Estudo mostra a forte influência dos genes no processo de perda de peso

Até dietas tidas como saudáveis, como a mediterrânea, podem causar efeito contrário

por Paloma Oliveto 19/12/2017 19:26
Valdo Virgo
(foto: Valdo Virgo)

Atire a primeira guloseima quem não tentou pelo menos uma dieta neste ano. No fim, muitos dos que aderiram a algum programa de emagrecimento terminaram frustrados, sem conseguir o sucesso esperado, mesmo seguindo à risca todas as recomendações. Há tempos, profissionais da área de saúde vêm alertando que não existe fórmula única para todos. Agora, uma pesquisa da Universidade Texas A&M, nos Estados Unidos, mostra, pela primeira vez, que os genes têm grande influência sobre o resultado de um regime alimentar. Embora feito em modelo animal, o trabalho dá pistas do que pode acontecer no organismo humano.

“Conselhos sobre dietas geralmente são baseados na teoria de que vai existir uma que ajudará todo mundo. Mas, face à epidemia de obesidade, parece que essas diretrizes não têm sido efetivas”, comenta o principal autor do estudo, David Threadgill. Para tentar entender por que isso acontece, ele desenvolveu uma pesquisa usando quatro grupos de ratos com perfis genéticos diferentes e que, ao longo de seis meses, foram alimentados com cinco tipos de dietas, bem próximos às consumidas por humanos.

Um grupo ficou com o cardápio estilo norte-americano (rico em gordura e carboidratos refinados, especialmente milho). Três receberam regimes que, popularmente, são considerados mais saudáveis: mediterrâneo (com trigo e extrato de vinho tinto), japonês (com arroz e extrato de chá-verde) e cetogênico, ou estilo Atkins (muita gordura e proteína, pouquíssimo carboidrato). A quinta dieta - o alimento padrão dos roedores - foi oferecida a animais do grupo de controle.

Embora todos os regimes tidos como saudáveis tenham funcionado bem para a maior parte dos animais, um dos quatro tipos genéticos se adaptou muito mal ao estilo alimentar japonês, por exemplo. “O grupo da linguagem quatro se saiu muito bem com as outras dietas, mas ficou péssimo com essa, tendo um aumento na gordura do fígado e exibindo marcadores de danos hepáticos”, conta William Barrington, que liderou os trabalhos no laboratório de Threadgill.

Algo semelhante ocorreu com a dieta Atkins, ou “da proteína”, como é mais conhecida no Brasil. “Um dos grupos se tornou bastante obeso, com gordura no fígado e colesterol alto”, diz o pesquisador. Outro, segundo Barrington, teve redução no nível de atividade e acumulou gordura corporal, embora tenha se mantido esguio. “Isso equivale ao ‘magro gordo’ em humanos, quando a pessoa parece estar em um peso saudável, mas, na verdade, tem um alto percentual de gordura no corpo”, compara.

Como se poderia esperar, a dieta que mais trouxe problemas para todos os grupos foi a estilo norte-americana. “Alguns dos grupos se tornaram extremamente obesos e demonstraram sinais de síndrome metabólica. Outros tiveram menos efeitos negativos, e um sofreu poucas mudanças, exceto por apresentar mais um leve aumento de gordura no fígado”, conta o pesquisador. Com a dieta mediterrânea, os efeitos foram meio a meio: alguns dos grupos ficaram saudáveis, enquanto outros ganharam peso (embora menos que o verificado com o cardápio norte-americano). William Barrington diz que, em humanos, o que se vê é uma resposta tão variada quanto as verificadas entre os roedores.

DIFÍCIL AVANÇO

Arthur Menescak/Esp. CB/D.A PRESS
Karine reclama das dietas: exercícios aeróbicos têm surtido mais efeito (foto: Arthur Menescak/Esp. CB/D.A PRESS)
Sempre às voltas com dietas, a auxiliar administrativa Karine da Silva Albuquerque, 25 anos, estava empolgada com o jejum alimentar, que não sai das páginas das revistas e dos sites de boa forma. “Não adiantou nada, não perdi nem 1kg”, conta a jovem, que persistiu por sete meses, antes de se convencer de que não teria resultados. Com o método Dukan, que ajudou uma amiga de Karine a emagrecer 15kg, a experiência também não foi das melhores. “Até perdi peso, mas voltou tudo e até mais”, lamenta. Atualmente, ela segue uma dieta de 1 mil calorias, passada pela nutricionista, mas continua insatisfeita. “O pouco que eu emagreci foi depois que comecei a academia. Então, o que fez a diferença foi o aeróbico. Há dois meses estou fazendo a dieta direitinho e só passo fome.”

