Cientistas encontram nova forma de combater o vírus da gripe

Droga criada por cientistas ingleses não ataca diretamente o vírus. Ela evita que o micro-organismo use uma proteína humana que facilita sua dispersão pelo corpo. A estratégia também poderá evitar o surgimento de cepas mais resistentes

Vilhena Soares 13/08/2018 08:27
Arte/CB/D.A Press
(foto: Arte/CB/D.A Press)

Pela dificuldade de combater os agentes causadores da gripe — há centenas de variantes dos vírus —, os tratamentos quase sempre se destinam ao extermínio ou ao alívio dos sintomas da infecção, como nariz escorrendo, febre e dor de garganta. Pesquisadores ingleses trabalham em outra linha de ataque. Eles não têm como alvo os patógenos. Focam-se em moléculas presentes no corpo humano que são usadas por esses micro-organismos para facilitar a infecção. Detalhada na revista Nature Chemistry, a abordagem surtiu o efeito esperado em testes laboratoriais e, segundo os cientistas, poderá ser usada na criação de medicamentos e na prevenção de cepas de vírus mais resistentes.

Roberto Solari, pesquisador do Imperial College London e um dos autores do estudo, conta que, no início, a busca era por uma droga para tratar outra doença. “Um colega de instituição, o químico Ed Tate, trabalhava em enzima, com interesse particular em fabricar uma droga para a malária. Estudos de outros autores sugeriram que essa enzima também era importante para o poliovírus. Como o vírus do resfriado está relacionado à poliomielite, pensamos que seria interessante avaliar se essa molécula bloquearia o vírus do resfriado”, detalha.

A molécula criada por Solari e colegas é uma combinação de dois compostos encontrados em uma grande biblioteca laboratorial e recebeu o nome de IMP-1088. Ela tem como alvo a proteína humana N-myristoyltransferase (NMT). Segundo os cientistas, os vírus “sequestram” as NMTs para construir uma casca, também chamada de capsídeo, e proteger o seu genoma da ação de células de defesa. Nos testes laboratoriais com células humanas, a molécula surtiu o efeito esperado e foi 100 vezes mais potente do que outros compostos testados.

Houve tentativas anteriores de criar drogas com a mesma estratégia: agir em células humanas e não diretamente no agente infeccioso. Os testes mostraram que as abordagens, além de causar efeitos colaterais, podem ser tóxicas. Segundo os criadores da IMP-1088, a molécula não apresentou esses problemas. Ela bloqueou completamente várias cepas do vírus da gripe sem afetar as células humanas.

“Precisaríamos ter certeza de que a droga estava sendo usada contra o vírus do resfriado, e não em condições semelhantes, mas com causas diferentes. Dessa forma, a gente conseguiu minimizar a chance de efeitos colaterais tóxicos”, explica Solari. A equipe planeja dar continuidade ao trabalho, inclusive para atestar que a abordagem não é tóxica. “Esse composto só funcionou no laboratório estudando células infectadas por vírus. Agora, precisamos realizar estudo com animais para ver quão eficaz ele é, e também avaliar se é seguro e bem tolerado.”

Versão inalada

Em pessoas saudáveis, o resfriado comum não é grave, mas, em casos de asma ou de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), as consequências podem ser preocupantes. Segundo os criadores da IMP-1088, a droga poderá evitar esse tipo de complicação. “Se usada no início da infecção, ela poderia ser extremamente benéfica. Estamos trabalhando para fazer uma versão que possa ser inalada. Dessa forma, ela poderá chegar aos pulmões rapidamente e ajudar pacientes com complicações crônicas”, explica Ed Tate, coautor e pesquisador do Departamento de Química do Imperial College London. Para Raquel Melo Nunes de Carvalho, pneumologista da Aliança Instituto de Oncologia, em Brasília, um dos grandes obstáculos da terapia criada pelos cientistas ingleses pode ser o diagnóstico precoce da gripe. “Para que esse medicamento tenha efeito, você precisa identificá-la cedo, e isso é um processo complicado, porque os sintomas se confundem com os de outras doenças, como a rinite”, explica. Antes disso, porém, diz a médica, é preciso vencer os testes clínicos. “Acredito que um próximo passo seja analisar o organismo de animais e de humanos para saber se o mesmo se repete nesses grupos”.

Vencidas as etapas, a possibilidade de ter uma nova abordagem contra a gripe merece comemoração e destaque, de acordo com a pneumologista. “Essa é a infecção viral mais comum do mundo, ou seja, o impacto de um tratamento para ela é grande”, justifica Raquel Melo Nunes de Carvalho. Segundo o pesquisador Roberto Solari, há a possibilidade de a mesma abordagem ser usada contra o vírus da pólio e o da febre aftosa.