Dinheiro é assunto de criança: acesso à educação financeira é cada vez mais comum entre os pequenos

Ensinar os filhos desde cedo a lidar com as finanças e com conceitos como sustentabilidade e poupança tem se revelado estratégia de ouro para que eles não tenham dificuldades no futuro

por Laura Valente 12/02/2018 17:00

Beto Novaes/EM/D.A Press
Júlia Paes, de 7 anos, está economizando, no momento, para ajudar os pais na produção de sua festa de aniversário (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )

Aos 7 anos, Pedro de Oliveira Lopes já sabe o destino das moedinhas e outros dinheiros que ganha de familiares: o cofre do time do coração. Da mesma idade, Julia Paes economiza a fim de ajudar os pais na produção da festa de aniversário. Um pouco mais velhos, com 8, 10 e 12 anos, os irmãos Humberto, Bianca e Eduardo Pidher se esforçam no desempenho escolar, pois cada total em provas vale recompensa em cash, valor que engorda a mesada, também usada de forma inteligente para a compra de extras como brinquedos e eletrônicos.

Ao contrário do que ocorria em um passado recente, quando “dinheiro não era assunto de criança”, o acesso à educação financeira, seja em casa ou na escola, tem feito parte da rotina das novas gerações. “O dinheiro é uma ferramenta que existe em nossa vida e temos que saber lidar com ele. Não cravo uma idade específica, mas penso que o assunto deve ser introduzido a partir do momento em que a criança entenda exemplos de comparação ou quando os pais percebem a necessidade de explicar que não podem sair de determinado orçamento para satisfazer um desejo dos filhos. Também sou pai e, por experiência própria, acredito que quanto mais cedo o aprendizado financeiro, melhor”, atesta o consultor financeiro Erasmo Vieira.

SEMANADA

Além da comparação (levando o filho a entender que valor de determinado bem supérfluo equivale ao de outro bem ou bens necessários), o especialista indica a introdução de temas como trabalho remunerado e orçamento, além de sugerir que a vida financeira da criança se inicie com a administração de uma semanada no lugar de uma mesada – lembrando que tais atitudes devem estar inseridas na realidade financeira da família. “A criança pode ganhar o mesmo valor da idade em dinheiro, por exemplo, porque é importante começar a administrar as finanças a partir de uma referência. Em sequência, sugiro que os pais ensinem que poupar é importante para conquistar um bem mais caro.”

O valor do dinheiro
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Laura Valente e Amanda Ferreira*

*Especial para o EM

Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press
Larissa e Letícia são recompensadas pelas tarefas realizadas: valorização do esforço e do dinheiro (foto: Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)
Início de ano. Com ele, novos objetivos, sonhos e promessas. Entre as metas que quase sempre estão lá, gastar menos e aprender a poupar. Hoje, ela aparece não só nas agendas dos adultos, mas ganha personalidade com lápis coloridos e cadernos enfeitados no mundo das crianças.

Pesquisa realizada pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com o Instituto Axxus e a Associação Brasileira dos Educadores Financeiros (Abefin), no ano passado, revelou que entre os 750 pais ou responsáveis entrevistados, 93% deles nunca aprenderam, em casa ou na escola, a administrar o próprio dinheiro. Foram apresentados, já adultos, à educação financeira pelos filhos, que, em contato com o tema na escola, abordam o assunto em casa.

Para Reinaldo Domingos, doutor e mestre em educação financeira, presidente da Abefin e da DSOP Educação Financeira, é importante que os pais estejam capacitados para dar o exemplo, principal caminho do aprendizado. “É preciso aceitar que crescemos entendendo pouco ou quase nada sobre a administração do nosso dinheiro. É flagrante o tamanho do conhecimento que os pais adquirem quando a criança aprende algo do tipo na escola.”

Para ele, a educação financeira é uma realidade que precisa ser abraçada tanto pelas instituições de educação quanto pelos pais, aliando a metodologia ao processo lúdico. “O movimento de mudança e de planejamento ajuda na construção da percepção do valor do dinheiro, tão importante para o lar”, pondera.