Ana Carneiro/Esp. CB/D.A PRESS
Érica conseguiu perder 23kg com apoio profissional: "Nunca ia adiante" (foto: Ana Carneiro/Esp. CB/D.A PRESS)
A dona de casa Érica de Castro Fontanive, 37 anos, tem mudado a história. Ela conta que passou a vida inteira fazendo dietas e acumulando poucos resultados. “Nunca ia adiante. Fazia as da moda ou então ia cortando alimentos”, diz. Como precisa emagrecer para se submeter a uma cirurgia, resolveu procurar ajuda. Com o cardápio passado pela nutricionista e pelo nutrólogo da clínica em que se consultou, já foram 23kg, e faltam apenas três. Além de reduzir calorias, Érica foi aconselhada, nos últimos meses, a diminuir carboidratos e, assim, acelerar o emagrecimento.

PRÓXIMOS PASSOS

No estudo da Universidade Texas A&M, os pesquisadores avaliaram a parte física, principalmente sinais de síndrome metabólica, uma coleção de sintomas associados à obesidade, como pressão e colesterol altos, gordura no fígado e níveis elevados de açúcar no sangue. Eles também estudaram diferenças comportamentais, como o quanto os animais passaram a se movimentar e o quanto estavam comendo.

De acordo com Barrington, os resultados da pesquisa demonstraram que uma dieta que faz um indivíduo esguio e saudável pode ter o efeito oposto em outro. “Meu objetivo foi encontrar a dieta ideal. Mas o que realmente descobrimos foi que isso depende muito da genética e que não há uma dieta melhor para todo mundo”, reconhece. Falta, agora, determinar quais genes estão envolvidos com as diferentes respostas aos regimes alimentares. “Adoraríamos desenvolver um teste genético para dizer às pessoas sobre a melhor dieta para elas, considerando seu repertório de genes”, revela.

Palavra de especialista
Regimes devem ser personalizados
Cristiane Moulin, endocrinologista da clínica MetaSense e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia sessão DF

“Embora o DNA dos ratos seja muito semelhante ao dos humanos, não podemos extrapolar todos os resultados do estudo para nossa realidade. Mas, de fato, o que nós já observamos é que os pacientes têm respostas muito diferentes uns dos outros, e a pesquisa reforça a ideia de que as dietas devem ser personalizadas. Isso também acontece com os remédios emagrecedores: 20% dos pacientes não respondem à sibutramina, por exemplo. É possível que, futuramente, sejam feitos testes genéticos para orientar as dietas individualizadas, mas é importante lembrar que nem tudo é DNA: há interação dos genes com outros fatores externos.”

ARTIGO
Joana Lucyk
Estilo de vida pode silenciar os genes

A incidência de doenças como diabetes, câncer, obesidade e hipertensão induzidas pela alimentação aumentou nos últimos 50 anos, apesar dos esforços das recomendações alimentares universais para a melhoria da saúde populacional. Esse fato reforça os resultados da pesquisa recém-publicada na revista Genetics, em que os pesquisadores dividiram camundongos com diferentes características genéticas em grupos alimentares e concluíram que o perfil genético individual influencia a resposta da dieta sobre a saúde. Isso é, o efeito dos padrões de dietas sobre a saúde depende das características genéticas individuais. Conhecer a individualidade genética é um dos mais eficientes e modernos mecanismos para assertividade em condutas nutricionais. A nutrigenética procura identificar, com base no mapeamento do DNA, variações no genoma que influenciam a forma pela qual o indivíduo responde aos nutrientes, à dieta. Já a nutrigenômica estuda como os nutrientes e compostos bioativos dos alimentos (CBA) influenciam o funcionamento do genoma. Entender o código genético é essencial para compreender o funcionamento do metabolismo e, com isso, descobrir as melhores escolhas alimentares. Recomendações dietéticas com base no DNA permitem prescrições altamente individualizadas. Vale ressaltar que os fatores ambientais e o estilo de vida exercem, juntos, maior peso na qualidade de vida dos indivíduos do que sua carga genética — a genética, por si só, não é destino. A forma como nos alimentamos e nos relacionamos com o mundo pode modificar a expressão dos genes. Isso significa que os estímulos externos vindos de uma alimentação e estilo de vida adequados são capazes não apenas de evitar o surgimento de doenças, mas de alterar as respostas do nosso organismo a determinados nutrientes. Mais do que isso, a epigenética nos ensina que mudanças no estilo de vida e no padrão alimentar podem silenciar genes que causariam doenças durante a vida e isso pode ser transmitido a gerações futuras. A pesquisa da revista Genetics reforça a importância de conhecermos nossas características genéticas o quanto antes para, a partir delas, delimitar o melhor caminho a seguir na busca de melhor saúde e qualidade de vida não apenas para nós, mas para nossos filhos e netos também.

*Joana Lucyk é nutricionista da Saúde Ativa e um dos autores do ebook Minha Genética Diz