Fazer de espaços ociosos hortas urbanas sustentáveis promove a saúde e cuida da natureza

Alternativa dá a tônica a projetos desenvolvidos dentro de universidades e levados à comunidade

por Lilian Monteiro 17/06/2018 07:00
Rosilene Campolina/Divulgação
Em formato de mutirão, no terraço do prédio do Centro Universitário Una, comunidades e universidades cultivam frutas, legumes e verduras de forma sustentável (foto: Rosilene Campolina/Divulgação)

Há mudanças lentas e aceleradas. E, como qualquer transformação, há adeptos e críticos. Estilo de vida saudável com foco na agricultura familiar, alimentação orgânica, produtos livres de agrotóxicos, comprados em feiras e de pequenos produtores, tudo isso já é realidade, ainda que não atinja todos (por enquanto!). Mas para ter acesso é preciso agir. Resultado dessa visão é o Leia - Laboratório Ecossistêmico Interdisciplinar de Aprendizagem, que nasceu a partir de pesquisa de mestrado sobre sustentabilidade gastronômica, via projeto de extensão, capitaneada pela professora de gastronomia do Centro Universitário Una Rosilene de Lima Campolina, também administradora do portal gastronômico Chef a Chef.

O Leia foi idealizado e criado com o objetivo de transformar espaços ociosos em hortas urbanas sustentáveis (de frutas, verduras e legumes) como alternativa para as famílias que buscam ingerir alimentos mais saudáveis e economizar. Atualmente, Rosilene é uma das coordenadoras, em parceria com as professoras de arquitetura Ivana Costa de Amorim e Luíza Franco, e do mestrado Edimeia Maria Ribeiro de Mello. A implementação ocorreu em agosto de 2016 e visa corroborar com as ações de sustentabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU) – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável do Milênio –, e inovação social nos três pilares da universidade: ensino, pesquisa e extensão. “A proposta dele é promover a saúde alimentar por meio da agricultura familiar, beneficiando a comunidade com uma forma alternativa de acesso aos alimentos, com foco no “slow food”, na produção comunitária coletiva e na soberania alimentar, bem como na gestão de resíduos orgânicos e inorgânicos.”

Rosilene Campolina explica que o Leia vincula a didática educacional com uma demanda social, mais especificamente a construção de cidades mais “sustentáveis”, na busca de qualidade social, econômica e ambiental, com vista na melhoria da saúde e do bem-estar das pessoas. A missão é implementar hortas urbanas e qualificar a comunidade para sua manutenção e autogestão, incentivando a criação de feiras de orgânicos e espaços verdes de convivência. O projeto se propõe a engajar em aspectos da gestão social e se constituir em inovações sociais por meio da adoção de técnicas da agroecologia, que obedecem aos cuidados de preservação do meio ambiente. Organizam-se no formato coletivo e de mutirão, e têm como prerrogativa o consumo sem custos entre os produtores e a rede de comercialização solidária que incentiva o capital humano e a transformação social. “Para tanto, serão envolvidos os alunos, que aprenderão na prática sobre a gastronomia e a soberania alimentar, aliado a um trabalho de grande impacto social.”

OFICINAS E A COMUNIDADE

A professora lembra que o projeto não fica restrito ao ambiente acadêmico. “As coordenadoras trabalham as experiências extensionistas praticadas no contexto das sociedades locais, de forma a levantar as contribuições para ações na comunidade. O projeto é aberto ao público e, para participar, basta ter vontade e engajamento. Na página https://www.facebook.com/Unaleia/ disponibilizamos as datas das oficinas, atividades e ações do projeto, com chamada para a comunidade participar de forma efetiva e colaborativa.”

Rosilene Campolina enfatiza que, além da horta urbana plantada no terraço do prédio da Una, o Leia já chegou a outros espaços da capital. “Em comunidades como Vila Estrela e Santa Lúcia, Bairro Ipiranga, Centro Cultural Usina de Cultura e intervenções com aulas e práticas de ecogastronomia e de técnicas de cultivo de hortas e gestão de resíduos e compostagens, no Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), Mercado da Lagoinha, restaurantes populares de BH, Associação das Caminhantes da Estrada Real (Acer), Escola Mineiraria no Mercado Central, além das ações nas praças da Assembleia e da Savassi com plantio de hortas nos parklets da cidade, como o Parklet Rogério Fernandes, que agora se deslocou da Savassi para o Santa Tereza. O próximo parklet a virar horta urbana será o da Liberdade, em frente ao câmpus Una, quase esquina com Rua Gonçalves Dias.”

