Estudo: ação de hormônio pode tratar ausência de desejo sexual

Interferir na ação da kisspeptina torna ratos mais sociáveis e propensos à procriação, segundo experimento. Resultados abrem a possibilidade de desenvolvimento de remédios que tratem, em humanos, a ausência de desejo vinculada à ansiedade

por Vilhena Soares 17/01/2018 16:52
Anderson Araújo/CB/D.A Press
(foto: Anderson Araújo/CB/D.A Press)

Aumentar a atividade de um hormônio natural pode ajudar a reduzir a ansiedade e ainda impulsionar o desejo sexual. É o que mostra um estudo realizado por cientistas britânicos. Por meio de drogas, pesquisadores estimularam a ação da kisspeptina em camundongos machos e observaram que os animais ficaram mais sociáveis, se mostrando mais propensos ao ato sexual, e sofreram redução de sintomas relacionados à ansiedade. Os investigadores acreditam que, caso o mesmo resultado seja detectado em roedores fêmeas, abre-se a possibilidade de desenvolvimento de uma nova intervenção para tratar a ausência de desejo sexual em humanos.

Em pesquisas anteriores, a mesma equipe identificou que os nerônios que respondem à liberação da kisspeptina estão presentes na glândula pituitária - região cerebral relacionada aos principais hormônios do corpo - e na amígdala, estrutura neural que desempenha papel importante no processamento das emoções. “A amígdala faz parte do sistema límbico, envolvido na regulação do comportamento sociossexual. Mas não se sabe muito sobre o tipo de célula neuronal que medeia esses comportamentos”, explica ao EM Daniel Adekunbi, um dos autores e pesquisador do King’s College de Londres, no Reino Unido.

Segundo o cientista, a descoberta de uma “significativa população de neurônios da kisspeptina” nessa região os levou à hipótese de que esse hormônio poderia estar envolvido na regulação do processamento emocional e do comportamento sexual. Para testar a ideia, a equipe usou uma série de drogas capazes de ativar e desativar a ação da kisspeptina em ratos machos. Os cientistas notaram que, quando as células nervosas que respondem ao hormônio foram ativadas, as cobaias demonstraram comportamento menos ansioso e interagiram mais com companheiras de espécie. O mesmo não ocorreu quando a ação da kisspeptina foi desativada.

Para os pesquisadores, as constatações indicam que os neurônios que respondem a esse hormônio estão coordenando a motivação sexual e os comportamentos de ansiedade de maneira que encoraja o sexo e, portanto, aumenta as chances de reprodução bem-sucedida. “Observamos que a ativação de neurônios da amígdala ligados à kisspeptina modulam a resposta ansiolítica de forma positiva para a cópula. Isso mostra o papel promissor desse hormônio como agente terapêutico para a disfunção sexual relacionada à ansiedade”, destaca Adekunbi.

Inovação

Fabio Pasqualoto, urologista e membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, destaca que a pesquisa foge do convencional e apresenta detalhes altamente relevantes relacionados ao desejo sexual. Caso os efeitos se repitam em humanos, trariam um grande ganho para a área médica, segundo o especialista. “Muitas pessoas ficam inibidas ao chegar perto do sexo oposto e evitam se aproximar. Por isso, muitos homens precisam beber álcool para abordar as mulheres. Isso está ligado à ansiedade. Vemos nesse estudo que o estímulo abordado pelos cientistas reverteu esse comportamento nos ratos. Conseguir repetir o mesmo efeito em humanos seria um grande ganho”, destaca.

Antes de chegar aos testes clínicos, os investigadores pretendem realizar experimentos em ratas. Pasqualoto acredita que observar se o mecanismo ocorrerá em animais do sexo feminino é de suma importância para o futuro da pesquisa. “Temos a redução de desejo em homens e em mulheres. Caso essa estratégia se mostre efetiva em ambos os gêneros, o seu uso pode ser amplo e beneficiá-los da mesma forma. Medicamentos como o viagra, por exemplo, provocam o aumento sanguíneo do pênis, não o desejo. É apenas a mecânica. Um remédio que trate diretamente o desejo é algo que seria bastante interessante e poderia ser usado de forma combinada com essas outras opções”, diz o urologista.

Adekunbi adianta que outros mecanismos ainda precisam ser entendidos para que os resultados possam ser desdobrados. Criar uma forma de silenciar a kisspeptina na amígdala e investigar a reversibilidade desses resultados são alguns desses novos desafios. “Isso também poderá ser útil para decifrar com precisão o papel desse hormônio na orientação sexual”, complementa o cientista.

Os resultados já obtidos, porém, são suficientes para que ele e a equipe fiquem otimistas com os frutos que poderão ser colhidos com o trabalho desenvolvido, incluindo a criação de medicamentos para estimular o desejo sexual e a redução de ansiedade. “Esse estudo forneceu evidências de que a kisspeptina na amígdala tem um papel na motivação sexual, e isso pode ser potencialmente útil contra o desinteresse sexual. Esses achados podem ser relevantes para ausência de desejo relacionada ao estresse e à ansiedade, podendo, assim, levar ao tratamento para a disfunção sexual na sociedade”, destacou o autor.