Aliado da medicina com várias aplicações, celular também pode aprimorar cirurgia no cérebro

Smartphone é acoplado a endoscópio e, pelas imagens captadas, ajuda neurocirurgião a tratar aneurismas e tumores. Testada em mais de 100 pessoas, a solução criada por cientistas brasileiros também é mais barata que o procedimento convencional

por Victor Correia* 20/03/2018 12:00

Ilustração/Valdo Virgo/CB/D.A Press
(foto: Ilustração/Valdo Virgo/CB/D.A Press)

Os celulares têm sido grandes aliados da medicina. Aplicativos ajudam pacientes a lembrar de tomar os remédios. Aparelhos de medição, conectados a smartphones, fazem exames de rotina e também permitem a identificação de células cancerígenas em pacientes que vivem em locais remotos. Com os avanços tecnológicos, a expectativa é de que as aplicações se tornem ainda mais complexas.

Uma equipe brasileira, por exemplo, trabalha para que o dispositivo que está no seu bolso possa ajudar neurocirurgiões a realizar procedimentos de forma mais segura e barata. Pesquisadores do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e do Hospital Israelita Albert Einstein acoplaram um smartphone a um endoscópio para realizar cirurgias pouco invasivas no cérebro, indicadas para tratar complicações como aneurismas e tumores.

A proposta é que a câmera do celular seja usada para registrar as imagens do endoscópio captadas dentro do cérebro. O aparelho funciona também como tela, para que, ao longo do procedimento, o cirurgião acompanhe os movimentos que faz sem ter que desviar o olhar para um monitor maior. O celular pode, ainda, gravar e transmitir, em tempo real, o vídeo da cirurgia, abrindo a possibilidade de o conteúdo ser enviado para qualquer lugar do mundo (veja infografia).

O método mostrou-se eficaz durante experimentos com 42 pacientes, incluindo cirurgias de emergência. O dispositivo funcionou bem em todos os casos, e não houve complicações relacionadas ao uso do celular. “O estudo mostra o uso do procedimento em 42 pacientes, mas ele já foi usado em mais de 100 com sucesso”, afirma Maurício Mandel, principal autor do estudo e neurocirurgião do Hospital das Clínicas da USP e do Hospital Israelita Albert Einstein. “O celular funciona como uma tela, mas também pode transmitir a cirurgia ao vivo para qualquer lugar do mundo. Dessa forma, você pode ter uma segunda opinião, ele quebra essa barreira”, complementa.

Segundo os criadores, a solução torna mais fácil e segura a neuroendoscopia, permitindo ainda que médicos residentes aprendam o procedimento de forma mais rápida. Além disso, o celular é mais barato do que aparelhos de vídeo usados tradicionalmente para captar as imagens dentro de um centro cirúrgico.

Apesar dos resultados preliminares, a equipe de cientistas acredita que a técnica é viável e promissora. “É uma adaptação de um aparelho para operar aneurismas cerebrais, pacientes com tumores ou hidrocefalia, com uma técnica menos invasiva. Colocamos um adaptador que conecta o aparelho direto em um celular. Isso barateia absurdamente o custo”, destaca Maurício Mandel.

Segurança

A neuroendoscopia consiste na inserção de um tubo - o endoscópio - em uma pequena incisão feita na cabeça do paciente até um ponto escolhido do cérebro. O tubo contém uma fonte de luz, lentes e espaço para a inclusão de instrumentos necessários à cirurgia. Geralmente, usa-se um aparelho específico para a captação do vídeo, que é transmitido a um monitor. O dispositivo, porém, é caro e pouco portátil, além de depender de uma fonte externa de energia, o que pode restringir o movimento dos médicos. “A gente, inicialmente, pensou em utilizar o celular para reduzir o custo, porque o aparelho para a endoscopia é muito caro, principalmente para o SUS (Sistema Único de Saúde). Mas ele não só saiu mais barato como também melhor, tornando o procedimento mais seguro, inclusive”, diz Maurício Mandel.

O adaptador utilizado conecta o endoscópio firmemente à câmera do celular. Nos experimentos, o cirurgião principal manuseou o endoscópio olhando diretamente para a tela do celular, e a imagem foi transmitida, sem fio, para um monitor convencional. Dessa forma, a equipe médica pôde acompanhar o procedimento e, caso preferisse ou precisasse, o médico poderia mudar o foco para o método convencional - o que não aconteceu.

Essa vantagem é justamente o que chama a atenção de Ivan Coelho Ferreira, neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia e membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Segundo ele, o uso do celular para manusear um endoscópio permite que o movimento do cirurgião seja feito imediatamente, sem a necessidade de olhar para uma tela em cima ou ao lado. “Fazer cirurgia é como andar de bicicleta, você treina seu cérebro para isso, faz 200, 300 cirurgias até ficar bom. Se você a torna mais fácil, a curva de aprendizado fica menor”, ressalta.

Segundo Ivan Ferreira, a neuroendoscopia disponível é complexa e pouco acessível. “O grande custo atualmente desse tipo de procedimento é a fonte de luz e o próprio endoscópio. É um tubo de 2,7 milímetros, a ótica é muito cara. Se eles conseguirem em um próximo estudo usar o flash do celular como fonte de luz, seria fantástico”, sugere. Para o neurocirurgião, os resultados iniciais, porém, já são muito bem-vindos. “É um trabalho bem bacana, feito por um pessoal muito bom, muito experiente”, avalia.

O estudo ainda é preliminar, ressalta Maurício Mandel, que acredita que, com a divulgação dos resultados, o trabalhe ganhe novas formas. “Publicar em uma revista de alto prezo é o primeiro passo, que demos agora. Como é uma técnica que já existe, a partir daí ela vai acabar sendo divulgada para outros médicos”, aposta. Ivan Ferreira também acredita na possibilidade de novos avanços. “Se eles mostrarem superioridade ao método tradicional em um próximo estudo, será muito bacana”, pontua.

Limitações

As cirurgias convencionais utilizam grandes incisões no crânio para acessar a região necessária. A neuroendoscopia, por sua vez, usa apenas um pequeno furo para passar o aparelho. Porém, ela só pode ser realizada em algumas câmaras naturais do cérebro, pois não é possível usar ar para inflar o local, como é feito no abdômen, por exemplo.

 

*Estagiário sob supervisão da subeditora Carmen Souza