“Aos 26 anos, tive um cisto e retirei meu ovário esquerdo. Em meados de outubro do ano passado, surgiu o mesmo problema no ovário direito e recebi o diagnóstico de que precisaria retirá-lo também, para evitar a possibilidade de desenvolver um câncer. Imediatamente, tomei a decisão de congelar óvulos, com o apoio da minha mãe”, revela Kenia Lage Carvalho, psicóloga, de 41 anos. “A possibilidade de congelar óvulos e espermatozoides existe há bastante tempo”, ressalta o médico Ricardo Melo Marinho, diretor científico da clínica Pró-Criar Medicina Reprodutiva. “O que mudou nos últimos 10 anos foi o surgimento da técnica de congelar a célula reprodutiva feminina chamada vitrificação. Com ela, a sobrevida do óvulo congelado é muito mais eficiente e garante a preservação de uma média de 90% do material colhido”, informa.
Especialista também no atendimento de pacientes que lutam contra o câncer, área conhecida como oncofertilidade, ele afirma que a descoberta da técnica significa um ganho de qualidade de vida para o paciente, principalmente mulheres que podem ter a capacidade reprodutiva prejudicada ou anulada pela doença, que prevê tratamentos como rádio ou quimioterapia. “Hoje, a principal indicação para a criopreservação é para mulheres que não têm um parceiro até o momento em que se aproximam da curva descendente de fertilidade (o famigerado limite dos 36 anos) ou vão se submeter a um tratamento de saúde, principalmente o câncer.”
O bom prognóstico de cura é um dos principais critérios de indicação para o tratamento que objetiva preservar a fertilidade. “Muitas são jovens e podem ter o desejo de gerar filhos futuramente, quando já estiveram curadas.
Marinho lembra que o espermatozoide também pode ser congelado, “a partir de técnicas e procedimentos bem mais simples”, e avisa que o avanço da medicina reprodutiva prevê novidades que já estão sendo testadas experimentalmente. Uma das mais celebradas, conta, é o congelamento de fragmentos ovarianos, técnica que objetiva preservar a fertilidade em crianças do sexo feminino que ainda não iniciaram a puberdade e foram diagnosticadas com doenças que poderiam prejudicá-las, caso de alguns tipos de câncer, ou mulheres que teriam urgência em começar os tratamentos de combate ao câncer e não poderiam esperar para estimular a ovulação. “Futuramente, os fragmentos são descongelados e devolvidos ao organismo da mulher para tentativa de gravidez espontânea ou por meio de técnicas da reprodução assistida”, explica.
TECNOLOGIA DE PONTA
No procedimento de Kênia Carvalho, realizado na clínica Origen, a resposta ao tratamento hormonal para estimular a ovulação revelou-se superpositiva: ao todo, ela conseguiu congelar 22 gametas. Ela está noiva e conta que pretende, em breve, começar a pensar na possibilidade de gravidez. “Há um tempo, eu não teria chances de ser mãe. Então, digo que, para mim, a medicina reprodutiva representa a esperança de constituir uma família, de concretizar um sonho.”
Entre os tratamentos de reprodução assistida mais comuns ele cita o coito programado, a inseminação, a fertilização in vitro e a injeção intracitoplasmática de espermatozoide, “todos permitidos no Brasil e aceitos pelas sociedades americana e europeia de medicina reprodutiva”.
Ainda em relação a um panorama local, o médico afirma que o Brasil faz muito menos do que poderia ou deveria em termos de reprodução assistida. “Em média, 20% dos casais em idade reprodutiva necessitam de ajuda para engravidar. Desse total, cerca de 6% necessitam de reprodução assistida, mas menos de 1% têm a ajuda necessária. O custo dos tratamentos sempre é empecilho, além da falta de informação, de curiosidade ou a existência de mitos que apontam para pensamentos como: basta relaxar que engravida”, critica.
Ele lembra que os planos de saúde no país não têm cobertura para tratamentos de reprodução assistida e que as longas filas do Sistema Único de Saúde (SUS) costumam desanimar os casais que precisam da assistência, o que contribui para o pouco acesso da população aos programas. “Se compararmos o Brasil à cidade de Valença, na Espanha, é possível ter uma ideia dessa ineficiência: lá, são realizados, em média, de 17 mil a 20 mil tratamentos de reprodução assistida por ano, e estamos falando de uma cidade de apenas 1,5 milhão de habitantes. É mais do que o dobro do Brasil inteiro, país que tem mais de 207 milhões de habitantes”, lamenta. “Nas nossas unidades de BH, Rio de Janeiro e São Paulo, calculamos que de 10% a 12% das pacientes que nos procuram aderem à criopreservação, congelando óvulos para tentar viabilizar uma gravidez futuramente. Em todas as clínicas do grupo, realizamos entre 2,2 mil e 2,5 mil procedimentos anualmente.”
• Corrida pela gestação
Os especialistas ouvidos pela reportagem do Estado de Minas afirmam que o passar do tempo, com consequente envelhecimento do sistema reprodutivo feminino, é, ainda, considerado um entrave na corrida pela gestação. “Entre as mulheres acima de 40 anos, mais de 20% precisam de alguma tecnologia para engravidar. Acima dos 45 anos o percentual sobe para 90%”, aponta Sampaio.
Mas os problemas de fertilidade, obviamente, ocorrem em ambos os sexos. Esclarecendo os fatos, o médico avisa que metade deles são masculinos e metade femininos. Entre as mulheres, há problemas de trompa, anovulação (ausência de ovulação), endometriose, obesidade, pólipos e miomas; entre os homens, há diminuição da quantidade e da motilidade de espermatozoides (por causas diversas), além de alterações na morfologia.
Além desse público, as clínicas também recebem mulheres solteiras e casais homoafetivos de ambos os sexos entre os que pretendem engravidar. Para todos os casos, a medicina reprodutiva oferece alternativas. “O momento é de manter a esperança, pois além do que já existe, há novas tecnologias surgindo o tempo todo. Hoje, a reprodução assistida é uma das áreas na medicina que avança com mais velocidade. Por ser ainda muito nova, evolui muito”, afirma. Entre as principais novidades, Sampaio aponta tecnologias capazes de avaliar a receptividade endometrial (estudo do útero que permite saber qual será o dia ideal para a transferência do embrião). No embrião, também já é possível estudar as máquinas energética, genética e cromossômica e até mesmo corrigir doenças a partir de intervenção no DNA (possibilidade ainda experimental e só realizada no exterior). “Questão em que a medicina ainda não conseguiu interferir é na idade reprodutiva da mulher, já que, com o passar do tempo, os óvulos perdem a qualidade. Então, se ela está chegando aos 35 anos, deve procurar se informar sobre as possibilidades de preservação da fertilidade”, observa o especialista.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Bárbara Campos Moraes, dentista
» O sonho de ser mãe