Vacina contra câncer desenvolvida a partir de células-tronco tem eficácia de 70%

Testada em ratos, fórmula evita tumores de mama, pulmão e pele, segundo pesquisadores americanos

por Vilhena Soares 18/02/2018 09:38
Reprodução/Internet/Pixabay
(foto: Reprodução/Internet/Pixabay)

Em busca de formas de evitar o câncer, pesquisadores exploram alternativas imunoterápicas, como a aplicação de medicamentos antitumorais por vacina. Um grupo da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, conseguiu resultados positivos utilizando essa estratégia em ratos. A fórmula protetiva desenvolvida por eles tem como base células-tronco pluripotentes induzidas, que foram criadas a partir do organismo das próprias cobaias. Ao ser exposta a três tipos comuns de cancro - de mama, pulmão e pele -, grande parte dos animais imunizados se manteve livre da doença. “O que mais nos surpreendeu foi a eficácia da vacina na reativação do sistema imunológico para atingir o câncer”, conta ao Estado de Minas Joseph C. Wu, principal autor do estudo, divulgado na última edição da revista especializada Cell Stem Cell.

A equipe trabalha há sete anos nessa pesquisa. Em seu penúltimo estudo, publicado em 2014, na revista Nature Communications, o grupo mostrou propriedades imunogênicas (indução de uma resposta imunológica) nas células reprogramadas. “Devido à nossa extensa experiência com essas células estaminais pluripotentes e com base em nossas pesquisas anteriores, imaginamos que poderíamos usá-las para aumentar o sistema imunológico em relação ao câncer”, conta Wu.

Na pesquisa atual, 75 ratos receberam versões da vacina e, quatro semanas depois, foram expostos a células cancerígenas da mama. Os cientistas constataram que 70% das cobaias imunizadas rejeitaram completamente as células doentes, enquanto as 30% restantes apresentaram tumores significativamente menores. A eficácia da vacina foi a mesma quando os cientistas repetiram o procedimento utilizando células de câncer de pulmão e de pele. “As primeiras rodadas de vacinas foram as mais emocionantes. Ver os tumores regredindo ou sendo totalmente rejeitados nos deixou muito entusiasmados com o potencial dessa vacina para o câncer”, diz Wu.

Segundo o cientista, um dos maiores desafios das estratégias imunoterápicas do câncer é o número limitado de antígenos - substâncias que, ao ser introduzidas no organismo, provocam a formação de anticorpos. Ao usar células modificadas por inteiro, eles conseguiram eliminar a necessidade de identificar apenas um antígeno ideal para atingir determinado tipo de câncer. “Criamos um sistema imunológico com maior número de antígenos tumorais encontrados nessas células reprogramadas, o que torna nossa abordagem menos suscetível à evasão imunológica. Na verdade, as células pluripotentes parecem estimular o sistema de defesa a erradicar células tumorais. Isso permite que a vacina seja efetiva para diferentes tipos de câncer”, detalha Wu.

Fernando Sabino, oncologista clínico do Centro de Oncologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia (SBO), considera a estratégia promissora. “É um estudo ainda embrionário, e essas pesquisas demoram um pouco para se tornar algo real, mas a estratégia de usar vários antígenos é algo que se mostra promissor, pois faz com que o sistema imunológico reconheça vários tipos de células. Dessa forma, ela se mostra eficaz para cânceres distintos”, explica.

O especialista destaca também que a pesquisa americana busca superar limitações das abordagens atuais. “Temos usado estratégias de combate ao câncer por meio da estimulação do sistema imunológico porque sabemos que os tratamentos usados atualmente, como a radioterapia e a quimioterapia, agem nos tumores, mas deixam o sistema imune inativo. Sabemos também que a célula cancerígena engana o sistema imune, que não a reconhece e, dessa forma, impede sua eliminação”, justifica.

Reforço

Outra estratégia utilizada pela equipe de Wu foi combinar as células-tronco pluripotentes induzidas com um “reforço” de imunidade: um trecho de DNA bacteriano chamado CpG, que, em trabalhos anteriores, se mostrou um agente em potencial para o combate de tumores e foi considerado seguro para uso em humanos. Os resultados da técnica também empolgaram os pesquisadores, que pretendem explorar mais a tecnologia. “Mostramos eficácia e segurança de nossa vacina em modelos de ratos, mas o próximo passo será mostrar o mesmo para amostras humanas, em laboratório, antes de pensar em evoluir para ensaios clínicos”, adianta o autor.

