Dieta do pai desempenha papel importante na saúde do bebê e melhora a chance do embrião

Em estudo com mosca-da-fruta, inseto que compartilha 60% do DNA e 75% das doenças genéticas com seres humanos, pesquisadores constatam que a sobrevivência da descendência é menor quando os machos recebem alimentos pobres do ponto de vista nutricional

por Estado de Minas 13/11/2017 12:54
Andrew Higley/University of Cinc
JOshua Benoit e Michael Polak (D), biólogos da Universidade de Cincinnatti: surpresa com a descoberta sobre a influência determinante dos genitores (foto: Andrew Higley/University of Cinc)

Há tempos os médicos destacam a importância da boa nutrição para gestantes. Agora, biólogos da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, dizem que a dieta dos pais pode desempenhar papel semelhante na saúde do bebê. Os pesquisadores Michael Polak e Joshua Benoit manipularam a nutrição de moscas-da- fruta machos e observaram uma forte correlação entre uma dieta pobre e uma baixa taxa de sobrevivência da descendência. O estudo foi publicado na revista Proceedings of the Royal Society B. “Ficamos realmente surpresos”, destaca Polak. “Em muitas espécies, as mães fazem quase todo o trabalho de cuidar do filho. Então, é de se esperar ver um efeito da alimentação materna nos filhos por causa dessa ligação forte. Mas foi mesmo surpreendente descobrir uma associação entre a dieta do pai e a descendência”, afirma.

O biólogo lembra que todo mundo sabe que o pai é responsável pela metade dos genes dos filhos. Mas Polak diz que o estudo atual chega em uma época em que os pesquisadores estão começando a aprender mais sobre outras influências que os pais têm sobre a saúde da descendência, além do que está codificado no DNA, um conceito chamado epigenética. Essas influências incluem efeitos ambientais diretos, como exposição a toxinas que podem passar do genitor para os filhos por meio do plasma seminal.

A epigenética é a forma pela qual as células “leem” os genes, fazendo alguns se tornarem dormentes, enquanto outros são ativados. Aspectos ambientais podem ligar e desligar alguns genes. E essas modificações epigenéticas também podem ser herdadas. Por exemplo, estudo australiano de 2016 descobriu que ratos machos que viviam de uma dieta equivalente a fast-food tinham mais probabilidade de ter filhos diabéticos, enquanto que as filhas não eram afetadas. Se esses traços estivessem codificados no DNA paterno, ambos sofreriam efeitos similares na saúde.

“Se uma mudança epigenética é dominante, ela pode ser rapidamente eliminada de um conjunto de genes por seleção, porque elas são menos duráveis que as mutações do código genético”, explica Polak. “Mas, se é positivamente selecionada, então, ela pode se integrar ao conjunto de genes e aumentar sua frequência até ser consertada”, diz.

Insetos

No estudo da Universidade de Cincinnati, os pesquisadores usaram moscas-da-fruta como modelo. Esses insetos têm sido muito úteis à ciência, e pesquisas realizadas com eles ganharam seis prêmios Nobel, incluindo o de medicina deste ano, que investigou como os genes controlam o relógio biológico. Essas moscas são encontradas no mundo inteiro e se tornaram um popular objeto de estudo de como a herança genética funciona. Hoje, os cientistas estudam moscas das frutas regularmente porque elas compartilham 60% dos genes com os seres humanos, e mais de 75% das nossas doenças genéticas.

Para a pesquisa, Polak isolou fêmeas e machos da espécie de moscas-das-frutas Drosophila melanogaster, famosa por seus olhos vermelhos enormes e alta capacidade reprodutiva. Uma única mosca pode colocar 50 ovos por dia, ou até 2 mil ovos na sua curta vida de dois meses. Os cientistas de Cincinnati alimentaram as fêmeas com a mesma dieta. Mas os machos foram inseridos em 30 diferentes programas alimentares compostos por trigo e açúcar. Eles podiam comer tudo que quisessem de uma mistura de ágar que ficava em suas casas de vidro, mas a qualidade do alimento variava, dramaticamente, de baixas a altas concentrações de proteínas, carboidratos e calorias.

Depois de 17 dias na dieta, os machos foram pareados individualmente e consecutivamente com duas fêmeas, que receberam a mesma dieta controlada à base de milho. Ao controlar o regime alimentar e a idade das fêmeas, os pesquisadores tentaram limitar as variações das condições maternas para o estudo. E ao emparelhar os machos de forma consecutiva, os cientistas quiseram aprender sobre o efeito da ordem do cruzamento e do papel da dieta na mudança da ejaculação do macho.

Após o primeiro encontro, o macho era colocado para cruzar com outra fêmea, passados 15 minutos. Por fim, as fêmeas ficavam isoladas em recipientes contendo ágar de uva, próprio para colocação dos ovos. No dia seguinte, eles eram coletados. Depois de mais 24 horas de incubação, os cientistas examinaram os ovos sob o microscópio para determinar quantos chocaram ou continham embriões viáveis. Ovos não fertilizados foram removidos. Depois disso, os pesquisadores esperaram mais um dia para dar a eles tempo de se desenvolver, mas isso não ocorreu em nenhum caso.

Polak descobriu que os embriões da segunda cruza eram mais propensos a sobreviver à medida que a dieta de seus pais era melhor em termos nutritivos. Esses efeitos foram menos aparentes no primeiro pareamento. Da mesma forma, a mortalidade dos embriões foi maior na descendência de machos alimentados com uma dieta rica em carboidrato e pobre em proteína. Os pesquisadores também constataram uma conexão entre a condição corporal do macho e a mortalidade dos filhos. Machos com menos reserva energética (medida por meio de ácidos graxos, glucose e proteína) eram mais propensos a ter menos descendentes sobreviventes.

As fêmeas colocaram o mesmo número de ovos, independentemente da dieta dos machos ou da frequência das cruzas. Mas o estudo sugere que algo importante na ejaculação dos machos se perdeu entre o primeiro e o segundo pareamento. “É na segunda cópula que os efeitos da dieta realmente se tornam mais fortes”, diz Polak. “Machos emaciados em condições pobres produziram embriões com uma taxa de mortalidade maior. Mas apenas na segunda cópula.”

O estudo também descobriu uma incidência maior de mortalidade associada a machos alimentados com uma dieta rica de calorias, na primeira cópula. “Há um bom número de estudos sugerindo que a nutrição do macho afeta a capacidade reprodutiva. Mas a redução na viabilidade foi bem menor do que vimos em relação a uma dieta de baixa qualidade”, diz o biólogo Joshua Benoit, coautor do estudo. Polak complementa que esse trabalho levanta questões sobre como a nutrição pode afetar gerações sucessivas. Uma pesquisa sueca de 2002 descobriu uma correlação entre crianças de 9 anos que tiveram amplo acesso a alimentos e taxas maiores de diabetes e doenças cardíacas entre os netos delas. Ao mesmo tempo, crianças que enfrentaram privações de fome na mesma idade tiveram netos com menos prevalência desses males.

Agora, Benoit e Polak estão voltando a atenção para um novo estudo que examina as respostas genética e epigenética das moscas-da-fruta que são estressadas por ácaros parasitas. Os pesquisadores também estão interessados em testar se a infecção parasitária pode mudar a qualidade do plasma seminal, possivelmente exercendo efeitos no embrião, como o observado na pesquisa da dieta.