Falar sobre educação financeira parece algo comum para quem, logo nos primeiros anos de vida da filha, a presenteou com um cofrinho. Na casa da bancária Júlia Botelho, de 38 anos, quando o assunto é dinheiro, Larissa, de 9, e Letícia, de 6, seguem um sistema de recompensa: para cada coisa feita, um pontinho ganho.

Na sexta-feira, toda a família avalia o valor que as pequenas ganharão pelos afazeres cumpridos. Para cada atividade, as meninas ganham, no máximo, um real - é a famosa tabelinha, que, ali, funciona melhor que qualquer tipo de mesada ou combinado.

NECESSIDADES

O método começou quando Larissa tinha apenas 4 anos. Ela realizava tarefas simples, como guardar os brinquedos. Com o tempo e a chegada de Letícia, a listinha deixou menos espaços em branco no papel, com combinados mais elaborados, como arrumar a cama. “Acreditamos que a tabela seja um ótimo incentivo tanto para que elas façam as tarefas, como para que tenham o próprio dinheiro e saibam administrá-lo”, afirma a mãe.

Ela garante que a família está sempre negociando e questionando se as meninas realmente precisam dos bens que tanto pedem. Ao fim do dia, as meninas se reúnem em frente ao papel colado na parede para anotar quanto de dinheiro cada uma tem. “Quando elas não fazem, não perdem nada. É apenas uma forma de recompensa, pois estamos sempre nos ajustando e pensando em coisas novas juntos.”

Júlia conta que as meninas guardam todo o dinheiro em seus cofrinhos e o separam para algo que querem muito - as duas já compraram bonecas, mochilas, livros e estojos. No ano passado, depois de vários meses economizando, as duas adquiriram um tablet para cada uma.

A escola também é uma parceira nesse processo. Logo na alfabetização, as duas tiveram contato com o assunto nas aulas de matemática. O conteúdo, levado para casa, é um reforço de tudo o que é aprendido e conversado em família. “Contribui muito em casa, porque elas associam o que aprendem para a vida.”

Escola tem papel importante

“O dinheiro existe para comprar coisas de que você precisa, se alimentar, se vestir. Guardo para ajudar a minha família, para o material escolar e para os brinquedos da minha festa de aniversário”, diz a pequena Júlia Paes, de 7 anos, aluna do colégio Nossa Senhora das Dores, numa declaração que combina com o ensinado pelos pais, Elizária Maria Paes, analista de logística, e Warlen de Souza, gerente de TI, e pelo projeto de educação financeira da escola, em que os alunos poupam e, no fim do ano, decidem por votação o destino do dinheiro. Em 2017, fizeram um grande piquenique. “Sempre tive o costume de poupar, aprendido com meu pai, um homem que se preocupou em manter um porto seguro para lidar com imprevistos. Então, entre os 3 e 4 anos da Júlia, a presenteei com um porquinho e comecei a ensiná-la sobre o que é o dinheiro e como poupar. Inclusive, nestes últimos meses, em que não estou trabalhando, foi mais fácil explicar para ela que não podemos gastar com supérfluos, pois a renda da família ficou um pouco menor”, descreve a mãe.

Leandro Couri/EM/D.A Press
Pedro de Oliveira Lopes, de 7 anos, guarda no cofrinho tudo o que ganha para comprar livros e brinquedos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Em casa, a menina também tem aprendido a realizar tarefas extras que são remuneradas, como colocar o lixo para fora e, quando vai ao supermercado ou na hora de comprar material escolar, está acostumada a não fazer exigências. “A compra do caderno-padrão foi tranquila. Também não trocamos a mochila todos os anos e, ao desejar algum produto, ela pergunta se podemos comprá-lo”, reforça Elizária. Atenta aos novos tempos e consciente das dificuldades inerentes ao mercado de trabalho atual, a mãe não doura a pílula diante a filha. “Hoje, percebemos que muitas crianças acham que os pais podem fazer tudo, sem a noção de como é difícil ganhar o dinheiro. Então, desde cedo, procuramos promover a educação financeira da Júlia nos padrões da realidade.”