A equipe acredita que as células-tronco pluripotentes induzidas poderão ser criadas a partir de células da pele ou do sangue de um paciente e serem administradas como uma vacina preventiva ou como um agente impulsionador após uma cirurgia de retirada de tumor, uma sessão de quimioterapia ou de terapia de radiação. “Essa abordagem pode ter potencial clínico para prevenir a recorrência do tumor ou atingir metástases a distância”, complementa Wu.

Segundo Sabino, as imunoterapias disponíveis que são combinadas com a quimioterapia tiram “a camuflagem” do tumor, permitindo que ele seja reconhecido. No caso da vacina americana, ainda é cedo para saber se essa estratégia surtirá efeito. “Essa pesquisa é muito inicial, mas temos o caso de um medicamento imunoterápico para uso em tratamentos de quimioterapia em tumores de pulmão que foi lançado recentemente e obteve autorização para uso clínico nos Estados Unidos”, conta.

Ultraprocessados podem aumentar risco de cancro

Alimentos ultraprocessados, como refrigerantes e nuggets, podem aumentar o risco de surgimento de cânceres, segundo estudo divulgado na revista médica British Medical Journal (BMJ). A pesquisa, batizada de NutriNet-Santé, contou com a participação de 104.980 franceses, que responderam a questionários on-line sobre hábitos alimentares e condições de saúde entre 2009 e 2017. Entre as constatações a que os investigadores chegaram está a de que uma dieta rica nesse tipo de alimento eleva em 6% a 18% o risco de desenvolvimento de tumores em geral.

Jason Lee/Reuters - 29/1/08
Sopas instantâneas estão entre os produtos estudados: ricos em lipídios, sal e açúcar (foto: Jason Lee/Reuters - 29/1/08)

A equipe, composta por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Epidemiologia e Estatística de Sorbonne e do Instituto Nacional de Saúde e de Pesquisa Médica da França, define alimentos ultraprocessados como aqueles que contêm “quantidades mais elevadas de lipídios, lipídios saturados, açúcares e sais adicionados, assim como densidade menor em fibras e vitaminas”. Fazem parte do grupo pães, doces, sobremesas, bebidas e cereais açucarados, carnes transformadas (almôndegas, por exemplo), massas, sopas instantâneas, pratos congelados etc.

Os participantes - 22% homens e 78% mulheres - eram saudáveis, tinham em média 43 anos e responderam a pelo menos dois questionários com o intuito de medir a ingestão usual de 3.300 itens. Os alimentos foram agrupados de acordo com o grau de processamento, e os casos de câncer identificados a partir das declarações dos voluntários, que foram validadas por registros médicos e bases de dados nacionais. No período, os cientistas constataram 2.228 casos de tumor, incluindo 108 fatais.

Fatores de risco relacionados à ocorrência de cancros, como idade, histórico familiar, tabagismo e níveis de atividade física, foram levados em consideração na análise. Os resultados mostram que o aumento de 10% na proporção de alimentos ultraprocessados na dieta é associado à elevação de 12% no risco de câncer global e de 11% no risco de câncer de mama. Não foi encontrada associação significativa para câncer de próstata e colorretal.

Mais investigação

Para os investigadores, por se tratar de um estudo observacional, nenhuma conclusão mais firme pode ser retirada dos resultados, mas eles ressaltam que a amostra analisada foi grande e que uma série de fatores potencialmente influentes conseguiu ser ajustada, o que reforça a importância dos achados. “Em nosso conhecimento, esse estudo é o primeiro a investigar e destacar o aumento do risco global, e especificamente do câncer de mama, associado à ingestão de alimentos ultraprocessados”, escreveram no artigo divulgado.

Em editorial, o BMJ destaca que o estudo propõe apenas uma primeira observação, que “merece uma exploração atenta e mais profunda”. Os cientistas também destacaram que mais trabalhos são necessários para entender melhor os efeitos de alimentos processados no organismo e a relação deles com tumores, mas sugerem que as políticas que visem à reformulação desses produtos, à tributação e às restrições de comercialização deles e a promoção de comida fresca ou minimamente processada possam contribuir para a prevenção primária do câncer.