75 municípios brasileiros fazem campanha com vacina fracionada de febre amarela

Objetivo da medida é tentar bloquear o avanço da circulação do vírus

por Estadão Conteúdo 09/01/2018 16:19
Reprodução/Internet/Flickr
(foto: Reprodução/Internet/Flickr)

A vacina de febre amarela será fracionada em 75 municípios do país. A decisão foi anunciada nesta terça-feira, 9, pelo Ministério da Saúde e tem como objetivo tentar bloquear o avanço da circulação do vírus, que hoje se aproxima de áreas de alta densidade populacional e que até agora não tinham recomendação da imunização. São Paulo, Rio e Bahia vão organizar entre os meses de fevereiro e março campanhas. Nos três Estados, está prevista a realização de dias D, com vacinação nos fins de semana.

O objetivo é vacinar 19,7 milhões de pessoas, das quais 15 milhões serão feitas com dose fracionada. "É uma medida emergencial", afirmou o ministro da Saúde, Ricardo Barros. "O objetivo é evitar uma epidemia como a que ocorreu no ano passado. Temos de proteger um grande número de pessoas, de forma rápida e o fracionamento foi a alternativa encontrada", completou a coordenadora do programa Nacional de Imunização da pasta, Carla Domingues.

A vacina fracionada tem um quinto da vacina integral. Embora com menor quantidade, seu efeito protetor é semelhante ao da dose padrão. A diferença é o tempo de proteção. Enquanto na dose padrão a imunidade é, em tese, para a vida toda, a da vacina fracionada é de oito anos.

A vacina fracionada terá um selo especial. Isso permitirá a diferenciação e, no futuro, a recomendação para que o reforço seja realizado com outra dose. Em São Paulo, a vacina fracionada será usada em 52 municípios. O período de campanha será entre os dias 3 e 24 de fevereiro. No primeiro e último sábado do mês, postos destes municípios ficarão abertos para fazer o Dia D.

A intenção do Estado, no entanto, é garantir até o fim do ano que toda a população paulista seja vacinada contra a doença. Nessa primeira etapa, a campanha com as doses fracionadas será feita em cidades próximas da região do Litoral Norte. "A área central da capital, onde o risco é menor, a vacinação será feita na última fase do esforço, já próximo do fim do ano", afirmou o infectologista Marcos Boulos, coordenador de controle de Doenças de São Paulo.

No Rio, a vacinação será feita em 15 municípios, incluindo a capital, entre os dias 19 fevereiro e 9 de março. Na Bahia, a campanha será realizada no mesmo período, em oito municípios, incluindo também a capital, Salvador. Nesses dois estados, o dia D será dia 24 de fevereiro. O ministro da Saúde não descartou a possibilidade de que a vacinação fracionada seja ampliada para outras cidades, caso necessário. Isso poderá ocorrer na hipótese de ter novos registros de mortes de macacos provocadas pela doença, em áreas hoje consideradas livres de risco.

A vacinação com a dose integral será mantida em alguns casos. Ela será dada nas regiões que hoje são consideradas áreas de risco para doença, para pessoas que se destinam a países onde é exigido o certificado da vacina contra febre amarela, pessoas vivendo com HIV/Aids, pessoas que terminaram o tratamento de quimioterapia. Crianças entre 9 meses e 2 anos também receberão a dose integral.

"Não há estudos que comprovem a proteção da vacina fracionada nessa faixa etária. Uma vez que isso seja comprovado, há possibilidade de que essa indicação seja feita também para esse grupo", afirmou o presidente do Conselho Político e Estratégico de Biomanguinhos, Akira Homma.

De julho de 2017 até agora, foram registrados no país 11 casos de febre amarela, dos quais oito no Estado de São Paulo, um no Rio, um em Minas e um no Distrito Federal. Ao todo foram cinco mortes, três delas em São Paulo. Boulos observou que as mortes ocorreram entre pessoas que não haviam se vacinado. Uma das pacientes, que está internada em estado grave, não se vacinou embora houvesse um apelo da família. "Ela tinha toda a indicação para a vacinação. Ia de forma constante para áreas de risco para a doença", explicou.

O avanço de casos ocorre meses depois de o Ministério da Saúde declarar o fim da epidemia de febre amarela. A decretação foi feita em setembro, apesar de não ter havido uma redução do número de mortes de macacos, um sinal de que a circulação do vírus persistia no Brasil. O ministro, no entanto, negou que o governo tenha sido precipitado. "Morte de macacos sempre vai ocorrer", disse.

"Tomamos a decisão porque o país havia ficado durante três meses sem registro de casos em humanos." Entre dezembro de 2016 e junho de 2017 o país registrou a pior epidemia de febre amarela da história. Foram 777 casos, com 261 óbitos.

Vacina integral e vacina fracionada

O prazo de proteção da vacina fracionada foi determinado por meio de um estudo, feito com militares voluntários. O trabalho demonstrou que, oito anos depois da aplicação da dose reduzida, voluntários continuavam protegidos contra a doença. Boulos acredita que esse prazo pode ser maior. "Isso será determinado no futuro, com o acompanhamento dos pacientes."

A convicção do infectologista tem como ponto de partida a composição da vacina de Biomanguinhos, que tem 60 vezes mais imunogênicos do que seria necessário. Boulos acredita ainda que o fracionamento pode reduzir a seriedade dos efeitos adversos provocados pela doença. A vacina, feita como o vírus atenuado, traz o risco de provocar num pequeno número de pacientes sintomas graves, semelhantes ao da própria febre amarela. "Mas isso somente pode ser comprovado com estudos. Certamente trabalhos serão realizados para verificar o comportamento da vacina de febre amarela fracionada, para verificar se há de fato uma redução de risco."

Desde o ano passado, o Brasil passou a adotar a recomendação da Organização Mundial da Saúde, que é a de vacinar contra febre amarela apenas uma vez na vida. A decisão, no entanto, é colocada em dúvida por alguns especialistas que avaliam que, com o passar dos anos, a vacina integral também reduz seu efeito protetor. Homma acredita que estudos devem ser realizados para verificar se, de fato, a proteção é por toda a vida. "A decisão de se reduzir a recomendação foi tomada numa época em que havia falta de vacinas, por causa de uma epidemia na África", observou.

Para Boulos, estudos deixam claro que a proteção da vacina integral é de, pelo menos 30 anos. "A proteção passada três décadas pode ir aos poucos diminuindo. Mas mesmo nesses casos, uma pessoa que contrair o vírus, nunca terá a forma grave da doença como aquela pessoa que nunca foi imunizada.