Presença de proteínas defeituosas no sangue e na urina pode indicar autismo

Descoberta britânica foi recebida com ceticismo por cientistas

por Estado de Minas 21/02/2018 13:57
Vincent Du/Reuters - 31/3/10
(foto: Vincent Du/Reuters - 31/3/10)

Com uma técnica de inteligência artificial, pesquisadores da Universidade de Warwick, no Reino Unido, sugeriram ter encontrado uma associação entre o transtorno do espectro autista (TEA) e proteínas defeituosas detectadas no plasma. A descoberta, de acordo com eles, pode levar ao desenvolvimento de testes de urina e sangue para diagnosticar esse conjunto de distúrbios do desenvolvimento que, atualmente, só é identificado com avaliação clínica. O trabalho, publicado na revista Molecular Autism, porém, levantou críticas e ceticismo no meio científico.

“Não sabemos se essa técnica pode diferenciar autismo, transtorno do deficit de atenção, ansiedade e outras condições semelhantes. O estudo também só investigou um pequeno número de pessoas”, avaliou James Cusack, diretor científico da Autistica, instituição de pesquisa independente da Inglaterra, em entrevista ao site Inews. A equipe de Warwick trabalhou em conjunto com colaboradores da Universidade de Bolonha, na Itália, que recrutou 38 crianças com transtorno do espectro autista (29 meninos e nove meninas) e 31 crianças saudáveis, para o grupo de controle. Todas tinham de 5 a 12 anos. Foram coletadas amostras de sangue e urina para análise.

Embora reconheça o estágio embrionário do estudo, a bióloga Naila Rabbani, que lidera a pesquisa, afirma: “Nossa descoberta pode levar ao diagnóstico e à intervenção precoce”. O TEA é definido como distúrbios do desenvolvimento que afetam principalmente a interação social, podendo incluir uma variedade de problemas comportamentais. Eles incluem transtornos no discurso, comportamento repetitivo/compulsivo, hiperatividade, ansiedade e dificuldade para se adaptar a novos ambientes, podendo ou não haver impactos cognitivos. Como os sintomas são muitos e variam individualmente, o diagnóstico do TEA é complexo, particularmente nos primeiros estágios do desenvolvimento. Em média, o problema é identificado por volta dos 4 anos.

Segundo Rabbani, essa dificuldade de identificação pode ser contornada com um teste que encontre evidências físicas do transtorno, cujas causas não são totalmente conhecidas, embora a genética tenha um peso. “Esperamos que nossa pesquisa revele novos fatores causadores do TEA. Com mais estudos, podemos revelar perfis ou ‘digitais’ de compostos específicos no plasma e na urina com modificações. Isso pode nos ajudar a melhorar o diagnóstico do TEA e apontar para novas causas”, afirma. Estima-se que a genética esteja por trás de 30% a 35% dos casos, e, no restantes, seja uma combinação de fatores ambientais, como exposição materna a poluentes a agrotóxicos, múltiplas mutações e raras variantes.

Algoritmos

No estágio inicial da pesquisa, os cientistas britânicos e italianos descobriram danos em proteínas causados pelos processos de oxidação e glicação, que provocam mutações espontâneas nos genes. O teste desenvolvido por eles mostrou que, nas crianças com autismo, havia níveis elevados de subprodutos da oxidação e da glicação, chamados, respectivamente, de Dts e AGEs. As substâncias estavam presentes tanto no plasma quanto na urina, sugerindo que o exame desses materiais pode fornecer o diagnóstico do TEA.

De acordo com Naila Rabbani, a diferenciação nos compostos químicos verificada entre crianças com o transtorno e o grupo de controle foi feita por um conjunto de técnicas de algoritmos (“receitas” usadas pelo computador para solucionar um problema), capazes de diferenciar as amostras das pessoas com TEA daquelas colhidas dos participantes saudáveis. A bióloga diz, porém, que, antes de pensar em um exame para detecção do autismo, é preciso validar a descoberta em grupos maiores e também testar se o método é capaz de diagnosticar as alterações em estágios precoces.

Estudos anteriores

Esta não é a primeira vez que pesquisadores procuram identificar o transtorno do espectro autista com um exame de fluidos corporais. Há oito anos, um estudo do Imperial College de Londres e da Universidade do Sul da Austrália sugeriu que era possível diagnosticar o TEA pela urina. O trabalho, publicado na revista Journal of Proteome Research, identificou níveis mais elevados de duas substâncias químicas derivadas da vitamina D3 na urina de crianças com autismo. Também já houve tentativas de identificar o transtorno em biomarcadores presentes na saliva e no sangue.

Em nota, Max Davie, do Programa de Promoção à Saúde do Colégio Real de Pediatria da Inglaterra, ressaltou que é preciso ter cautela com esse tipo de abordagem. “É uma área promissora, mas há um longo caminho antes de falar em ‘teste para autismo’. Para adicionar algo à prática diagnóstica existente, um teste tem de predizer o TEA em idades precoces ou ajudar a melhorar as avaliações clínicas. Embora aplauda a chegada dessa nova e interessante área de pesquisa, é importante não ter tanto entusiasmo. Se aplicado a populações maiores, o teste vai produzir um grande número de falsos positivos, causando preocupação e danos a crianças e suas famílias”, acredita.