Estratégias realistas como a proposta pelos pais da menina são apoiadas pelo consultor financeiro Erasmo Vieira. “Ações como levar a criança ao supermercado com a oferta de um valor para que compre produtos de uma lista a fará entender que existe limite para o dinheiro, que terá que abir mão de um produto para levar outro, por exemplo. Indico, inclusive, que os pais mostrem a elas uma fatura de cartão de crédito para que entendam que o gasto com o dinheiro de plástico também precisa ser quitado”, sugere.

PLANEJAMENTO

“Para mim, o dinheiro é uma forma de comprar as coisas. Guardo os trocados que acho em casa e o que ganho para um dia usar para comprar livros, doces e brinquedos”, explica Pedro de Oliveira Lopes, também de 7, e aluno do Nossa Senhoras das Dores. “Para tudo o que exige um investimento maior fora de datas comemorativas, como aniversário ou Natal, fazemos um cofrinho, um planejamento. Também usamos o que foi poupado no cotidiano em passeios e pequenas viagens”, detalha a mãe, Heloísa Rocha de Oliveira Lopes, professora. “No dia a dia, o Pedro aprende a poupar para realizar.”

Ela conta, ainda, que o filho a acompanha ao supermercado e que aceita com tranquilidade quando não é possível comprar alguma coisa. “Penso que a facilidade com que apreende a educação financeira vem da personalidade dele e dos hábitos e rotina familiares: sempre fazemos um planejamento antes de executar qualquer atividade. Tanto que ele entende o que é orçamento, o que é trabalho e vem aprendendo o valor das coisas, pois tratamos os objetos pela necessidade e sempre priorizamos a qualidade a um artigo de tal marca e procuramos mostrar que, muitas vezes, um mesmo produto ou serviço pode ser mais barato que outro badalado ou que está na moda.” Heloísa elogia ainda o projeto pedagógico da escola, que, por meio de uma poupança coletiva, ensina ao aluno conceitos como poupar, gastar, bem necessário e bem supérfluo. “É um momento também lúdico, em que avaliam o quanto conseguiram arrecadar, ao mesmo tempo em que conhecem a função social do dinheiro: estou ajuntando pra quê? Como vou fazer uso?. Assim, eles começam a atribuir valores reais ao dinheiro e ao benefício que virá da poupança.”

Brincadeira que ensina
A educação financeira passou a fazer parte da realidade das crianças. Pesquisa aponta que 100% dos pequenos que têm contato com o assunto aceitam o "não" na hora das compras

Laura Valente e Amanda Ferreira*
*Especial para o EM

 Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Pedro Henrique pediu de presente de Natal uma caixa registradora: aprendendo noção de dinheiro (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
A 1ª Pesquisa de Educação Financeira nas Escolas concluiu que os alunos apresentaram mudanças comportamentais sobre o uso do dinheiro. Quanto ao “não” na hora das compras, por exemplo, 57% das crianças que nunca tiveram contato com educação financeira até reagiram bem, mas 100% dos pequenos que já estudaram o assunto não demonstram nenhum tipo de reação negativa.

A pesquisa foi realizada em escolas de cinco capitais brasileiras com pais de crianças de 4 a 12 anos, em escolas adotantes ou não de programas de educação financeira. “Os programas não envolvem contas e cálculos, mas, sim, atitudes e sonhos a curto e longo prazos”, explica Reinaldo Domingos, doutor e mestre em educação financeira, presidente da Abefin e da DSOP Educação Financeira.

Livros, alguns produtos de brinquedo separados, notinhas divididas e máquina registradora ligada - é hora da brincadeira! Assim como todas as crianças, Pedro Henrique, de 5 anos, acha inúmeras formas de se divertir. Para ele, um momento de lazer e, para a mãe, a oportunidade de ensinar, na prática e de forma lúdica, a lidar com o dinheiro.

Segundo os pais, a educação financeira sempre foi algo presente - e bastante natural - na criação do pequeno. “Acho importante passarmos para ele a nossa realidade. Desde cedo, queríamos que ele entendesse que não se pode ter tudo o que se quer. Acho que temos feito um bom trabalho”, afirmam. Fernanda Pereira, de 36, e Alexandre Reis, de 40, adaptaram a rotina do filho com diversas brincadeiras e atividades que auxiliam no processo de aprendizado quanto às finanças: no mercado, por exemplo, a presença de Pedro é garantida. Ele ajuda nas compras e identifica os preços que valem mais a pena.

