Na década de 1980, Mark Gastineau foi ídolo do futebol americano jogando como linebacker do NY Jets. No ano passado, aos 61 anos, ele voltou às páginas dos jornais. Não mais pelos feitos nos gramados, mas por afirmar que as pancadas na cabeça características desse esporte o deixaram com Alzheimer, demência e Parkinson. Gastineau, que também atuou no boxe, foi diagnosticado com as três condições e, depois de dizer que essas modalidades destruíram sua vida, começou uma campanha pedindo mais segurança para os atletas. Agora, um estudo com dados de 2,8 milhões de pessoas parece dar razão a ele. Na maior pesquisa já realizada a respeito, cientistas descobriram uma forte associação entre traumas na cabeça e risco aumentado de demência.
Publicada na revista Lancet, a pesquisa mostrou que pessoas com histórico de traumas na cabeça, mesmo moderados, correm, em geral, 24% mais risco de desenvolver algum tipo de demência, inclusive Alzheimer, ao longo da vida. Esse risco varia de acordo com a gravidade e o número de episódios sofridos. Uma única batida severa, como um traumatismo craniano, por exemplo, eleva a probabilidade de desenvolver o problema em 35%.
“O que nos surpreendeu foi que mesmo um único trauma moderado já foi associado a um risco significativamente maior de demência”, diz Jesse Fann, professor de psiquiatria e ciências do comportamento da Universidade de Washington, que liderou o estudo. “A relação entre o número de danos cerebrais traumáticos e a chance de demência foi muito clara. Da mesma forma, uma lesão mais grave aumenta em duas vezes o risco”, afirma.
Segundo Fann, pesquisas anteriores sugeriam uma associação entre lesões na cabeça e demência subsequente. “Se traumatismos entre veteranos de guerra e praticantes de esportes de contato como futebol americano e boxe aumentam esse risco, porém, é algo de extremo debate”, afirma. Estudos menores produziram resultados conflitantes, e a relação entre uma coisa e outra continua pouco entendida devido a limitações como amostras pequenas, pouco tempo de acompanhamento, informações restritas a respeito do número e da gravidade dos impactos e falta de comparação com o grupo de controle.
Amostra inédita
Agora, os pesquisadores norte-americanos e dinamarqueses utilizaram como base um banco de dados nacional da Dinamarca com informações de quase 2,8 milhões de adultos. Nesse universo, eles rastrearam todos os diagnósticos de lesão craniana entre 1977 e 2013 e fizeram um modelo que permitiu analisar a associação entre o tempo de ocorrência do trauma, a severidade do episódio, o número de vezes em que o indivíduo sofreu lesão, o sexo dos indivíduos e o risco de demência. Foram ajustados outros fatores que poderiam afetar esse risco, como diabetes, doença cardiovascular, depressão e abuso de substâncias químicas.
Ao longo de 36 anos, 132.093 pessoas (4,7% da amostra) tiveram ao menos um diagnóstico de trauma, sendo que a maioria (85%) era de gravidade média.
O geriatra Otávio Castello, diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer, regional DF (Abraz-DF), lembra que esse é um estudo observacional, ou seja, busca uma relação entre dois fatores, mas sem estabelecer causa e efeito. Porém, principalmente devido à robustez dos dados, ele destaca a importância da pesquisa e das medidas de prevenção de traumas. “Embora seja algo polêmico, os esportes de contato com pancadas na cabeça, como lutas, oferecem risco de demência. As pessoas não gostam de ouvir, mas isso é verdade. Por isso, é importante sempre usar capacete”, diz..