O que você faz para mudar o mundo? A pergunta pode parecer utópica ou missão quase impossível, mas o segredo para um movimento tão grandioso pode estar nas pequenas ações individuais. A decoradora Odette Castro acredita e pratica essa ideia. Há quatro meses, ela começou a tecer flores de crochê e amarrá-las em árvores de Belo Horizonte. “Vou colocar uma flor todo dia em uma árvore. É a minha forma de gritar para o mundo parar de odiar”, conta. O projeto Uma flor cura uma dor iniciou-se cinco meses depois que a inspiração para a sua criação havia nascido: Ana Catarina, a primeira neta de Odette.
Foi pela pequena que a avó resolveu espalhar amor para todos que tiverem a sorte de cruzar pelas plantas decoradas na cidade. “Quando a Ana Catarina nasceu, comecei a ver o mundo com mais amor, porque neto faz esse movimento na sua vida. E coincidiu muito o nascimento dela com uma explosão de ódio nas redes sociais.
E foi no espaço de interação virtual que ela percebeu que, nos últimos tempos, houve crescimento do ódio e do radicalismo. “As pessoas estão com muita raiva, elas estão exalando ódio. Precisamos espalhar coisas boas”, destaca.
Odette é mãe de Laura e Beatriz.
CAMINHOS DO AMOR
As primeiras flores enfeitaram as árvores da rua onde mora, no Bairro Sion, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Depois, ganharam a Avenida Uruguai e chegaram à Praça Nova York. As pessoas começaram a se envolver e a incentivar o trabalho da jardineira do amor. “As pessoas já começaram a parar, perguntar, tirar fotos e a elogiar”, conta. E se o trecho da oração de São Francisco de Assis já dizia que é dando que se recebe, Odette garante ter colhido muito mais do que tem plantado.
As flores, tecidas e decoradas cuidadosamente por Odette, podem até não ter o endereço definido, mas são projetadas para levar a mensagem certa. “Esse projeto não é só colocar flor em árvore. Grito de forma singela, por meio dele, o que quero gritar”, destaca. Desde homenagens delicadas, como a feita para o Dia das Mães, às produções carregadas de simbolismo, como a que alertou sobre o feminicídio. “Maio foi um mês que me assustou muito, com o assassinato de mulheres. Então, fiz uma flor negra, usei lã áspera e fiz uma flor não muito bonita. Ela era bem assimétrica e a amarrei na árvore mais fina da rua.
O trajeto que as flores vão seguir pela cidade não está definido. O que é certo, segundo a idealizadora, é que seu projeto é para a vida toda. “Vou tecer enquanto viver, enquanto tiver forças. É um projeto de vida”, afirma. A receita pode ser reproduzida por todos, mas cada um inserindo seu próprio ingrediente. “A flor de crochê é o que tenho dentro de mim para oferecer. Então, acho que está na hora de cada um oferecer o que ele tem dentro dele. É só isso que vai consertar o mundo”, avalia.
LAÇO SOCIAL
Para a psicanalista Samyra Assad, membro das Escola Brasileira e Associação Mundial de Psicanálise, ações como a de Odette são formas positivas de estabelecer laço social. “Diante de tanto individualismo que temos vivido na contemporaneidade, ações como esta são formas de você, com sua obra, incrementar o laço social”, avalia. Para ela, fazer o bem para o outro é, antes de tudo, fazer o bem para si mesmo, e atividades como esta precisam ser valorizadas. “O importante é não banalizar ações assim. É algo totalmente precioso, por ser único”, destaca.
A psicóloga e psicanalista Maria Goretti também avalia positivamente o trabalho da decoradora. Esse tipo de iniciativa é sempre bem-vindo. Pessoas que abraçam causas revelam não só ato de gentileza, mas apreço pelo outro, o desejo de proporcionar à comunidade uma sensação de bem-estar, trazendo ou renovando esperança em meio ao caos de uma metrópole”, avalia. Goretti destaca, ainda, que o trabalho voluntário, além de revelar movimento de doação e desprendimento, costuma trazer sensação agradável de conforto e serenidade para quem o faz. “O próprio ato de cuidar do outro é, em si, ato de amor, prescindindo de palavras e de reconhecimento. Ou seja, gesto de pura gratuidade, que beneficia mais quem oferece do que quem recebe”, completa. .