Traumas de guerra que acometem mulheres grávidas podem afetar os filhos

Crianças nascem com risco grande de ter o desenvolvimento físico e psicológico comprometido

05/12/2017 14:55
Wikimedia Commons/Divulgação
Crianças finlandesas fogem da guerra em 1941: gerações afetadas (foto: Wikimedia Commons/Divulgação)

Mulheres expostas a situações traumáticas na gravidez podem gerar filhos com risco elevado de ter o desenvolvimento físico e o psicológico comprometidos, indicam estudos científicos. Pesquisa conduzida por um grupo internacional de investigadores, porém, mostra que traumas vividos antes mesmo da puberdade podem influenciar na saúde da prole. Os investigadores identificaram que, assim como as mães, filhas de mulheres que fugiram dos horrores da Segunda Guerra Mundial quando crianças têm mais chances de ser acometidas por depressão e outros transtornos psiquiátricos.

“Encontramos evidências de que a exposição traumática da infância de uma mãe - neste caso, a separação dos membros da família durante a guerra - pode ter consequências duradouras para a saúde de suas filhas”, resumiu Stephen Gilman, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD), nos Estados Unidos, e autor do estudo, publicado em novembro na revista Jama Psychiatry. Também participaram do trabalho pesquisadores da Universidade de Uppsala, na Suécia, e da Universidade de Helsínquia, na Finlândia.

De 1941 a 1945, cerca de 49 mil crianças deixaram a Finlândia para se proteger de bombardeios, desnutrição e outros perigos da guerra. Além da separação da família, meninos e meninas enfrentaram o estresse de se adaptar aos lares adotivos, muitos deles na Suécia, e de aprender um novo idioma. Os que retornaram experimentaram ainda o estresse de se reajustar à sociedade finlandesa pós-guerra. Ao mesmo tempo, outras milhares de famílias da Finlândia optaram por se manter unidas ao longo do conflito.

Os pesquisadores compararam o risco de internação por transtorno psiquiátrico entre os filhos dos refugiados e os filhos daqueles que permaneceram com os pais durante a Segunda Guerra. Em estudo anterior, descobriram que as mulheres exiladas quando crianças tinham duas vezes mais chance de ser internadas do que as irmãs que ficaram em casa. Para o estudo atual, os cientistas relacionaram os registros dessa geração - mais de 46 mil irmãos nascidos entre 1933 e 1944 - com os dos filhos dela, mais de 93 mil pessoas nascidas depois de 1950. Dessas, quase 3 mil eram descendentes de pais que fugiram da guerra para a Suécia ainda crianças e mais de 90 mil eram descendentes de pais que permaneceram na Finlândia.

A análise mostrou que as exiladas e as filhas delas apresentavam mior risco de internação por problemas como distúrbios do humor, depressão e transtorno bipolar. Por exemplo, as filhas das refugiadas tinham risco quatro vezes maior de hospitalização por um transtorno do humor quando comparadas às filhas das mães que ficaram em casa, independentemente de as mães terem sido internadas por problemas psiquiátricos. A equipe não detectou a mesma relação entre filhos e filhas de homens que fugiram da guerra quando crianças.

HIPÓTESES

O estudo não tinha a intenção de determinar os motivos que levam ao aumento do risco de surgimento de transtornos psiquiátricos nos filhos de exilados, mas os autores levantaram duas hipóteses. A primeira é de que o estresse vivido pelas refugiadas na infância tenha afetado o desenvolvimento psicológico delas, de maneira a influenciar no estilo de parentalidade. A outra é que a experiência tenha causado, nas mães, mudanças epigenéticas - alterações químicas na expressão do gene que não provocam alterações no DNA - que foram passadas à prole.

Coautor do estudo, Torsten Santavirta ressalta que, independentemente das razões, os resultados sinalizam a importância de se discutirem práticas paliativas de guerras. “A evacuação finlandesa foi destinada a proteger as crianças contra os muitos danos associados às guerras do país com a União Soviética. Nossa observação do risco psiquiátrico de longo prazo tem resultado preocupante e ressalta a necessidade de pesar os benefícios e os potenciais riscos ao se elaborarem políticas de proteção infantil”, justificou o também pesquisador da Universidade de Uppsala.