes que ostentam a tão sonhada felicidade. Num mundo em que as pessoas desejam tudo do bom e do melhor, não é de se estranhar que sucumbam facilmente ao desapontamento, ao desencanto e até mesmo ao desespero quando não atendidas. Das crianças à idade adulta, o ‘não’ é inaceitável, levando a vida numa bolha infantilizada do ‘tudo quero, tudo posso’, como se o mundo fosse uma eterna mamadeira, cuja ausência torna-se insuportável e/ ou inadiável.

Em contrapartida, enfatiza a psicóloga e psicanalista, no primado de um modelo econômico que traz no bojo a busca ilimitada e incessante de satisfação, com a (falsa) promessa de felicidade e de ideais inatingíveis, a chance de se sentir frustrado e à margem do mundo só tende a aumentar: “Quanto maior a oferta de produtos mediadores do ‘bem-estar e do sucesso’, maior a expectativa e, em consequência, maior a decepção”.

Por isso, alerta Goretti, urge mais do que nunca que o sujeito se aproprie de si, selecionando e descartando excessos que alardeiam recompensas ilusórias, utópicas e delirantes. “Também é preciso atentar para o fato de que, considerando uma das máximas vigentes atualmente - ‘Seja empresário de si mesmo’ -, não cabe que o sujeito se submeta ao engodo de que seja ele somente o responsável pela realização de si, como se outras instâncias não interferissem no curso da sua vida. Por esse viés, o peso da desilusão só tende a aumentar.”

Quanto a isso, avisa Goretti, é preciso estar atento: “O sentimento de frustração oscila de acordo com o nosso arcabouço interno e das conjunturas externas. Em momentos de ‘baixa imunidade psíquica’, ficamos mais vulneráveis às frustrações, em que uma pedra no caminho se transforma num verdadeiro paredão. É preciso reorganizar as forças internas para que a frustração não se transforme em amargura, ressentimento, inveja e ódio ao semelhante”.

Processos de frustração

Por barreiras: quando existe um obstáculo que impede de se chegar ao objetivo

Por incompatibilidade: entre dois objetivos positivos

Por conflito: entre duas situações negativas e por conflito entre situações positivas e negativas em igual medida

Fonte: www.significados.com.br

Amar-se incondicionalmente

Criar menos expectativas é se frustrar menos? Daniela Queiroz, psicóloga, especialista em psicologia positiva e hipnoterapia ericksoniana, com a médica psiquiatra Sofia Bauer, define frustração como a não aceitação do não, a ‘revolta’ contra ouvir o não, seja ele de si mesmo ou do outro. “Não tem a ver com idade, mas com a maturidade e atinge de crianças a adultos.”

Liliana de Souza Santos San Juan /Divulgação
"Cair e levantar faz parte e com o apoio social tudo será melhor. É preciso seguir em frente" - Daniela Queiroz, psicóloga, especialista em terapia positiva e comportamental (foto: Liliana de Souza Santos San Juan /Divulgação )

Para Daniela Queiroz, o que tem muito a ver com a frustração nas crianças é a maneira como elas são criadas: “A educação com mais ‘nãos’ costuma ser uma criação mais resiliente. Agora, se for radical, militar, há o risco de se tornar um adulto revoltado. O comportamento tem de ser na medida certa. O ‘não’ com justificativa, com dose de afeto, com explicação, em tom de resguardo e não o da privação”.

A psicóloga conta que um estudo nos EUA, via comercial de um doce, fez um experimento. A ideia foi dar um docinho para cada criança alertando que, caso ficassem dois minutos sem comê-lo, ganhariam mais um. Muitas comeram, outra não. Dez anos depois, os pesquisadores encontraram as mesmas crianças para saber como estavam. Descobriram que aquelas que não ingeriram o doce, que souberam esperar, eram mais bem-sucedidas do que as impulsivas. O que nos faz pensar... Mas lembre-se, isso não é uma regra.

Já a dificuldade do adulto em lidar com a frustração, conforme Daniela Queiroz, tem a ver com autoestima e falta de autoconhecimento: “Quanto mais me conheço, menos o externo vai me abalar. A proposta é não criar tanta expectativa com o que vem de fora para que não o atinja tanto. Enquanto quem precisa tanto da validação do outro enfrentará mais obstáculos e mostrará que essa pessoa não tem uma identidade estabelecida. Por isso, anseia pela confirmação do outro”.

Daniela Queiroz frisa que há ferramentas para desenvolver o autoconhecimento. Ela revela a técnica do balde que usa em seu consultório. Ela pede ao paciente para entregar um baldinho a cinco pessoas para escrever, sem se identificar, três características suas: “Das 15, sempre terá uma em comum. É uma forma de se conhecer, ter um feedback de pessoas que são próximas. Aí terá como trabalhar e lidar tanto com suas vitórias (elogios) quanto com seus insucessos (críticas). Vai perceber se é uma pessoa que lida mal com a frustração ou se age como a fênix e sempre se refaz. Se é alegre ou introvertida, se é doadora ou individualista. Até a postura corporal pode dizer sobre você. Anda ereto ou curvado? Chora demais, se emociona com facilidade ou é mais fria?”.

Para a vida ficar menos pesada, já que nunca será leve para sempre, a psicóloga propõe que cada um encare a busca de se tornar pessoas interessantes para nós mesmos. Claro que o ser humano precisa um do outro para trocar vivências. No entanto, se não houver, não será tão impactante. As pessoas têm de lidar com solidão, dar conta do ser individual, do ser sozinho, e de se bastar dentro do possível e sem comprometimento da sua sanidade.

WALT DISNEY

Daniela Queiroz afirma que frustração não tem a ver com medo de falhar, mas sim de se sentir rejeitado ou não adequado pelo outro ou por determinada situação. Há quem não tem problemas em errar, mas pode se sentir frustrado ao não entregar uma expectativa. Por isso, a frustração tem a ver com expectativa, a sua mais a do outro. Como sair desse imbróglio? “Adequar-se à sua realidade. Saber que todo ser humano é falível. Conhecer suas potencialidades e no que precisa melhorar. Autoconhecimento, autoestima e, principalmente, se amar. E se amar incondicionalmente.” Para isso, alerta a psicóloga, é fundamental o contato social, se relacionar com as pessoas positivas: “Fique longe das negativas porque sua falha será o seu resultado final. Pode fazer tudo 99% certo, o 1% errado será exaltado, marcado por essa pessoa”.

Para a psicóloga, é natural as pessoas tentarem, fracassar e não desistir: “Cair e levantar faz parte e com o apoio social tudo será melhor. É preciso seguir em frente”.

De volta às crianças e ao adulto revoltado, quer dizer que a culpa da maneira de encarar a frustração está na conta dos pais? Daniela Queiroz afirma que não somente: “Cada filho nasce com uma personalidade, uns mais ou menos tolerantes, e a vida e a criação são capazes de moldá-los e adaptá-los ao mundo. Conversa, diálogo, explicação fazem parte. E, sem dúvida, o exemplo é a maior forma de liderança. Se a mãe perceber um filho diferente do outro, um que não aceita o não, indicaria pesar a mão mais com ele e não sair entregando tudo. Todos somos plásticos. Aprendemos. Não tem uma receita mundial, única para todos, mas há uma sob medida para cada um”. Ela diz que não dá para esconder que o mundo não é o mundo do Walt Disney, perfeito.