Gabriela Marcondes/Divulgação
Vários tipos de embalagens são reaproveitadas para a construção das hortas urbanas (foto: Gabriela Marcondes/Divulgação)
Conforme Rosilene, o Leia, por meio das hortas do terraço no câmpus Una João Pinheiro, funciona como showroom, vitrine chamada de laboratório social e ecossistêmico porque reúne vários saberes, desde a gastronomia, arquitetura, mestrado/pesquisa e intervenção com as contribuições interdisciplinares de outros cursos, como a biologia, nutrição, moda, comunicação e cinema, pedagogia e psicologia, entre outros. “Ao Leia interessa propriamente a finalidade da agricultura urbana relacionada ao cultivo de plantas, para incentivar a produção de alimentos de origem vegetal, por exemplo, raízes, hortaliças, frutas, plantas medicinais, com vistas na segurança alimentar das famílias, principalmente em meio à escassez e crises de abastecimento, assim como para fins de contribuir com a soberania alimentar. Dessa forma, pretende contribuir com as famílias que vivem em centros urbanos, diminuindo sua dependência da oferta concentrada nos grandes supermercados.”

ACESSÍVEL

Além da força de vontade, de colocar a mão na massa, do querer fazer, Rosilene Campolina indica outras formas de o Leia ser acessível a todos, de chegar ao maior número de pessoas possível. “Espera-se levar o Leia por meio de aulas, palestras, simpósios, congressos, festivais de gastronomia e feiras livres ao maior alcance possível de pessoas e, dessa forma, poder, de algum modo, ajudar a melhorar a vida das pessoas no que tange à implementação de hortas urbanas sustentáveis e à gestão adequada de resíduos orgânicos e inorgânicos, além da promoção da segurança e da soberania alimentar.”

Vale destacar que tudo que envolve o Leia é sustentável, sem abrir mão das tecnologias construtivas e inovadoras. “Dessa forma, o projeto se justifica ao contribuir para a redução do lançamento de resíduos no meio ambiente e da geração de CO2 durante a fabricação de produtos e materiais. O Leia é equipamento útil ao aprendizado, por meio da realização de oficinas, planejadas com base no conhecimento de professores de diferentes disciplinas e cursos, coordenadores de extensão, bem como parceiros externos plenos em saberes relevantes para sua implementação, e interessados em geral, que comparecem às reuniões abertas ao público. O Leia reflete e inova conhecimentos originários da gastronomia, da arquitetura, da engenharia, das ciências econômicas e sociais, da agroecologia, da agricultura urbana, sobre modos de transformação do espaço urbano ocioso em espaço urbano sustentável, destinado a favorecer a soberania alimentar e gerido por meio de relações comunitárias colaborativas com base em otimização dos recursos disponíveis.”

Oficinas de conhecimento

As atividades desenvolvidas no contexto do Leia, em uma primeira fase, para o alcance de seu objetivo, contemplaram oficinas com conteúdos teóricos e práticos que abordaram ensinamentos relativos às seguintes temáticas:

1 - Uso de materiais recicláveis inorgânicos para a edificação das hortas

2 - Uso de materiais orgânicos para a adubação natural, por meio da compostagem, preparada por professores e alunos da biologia

3 - Planejamento dos canteiros para contemplar espécies afins e evitar pragas, oferecido pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais (Emater)

4 - Exposição explicada dos projetos arquitetônicos pilotos das hortas, elaborados pelos alunos do curso de arquitetura e urbanismo, com a orientação dos professores do curso

5 - Implementação dos projetos-piloto no terraço (mãos na massa) pelos alunos da arquitetura, da biologia e da gastronomia

6 - Plantio dos canteiros (mãos na terra) pelos alunos da arquitetura, da biologia e da gastronomia

7 - Exposição das cartilhas com os aprendizados desenvolvidos nas experiências

Os pilares do projeto:

1 - Marketing verde (parcerias com a comunidade e empresas)
2 - Sustentabilidade (desenvolvimento sustentável)
3 - Acessibilidade (projeto acessível à comunidade, escolas e outros projetos)
4 - Interdisciplinar (interação entre vários cursos)
5 - Aprendizado (palestras, minicursos e workshops)

"Espera-se levar o Leia por meio de aulas, palestras, simpósios, congressos, festivais de gastronomia e feiras livres, ao maior alcance possível de pessoas” Rosilene Campolina, professora de gastronomia do Centro Universitário Una

Saiba mais

Parcerias e participações do projeto

O projeto já envolveu cerca de 138 alunos dos cursos de gastronomia, arquitetura, mestrado GSEDL, moda, biologia e nutrição etc., e algumas parcerias como Emater, be green, Susan/Smasan/PBH, Frente da Gastronomia Mineira (FGM), Slow Food, Abrasel, Fazenda Engenho D’água, Portal Chef a Chef, Portal BH Eventos, Skank/fornecimento do Bioneem com Henrique Portugal, Casa Gastronômica Expresso 500, Feirinha Aproxima/Chef Eduardo Maya, Jungje Bier Macacos, Instituto Mani, UEMG, Eja/Colégio Imaculada, quitandeiras de Congonhas e de Macacos, por meio das respectivas prefeituras/secretarias de Cultura, Fundação Municipal de Cultura (FMC), MM Gerdau – Museu Gerdau, Associação das Caminhantes da Estrada Real (Acer), Gabriela Marcondes Resíduos Têxteis, Espaço Arte Essência e Óleo Verde etc.

Resíduos na moda
Garrafas PET, caixas de ovos, argila e bambu, entre outros itens, são reutilizados no projeto Leia, que envolve várias áreas e atores e cria oportunidades de aprendizagem para a comunidade

Gabriela Marcondes/Divulgação
Materiais reciclados se transformam em vasos e outros objetos, além de gerar renda e melhoria na qualidade de vida (foto: Gabriela Marcondes/Divulgação)

Cordas, fios, fitas, caixas de ovos, embalagens plásticas, garrafas PET e tetra pak, caixa cartonada, mudas, sementes, terra, esterco, cabos de vassoura, bambu e argila... Tudo isso pode ser doado e disponibilizado para a construção de hortas urbanas, por meio do projeto Laboratório Ecossistêmico Interdisciplinar de Aprendizagem (Leia). Gabriela Marcondes Schott, professora do curso de pós-graduação MBA direção criativa de moda, da Una, também participa do projeto, já que várias áreas se convergem e conversam. Ela conta que sua responsabilidade foi cuidar da parte em que é usado o resíduo têxtil. “Fizemos o reaproveitamento em várias oficinas, como a da técnica macramê.”

Para Gabriela, o objetivo do Leia é mostrar uma ação positiva e com resultado de como aproveitar espaços e atores para desenvolver e criar oportunidades de aprendizagem que não fica restrita a um universo, mas que pode ir para a sociedade: “É a interdisciplinaridade que sempre enfatizamos. É o objetivo de levar o Leia do terraço para a praça, para o contêiner, enfim, extrapolar a ideia inicial. O que é muito possível.”

OVOS

Gabriela é uma entusiasta do projeto. “Enxergar o reaproveitamento em todas as áreas é sensacional. Pensar que o resto de comida da aula de gastronomia vai para a de biologia, que o transformará em biofertilizante; que a casca de ovo será forrada com tecido e será a decoração da Páscoa...”

A professora destaca que, durante o projeto, o ensino aprendizagem envolve todos, pelo compartilhamento de conhecimento. “Fizemos aventais reciclados de banners da própria instituição; com resíduos têxteis criamos macramês para vasos aéreos; cestos de crochê e cachepôs para caixas de leite... O espectro do Leia é grande. Além de reaproveitamento, do reúso, tem a via empreendedora, de gerar ideias e oportunidades.”

Gabriela destaca que o Leia é aberto ao público, para a comunidade e qualquer pessoa pode participar, aguar a horta, “enfim, é um projeto social, é participativo, é para replicar. Aliás, essa é a perspectiva do Leia. Ele pode ser implantado em qualquer lugar. Queremos que cada vez mais as pessoas possam compartilhá-lo em seu espaço de convivência. É aplicável, não requer dinheiro, mas vontade e aprendizado. É um projeto que nos faz abrir os olhos, tem interlocução, ensinamos e aprendemos o tempo todo.”