O menino gosta tanto dessa rotina que, de Natal, pediu de presente uma caixa registradora de brinquedo. A partir daí, foi só alegria. Durante as brincadeiras, ele e a mãe compram e vendem livrinhos e outros objetos e aproveitam para entender um pouco mais da educação financeira. “Junto com a caixa compramos várias notinhas de papel. Tenho ensinado ao Pedro a voltar o troco, reconhecer e contar algumas notas. É um momento especial”, relata a mãe.

ESPAÇO GARANTIDO

Os dois cofres em forma de casinha, coloridos pelo próprio pequeno, têm espaço garantido na estante principal da casa. Cada moedinha é guardada com muito orgulho e carinho. “Nosso objetivo é que ele entenda que é preciso economizar para ter algo que deseja muito. Quando temos algum troco, por exemplo, dividimos as moedas e ele, sempre esperto, já guarda a parte dele”, conta Fernanda.

Presentes fora de hora não fazem parte da rotina da família. Ali, todos, inclusive Pedro, entendem que as lembranças chegam apenas em datas muito especiais, como aniversários, Dia das Crianças ou Natal. “Fazemos o melhor para ele dentro das nossas condições, e queremos que ele entenda. Como toda criança, ele tem um gênio difícil, mas, ao mesmo tempo, se mostra compreensivo e consciente. Se ele quer algo, tem que batalhar, entender e aprender o valor do dinheiro.”

O desafio de Alexandre e Fernanda, agora, é fazer com que o pequeno comece a perceber o caro e o barato. “Ele sempre está questionando e tentamos explicar da melhor forma.”

A recompensa é certa

Herta Pidher, mãe de três filhos em diferentes idades - Humberto, de 8, Bianca, de 10, e Eduardo, de 12 -, lembra que muitas vezes não sabe se está fazendo o certo em relação à educação financeira das crianças, que estudam no Colégio Batista. Mas espera que a tentativa se mostre válida, principalmente em relação a conceitos como sustentabilidade. “Começamos a estipular uma mesada simbólica quando o Eduardo estava com 7 anos. Depois, começamos a também recompensá-los quando tiram nota máxima nas provas e a dar bônus pela boa manutenção e a reutilização de objetos pessoais, como a mochila.

Leandro Couri/EM/D.A Press
Os irmãos Eduardo, de 12, Humberto, de 8, e Bianca de 10, juntam dinheiro para ajudar a comprar o que desejam (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Eles juntam esse dinheiro para comprar ou ajudar a comprar o que desejam. Exemplo é o notebook do Eduardo, que demandou a economia de um aniversário ao outro”, diz, vislumbrando um futuro melhor e que acredita depender, em muito, da educação financeira das novas gerações. “Até porque, combatemos o consumismo desenfreado, pois das nossas atitudes depende a saúde do planeta, da humanidade.”

Programa de recompensas

Em BH, o espaço pedagógico Unique promove a educação financeira dos alunos a partir de 4 anos, por meio de um programa de recompensas em dinheiro fictício (uniques). Em síntese, os alunos recebem, na moeda da escola, pagamentos pelo bom comportamento nas atividades diárias, de acordo com regras já estabelecidas. Na hora das refeições, por exemplo, ganham as crianças que tiverem mais de cinco cores no prato, comerem de boca fechada, usarem os talheres de forma correta, não se levantarem da mesa e não usarem desculpas para não se alimentar. A cada dia é possível acumular entre dois e três uniques e, ao fim da semana, decidir o que fazer com o “dinheiro”: comprar itens na lojinha, uma vitrine convidativa, ou poupar para comprar algo mais caro, que exige uma economia de duas ou mais semanas. “Precificamos os produtos baseados no seu valor real, ou seja, se a criança quiser algum brinquedo mais elaborado, naturalmente terá de economizar, assim como é na vida adulta. Essa noção de sacrifício em prol de uma causa maior é um grande aprendizado quando falamos de educação financeira”, destaca Paula Rego Barbosa, fundadora do espaço.