Transplante de pele entre gêmeos tem resultado inédito

Homem que teve 95% do corpo queimado sobrevive após receber finas camadas de epiderme retiradas do irmão. Casos semelhantes chegaram a cobrir até 68% da superfície corporal

29/11/2017 13:32
AFP
"É um trabalho de longo prazo. Minha mão esquerda deveria ter sido removida, mas pôde ser salva. A direita foi menos afetada, posso escrever e consigo fazer algumas jogadas de pingue-pongue" - Franck Dufourmantelle, de 33 anos, submetido a tratamento para as queimaduras desde outubro de 2016 Franck Dufourmantelle, de 33 anos, submetido a tratamento para as queimaduras desde outubro de 2016 (foto: AFP)

Em 27 de setembro de 2016, enquanto virava o conteúdo inflamável de um barril para um tonel, Franck Dufourmantelle foi vítima de um acidente de trabalho que ficou marcado em seu corpo. O barril explodiu nas mãos do operário francês e o fogo tomou conta praticamente de todo o corpo dele. “Da cabeça aos pés, eu me transformei em uma tocha humana. Comecei a correr em todas as direções e, miraculosamente, um colega conseguiu me tirar de lá”, contou, ao Le Parisien.

Franck chegou ao hospital de Saint-Louis com 95% do corpo queimado e chance praticamente nula de sobreviver. Ontem, pouco mais de um ano depois do acidente, o paciente de 33 anos e os médicos contaram como se deu uma recuperação “sem precedentes” na história da medicina. Franck foi salvo graças ao transplante da pele do irmão gêmeo. “É a primeira vez que realizamos um transplante de pele entre gêmeos em 95% do corpo”, disse Maurice Mimoun, médico e diretor da unidade de cirurgia plástica no hospital francês. Até então, só haviam sido registrados dois casos semelhantes no mundo, com cobertura de até 68% da superfície corporal.

“Eu tinha uma chance de 1% de viver, mas meu irmão se recusou a aceitar isso. Ele disse aos médicos que queria doar a pele”, conta Franck. “Não é algo comum, mas, quando vi meu irmão, não hesitei nem por um segundo”, admitiu Eric, o doador. Como são gêmeos homozigotos (gerados de um mesmo óvulo), os dois têm DNA 100% idêntico, o que elimina o risco de rejeição. Por isso Franck não vai precisar tomar medicamentos imunossupressores.

Ainda assim, era uma cirurgia bastante arriscada, que foi feita em três etapas. A primeira uma semana depois da hospitalização de Franck. Os irmãos foram operados ao mesmo tempo, com o objetivo de realizar o transplante de forma imediata. O mesmo ocorreu no 11º e no 44º dia da internação para cobrir a totalidade da superfície queimada.

A pele do doador foi retirada na forma de camadas finas - de 5 a 10cm de largura - do crânio, que cicatriza rapidamente, em menos de uma semana. Também foi extraída das costas e das coxas, que demoram 10 dias para se recuperar.

No total, 45% da pele obtida foi ampliada em uma máquina e, depois, colocada, em forma de faixas, sobre o corpo queimado. “As pequenas feridas entre cada malha cicatrizam em 10 dias”, explicou Maurice Mimoun.

Recuperação

Ao todo, Franck foi submetido a uma dezena de cirurgias, incluindo os transplantes e as intervenções para retirar a pele queimada, tóxica para o organismo. Ele deixou a unidade de queimaduras do hospital de Saint-Louis em fevereiro, quase cinco meses depois da internação. Permaneceu internado até julho em um centro de reabilitação de Paris. Os resultados dos procedimentos começam a fazer a diferença.

“Meu corpo está muito danificado, mas cicatrizei bem. Em meu rosto já quase não se nota, e não sinto mais dor”, diz Franck. “É um trabalho de longo prazo. Minha mão esquerda deveria ter sido removida, mas pôde ser salva. A direita foi menos afetada, posso escrever e consigo fazer algumas jogadas de pingue-pongue.”

Franck voltou a caminhar e segue um programa de reabilitação, de acordo com Mimoun. “Ele, com sua companheira, se dedica a suas atividades, e o rosto e as mãos se recuperaram muito bem”, avaliou o médico. Eric também está em bom estado de saúde e muito feliz por salvar o irmão. “Ele sofreu muito fisicamente, mas tudo cicatrizou. Agora, tem apenas queimaduras como as de sol em algumas partes do corpo.”

No braço, uma das partes mais atingidas pelas chamas, ficou uma marca emblemática de antes do acidente. “Tinha o braço coberto de tatuagens. Mas a única coisa que restou foi a palavra life (vida)”, contou Franck. Geralmente, pessoas com quase 100% do corpo queimado recebem a pele de um doador falecido, mas ela é sistematicamente rejeitada após algumas semanas e precisa ser substituída. Ao longo do tratamento, são comuns complicações como infecções e perda exagerada de líquido, que podem levar a óbito.