Cuidadores de enfermos também precisam de suporte emocional

É fundamental que o profissional receba atenção especial, já que sofre desgastes, perde horas de sono e, muitas vezes, abandona o emprego para se dedicar ao ente adoentado

por Elian Guimarães 28/05/2018 07:00
Ramon Lisboa/EM/D.A Press
A pedagoga Maria Elizabeth Sodré dedicou todo o seu tempo à trajetória da enfermidade do pai e o apoio à própria mãe, que adoeceu depois (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

A surpresa da descoberta de uma doença que acomete um ente familiar é uma situação que pode desestruturar toda uma rotina e requer muita precaução diante do desgaste que atinge a todos os membros. Cada família tem uma caraterística de como lidar com a enfermidade e na procura dos devidos recursos que amenizem as consequências na adversidade. A recomendação do secretário-geral da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Daniel Knupp, é estar bem informado sobre o transcurso da patologia. “Outro passo é compartilhar com os demais membros, fora do núcleo familiar, procurando levantar como cada um pode ajudar em termos de doação financeira, de tempo e quais as atenções específicas, principalmente em estágios terminais.”

O ideal é que, diante da suspeita de uma doença grave, a conduta de um profissional de saúde seja a de compartilhar com o paciente quais os familiares ele gostaria que soubessem, a quem recorrer, mostrar quais especialistas poderão participar do tratamento, além de compreender os traços de personalidade, de sua faixa etária e as questões culturais de forma a contribuir com que ele possa conviver melhor com essa adversidade. Compreender os medos e temores na convivência com a enfermidade dá suporte às informações necessárias para romper preconceitos, de forma a não causar surpresas aos familiares.

O secretário-geral da SBMFC chama a atenção também para o trato com o cuidador do enfermo, que também precisa de suporte emocional. Trata-se de uma pessoa que praticamente abdica da vida social e familiar. É importante que as equipes profissionais mantenham o diálogo com quem cuida para que as coisas sejam mais fáceis em momentos delicados, no caso de um falecimento, por exemplo.

DEDICAÇÃO INTEGRAL

A pedagoga Maria Elizabeth Sodré cuidou dos pais até o falecimento. O pai adquiriu um câncer de pele. Ele escondeu da família até que em 2005 a filha recebeu um telefonema de um hospital solicitando alguém que o acompanhasse durante uma cirurgia para retirada de “uma mancha na pele”. Apesar do sucesso num primeiro momento, o problema retornou como melanoma, um tipo de câncer de pele mais grave, provocando metástase atacando o cérebro e os pulmões.

Foram dois anos de muito sofrimento para toda a família. Ele faleceu em 2007, depois de 20 dias de internação, aos 92 anos. Elizabeth dedicou todo o seu tempo à trajetória da enfermidade do pai e o apoio à própria mãe. “Ajudava a tomar banho, cortar a barba, alimentação, levava para exames e consultas médicas.” Todo o atendimento foi pelo Sistema Único de Saúde (SUS) já que o pai se recusava a ser atendido pelo plano de saúde pago pelo filho.

Passados dois anos, a mãe foi diagnosticada com Alzheimer e passou a morar na casa da pedagoga. “Coincidiu que estava aposentada e pude cuidar de ambos”, os três filhos de Elizabeth estavam na adolescência, fase que requer maior atenção, principalmente na socialização, quando recebiam diversos amigos. Aos poucos, a doença foi evoluindo e todo o ambiente da casa foi sendo adaptado às novas necessidades. “Eles se envolveram totalmente, compreenderam que não dava mais para fazer reuniões em casa e ajudaram em todas as frentes. Foram momentos difíceis, a casa ficava trancada, os portões sem as chaves, porque ela ameaçava sair.”

Praticamente sozinhos, os quatro vivenciaram todas as etapas de evolução da doença, até o estágio vegetativo. Elizabeth contou com a assistência domiciliar do plano de saúde, (dica dada por uma vizinha, que passara por situação semelhante) e recebia a visita de uma equipe, mensalmente, composta por médico, enfermeiro, fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudióloga e outros profissionais, dependendo da necessidade. Recebeu orientações sobre banhos, alimentação e aplicação de medicamentos.

CONVIVÊNCIA SOCIAL

Durante todo o processo, a pedagoga se afastou de toda a convivência social. “Só saía de casa em busca de medicamentos, e nessas horas pagava uma cuidadora para que ela não ficasse sozinha. Nos últimos dois anos ela ficou acamada. Senti-me muito sozinha e meu irmão ajudou na assistência jurídica e burocrática, a equipe médica sempre me confortava e meus filhos abriram mão de muitas coisas para ajudar.”

JMFORBESND/Pixabay/Divulgação
(foto: JMFORBESND/Pixabay/Divulgação )
Foi um período de muitos cuidados, houve quedas, desmaios, fraturas, cortes, e diversas internações. A família conversava muito sobre condutas para evitar o agravamento da situação. Após o falecimento da mãe, Elizabeth passou por checape no qual foi diagnosticada com necessidade de vitamina B12, arritmia cardíaca que, segundo o médico, era fruto de problemas emocionais. Foi orientada a levar uma vida mais tranquila, evitar transtornos e conflitos e voltar à socialização.

Ela passou a fazer atividades físicas, viajar, participar mais da vida com outros parentes fora do núcleo familiar e a ajudar as tias, irmãs de sua mãe, que sofrem do mal de Alzheimer, a quem vista periodicamente. E participa de encontros com os vizinhos. “Tenho a certeza da missão cumprida, mas seria muito difícil se estivesse sozinha. Não fiz nada sozinha, poderia ter tido mais relacionamentos, senti o afastamento de algumas pessoas que eram muito próximas”, recorda-se.