Oficinas de plantar

“Hortas Urbanas – cultivando uma cidade mais saudável” é o nome do projeto de extensão do Centro Universitário Uni-BH, em ação há mais de um ano sob a coordenação da bióloga e professora Juliana Batista de Souza. Com a participação de bolsistas, estagiários e extensionistas da comunidade acadêmica, a ideia é levar para a comunidade todos os benefícios e vantagens do projeto, que pode ser adotado por todos que querem, gostam e sabem da importância do cuidar, não só da alimentação, mas do meio ambiente e da saúde.

Arquivo Pessoal
Projeto do Uni-BH é coordenado pela bióloga e professora Juliana Batista de Souza (foto: Arquivo Pessoal)
Juliana Batista de Souza conta que o projeto está instalado no Uni-BH do Estoril e, de lá, anda por toda a capital, já que a proposta é participar de vários eventos. “Produzimos as mudas e a levamos, já crescidas, para ofertar em oficinas de plantar. São hortaliças, plantas aromáticas e medicinais. Ensinamos o cultivo, o cuidado e o ganho voltado para a área ambiental e da saúde. A proposta é resgatar os pomares de antigament, que existiam nas cidades, destacar as vantagens, o valor do cultivo no chão para a infiltração da água da chuva, o aproveitamento do resíduo sólido como composto orgânico para adubar a horta e a reciclagem de garrafas PET, potes de iogurte e caixas de leite e suco, que se transformam em berçários das mudas para doação”.

Sem falar, frisa Juliana de Souza, do papel que a horta urbana tem na saúde, na prevenção de doenças, ao pensar em uma alimentação melhor, saudável e sem agrotóxicos. “Outro ganho para a saúde é que, ao plantar, estamos desenvolvendo uma atividade terapêutica.”

REDES SOCIAIS

Além do engajamento dos alunos nas oficinas, a bióloga enfatiza o desejo da comunidade em participar e ter acesso ao projeto. “Tanto que, ao fim das oficinas, sempre somos procurados para levar o projeto para um condomínio, bairro, igreja, escola ou centro de saúde.” Aliás, para fazer contato, basta encaminhar mensagens, via Facebook ou Instagram, procurando por “horta urbana Uni-BH”. Juliana de Souza conta que há intervenções o ano todo e ocorrem por agendamento, dentro de uma programação. “Na semana do meio ambiente, por exemplo, atuamos tanto na Santa Casa quanto em uma das unidades da Vale.”

Mas o sonho de Juliana de Souza é que o projeto faça parceria com o poder público. “Há um lote vago, aberto, seguro, da PBH, num centro de saúde perto da minha casa, que seria ideal para começarmos um projeto-piloto. Precisamos de incentivo, porque cultivar demanda mão de obra e custo. Não podemos caminhar sozinhos.” A professora lembra que o conceito de horta urbana nasce “de dentro das hortas domésticas e é preciso gostar, querer, entender a importância e os benefícios para que vire algo maior, que alcance a rua, o bairro e a comunidade como um todo. É superviável”, conclui.

Parceria do bem

Durante as comemorações da Semana Mundial do Meio Ambiente (ocorridas no dia 5), o setor de Gestão Ambiental do Grupo Santa Casa BH (GSCBH) lançou, em parceria com o Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), o projeto “Hortas urbanas”. Os idosos moradores do Instituto Geriátrico Afonso Pena, fundado em 1912, junto com os responsáveis pelo projeto, plantaram mudas de várias ervas, temperos e hortaliças. Além de contribuir com a alimentação dos moradores, os vegetais servirão como mais uma ferramenta terapêutica, já que os idosos serão responsáveis pela manutenção da horta. O instituto mantém seu caráter filantrópico ao oferecer moradia e assistência humanizada aos idosos. Atualmente, oferece moradia e assistência humanizada a mulheres e homens, que são atendidos por equipe multidisciplinar composta por geriatra, enfermeiro, assistente social, fisioterapeuta, nutricionista e técnicos em enfermagem.