Implante composto por células-tronco protege a retina e recupera a visão

Dispositivo criado por cientistas americanos evita o avanço da degeneração macular relacionada à idade, doença que pode levar à cegueira. A abordagem poderá ser usada para tratar outras complicações oftalmológicas

por Vilhena Soares 07/04/2018 09:01
Karen Bleier/Files/AFP
Apenas recentemente foi possível criar essas estruturas com células-tronco para substituir as células danificadas pela degeneração macular (foto: Karen Bleier/Files/AFP)

A degeneração macular é uma enfermidade ocular progressiva. Ao ser detectada cedo, pode ser tratada. Mas quando chega ao nível mais grave, a perda da visão provocada por ela é irreversível. Para evitar esse tipo de cegueira, cientistas dos Estados Unidos trabalham na criação de um implante composto por células-tronco. A abordagem mostrou-se eficaz em testes com humanos: além de evitar os danos da doença na retina dos voluntários, recuperou parte da visão de alguns deles. Os resultados foram publicados na última edição da revista Science Translational Medicine e podem abrir as portas para o desenvolvimento de novos tratamentos oftalmológicos.

Segundo a equipe, a ideia de usar células-tronco para substituir o tecido ocular danificado não é nova, mas apenas recentemente foi possível criar essas estruturas para substituir as células danificadas pela degeneração macular relacionada à idade (NNAMD, na sigla em inglês), também conhecida como AMD Seca. “O implante experimental que testamos consiste em uma única camada de células do epitélio pigmentar da retina (EPR) derivado de células-tronco”, resume Amir H. Kashani, professor-assistente de oftalmologia clínica na Escola de Medicina Keck, da Universidade do Sul da Califórnia, e principal autor do estudo.

O cientista explica que as EPR são fundamentais à visão, pois funcionam como células fotorreceptoras, que detectam a luz no olho. A AMD seca danifica justamente essas estruturas. “Pensamos que substituir cirurgicamente a área de dano do EPR com as novas células do implante poderia prevenir a perda de visão ou mesmo restaurar parte da visão perdida”, complementa Kashani. O implante é composto por células-tronco embrionárias humanas, que ficam sobre um material não agressivo ao olho, formando uma membrana. O conjunto imita as EPR.

Após testes bem-sucedidos com ratos, os pesquisadores partiram para análises em um grupo pequeno de humanos. O implante foi inserido nos olhos de quatro homens com degeneração macular avançada, que tiveram a visão monitorada durante quatro meses a um ano. O implante foi bem tolerado por todos os participantes e nenhum deles perdeu a visão ao longo do experimento. Um apresentou melhora na acuidade visual - capacidade do olho de distinguir detalhes espaciais, ou seja, identificar o contorno e a forma dos objetos. Imagens pós-operatórias revelaram sucesso na integração das células-tronco dos implantes integrados ao tecido retiniano dos participantes e que as retinas exibiram mudanças anatômicas consistentes com o reaparecimento do EPR.

Terapias restritas

Rafael Yamamoto, oftalmologista chefe do Departamento de Retina do Visão Institutos Oftalmológicos, em Brasília, destaca que a possibilidade de surgimento de um novo tratamento para a degeneração macular é uma ótima notícia para a área médica. “Temos duas formas de degeneração, a seca e a úmida. Para a segunda, tem tratamento com injeções dentro do olho. Já a seca, quando avançada, não se reverte. A única alternativa que temos é o uso de antioxidantes orais, que evitam a perda e a progressão para as áreas mais graves, mas que só é eficaz antes de a doença chegar a estados avançados”, detalha.

Yamamoto destaca que a terapia gênica é uma tema que tem sido bastante explorado na área oftalmológica e rendido resultados promissores. “Em janeiro, por exemplo, foi aprovada nos Estados Unidos a aplicação de um gene dentro do olho que pode evitar que crianças com doenças congênitas fiquem totalmente cegas”, ilustra.

Após o sucesso nos primeiros experimentos, os cientistas planejam testes com um grupo maior de voluntários e voltados para outros tipos de complicações oftalmológicas. “Nossa pesquisa atual foi um estudo de segurança para demonstrar que o implante e a cirurgia são seguros. Eles foram realizados em indivíduos que tinham muito pouco potencial de melhorar ou recuperar a visão. Nosso próximo passo é realizar estudos em indivíduos com potencial visual maior, com uma doença menos severa. Nesses casos, teremos uma ideia melhor de quão bem o implante pode trabalhar para prevenir a perda de visão ou restaurá-la”, adianta Kashani.

Yamamoto também ressalta que os novos testes poderão trazer informações importantes sobre a eficácia do implante. “É interessante testar em um número maior de pessoas. Também vale ressaltar que esse teste foi feito apenas para checar a segurança da abordagem e, ainda assim, constatou melhora visual nos pacientes, o que é um ponto bastante positivo”, detalha o oftalmologista.