Compaixão, empatia e altruísmo são estados internos muito estudados, tanto pela psicanálise e outras teorias, quanto pela neurociência que busca as bases neurais e neurobiológicas desses estados. Estudos revelam a arquitetura desses sentimentos na mente humana por meio da ressonância magnética funcional que analisa a atividade em regiões do cérebro ligadas aos valores morais e nas relacionadas à formação de grupo. No vasto corpo teórico da psicanálise, Maria Bernadette Biaggi, psicanalista e monja zen budista, salienta dois grandes psicanalistas, W.R. Bion e D. Winnicott, com dois conceitos que auxiliam a refletir sobre o percurso desse potencial inato para gerar atitude compassiva. “A capacidade de se preocupar, de se importar ou se envolver e se responsabilizar pelas próprias ações é desenvolvida ao longo do processo maturacional humano. Qual o percurso para nos tornarmos prontos para amar.?”
Maria Bernadette Biaggi explica que Winnicott abarca pelo termo “Concern”, de difícil tradução, mas que traz a ideia de como o bebê, por meio do acolhimento nos braços dos cuidadores, na forma como sucede a elaboração imaginativa do seu corpo, evoca sentimentos de segurança, carinho e satisfação. Quando estamos sob a influência desse sistema, surgem sentimentos de benevolência e de compaixão e, consequentemente, o indivíduo estabelece vínculos positivos com seus semelhantes, tornando-se comunitário e solidário.
“O Concern passa por estágios iniciais do bebê com seus cuidadores e é resultante de um cuidado suficientemente bom.
Presidente do Istituto Biaggi – Psicoterapia, Psicoanalisi Cultura e Arte Brasil-Italia, Maria Bernadette Biaggi explica que, quando o ambiente falha no atendimento das primeiras necessidades maturacionais do bebê, podem surgir perturbações na capacidade de dar sentido à existência de forma criativa e espontânea, resultando na impotência diante das relações interpessoais e nas doenças relacionais. “O atendimento das necessidades nas fases iniciais assegura uma série de conquistas como o altruísmo. As falhas do ambiente nessas fases levam o bebê à perda da capacidade de existir no mundo e de ser alguém que enxerga alguém. Se ele não for concernido no seio materno não irá desenvolver o sentimento de existir. Cito ainda Winnicott: ‘Quando olho e sou visto, logo existo’. Ele precisa do ambiente facilitador para desenvolver a compaixão.”
COMPAIXÃO Maria Bernadette Biaggi destaca que hoje a neurociência investiga as estruturas cerebrais que sustentam os sentimentos e comportamentos compassivos por meio dos estudos de neuroimagem, que nos informam ao vivo as estruturas ativadas quando o indivíduo experimenta a compaixão. “Os conhecimentos neurobiológicos nos ilustram sobre os sistemas neurais que sustentam os comportamentos de cuidado e as condutas altruístas. A compaixão é acompanhada de forte motivação pró-social para sermos comunitários e solidários e nos abrirmos para a realidade na realização das ações necessárias ao bem-estar. Ela coordena e integra diversos elementos mentais como a motivação, a atenção, a empatia, a simpatia e a ação, tendo a capacidade de organizar a mente e a conduta. Vale salientar que a empatia se refere à experiência que uma pessoa tem das emoções dos outros, mas nem sempre leva a um bom resultado. Já a compaixão e o altruísmo são respostas pluridimensionais e incluem a bondade, a empatia, a generosidade e a aceitação.”
A psicanalista destaca outro belo conceito de W.
Mas como atingir esse estado de uníssono, segundo Bion, se o indivíduo tem dor de fome? Como ser altruísta? Se temos um potencial inato para a compaixão e fomos sequestrados pelas emoções e traumas, o que podemos fazer para desenvolver o altruísmo? “Precisamos de uma nova provisão ambiental para deixar de lado as organizações defensivas e retornar ao nosso processo de amadurecimento. Ainda em Bion, encontramos a ideia de que as emoções sofrem transformações na situação analítica, aprendendo emocionalmente com as experiências da dor para que ocorra uma mudança de vértice de pensamento e conhecimento. Hoje, temos várias maneiras que podem auxiliar a reconectar a dimensão sensível do corpo nas práticas conhecidas como Embodied emotion and cognition, ou seja, é a cognição incorporada na neurociência que defende a simulação de sentidos, estados corporais e ações contextualizadas. É o experienciar o mundo via corpo e mente. Abrange práticas contemplativas, como a meditação, tai chi chuan, ‘conversas de bar’, podendo todas essas práticas recolocar o corpo em movimento na provisão básica rumo ao amadurecimento.”
PALAVRA DE ESPECIALISTA: Geraldo Caldeira, psicanalista
“De si para o outro”
“As pessoas se tornam mais propensas a enxergar o outro quando estão bem. Do contrário é mais complicado porque numa fase ruim predomina o mau humor, a depressão, a tristeza e ninguém vai estar a fim de fazer nada de positivo, não há impulso para ajudar. Por outro lado, pode haver também a superação. Pensar em se tornar disponível para o outro mesmo num momento pessoal de turbulência.