Pesquisadores desenvolvem tratamento personalizado contra o câncer de pele

A abordagem com a vacina é testada em pacientes com melanoma nos EUA e na Alemanha. Nas duas pesquisas, o tratamento destrói o tumor ou, em combinação com uma droga biológica, mantém a doença em remissão

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(foto: Reprodução/Internet/Medquimheo)

O nome “câncer” não faz jus à complexidade de um conjunto de doenças completamente diferentes entre elas e que variam de paciente para paciente. Por isso, o futuro do tratamento dos mais de 100 tipos de tumores malignos conhecidos tem sido associado à individualização das terapias. Dois estudos publicados na edição desta semana da revista Nature avançaram nesse sentido, mostrando a viabilidade da produção de vacinas personalizadas para melanoma, tipo agressivo de câncer de pele. Embora muito iniciais, os trabalhos foram recebidos com entusiasmo pela classe médica.

A ideia dos pesquisadores do Instituto Dana-Faber, de Boston, nos Estados Unidos, e da Corporação Biofarmacêutica Novas Tecnologias (BioNTech), em Mainz, na Alemanha, era induzir uma resposta do próprio organismo para lutar contra as células doentes. “É exatamente o mesmo princípio de uma vacina comum, contra doenças virais, por exemplo. Você pega um antígeno e injeta no corpo para gerar anticorpos. Mas, em vez de um vírus, a ação é contra o tumor com mutações do próprio paciente”, esclarece o oncologista Rafael de Negreiros Botan, do Instituto de Câncer de Brasília.

Os cientistas extraíram o melanoma e fizeram a análise genética do tumor dos participantes dos estudos - 13, no norte-americano, e seis, no alemão -, identificando as variantes do DNA tumoral de cada um deles. Botan explica que o melanoma é um tipo de câncer atípico e particularmente heterogêneo, com grande variação de mutações genéticas. “Há até dois anos, não havia muito o que fazer. Isso melhorou com a imunoterapia”, diz. O tratamento disponível, porém, é diferente da vacina proposta agora e usa medicamentos estimulantes do sistema imunológico, em vez de antígenos retirados do próprio doente.

Ambos os estudos divulgados na Nature são de fase 1 e incluíram um número restrito de pacientes, com perfil ideal para a terapia testada. Nessa etapa, o objetivo não é verificar a eficácia, mas o nível de segurança e a viabilidade do tratamento. Ainda assim, os estudos de Boston e da BioNTech apresentaram resultados animadores quanto ao efeito no combate à doença. Quando não foi possível destruir o tumor, a vacina, em combinação com uma droga biológica, reduziu o tamanho do câncer e manteve os pacientes em remissão.

A vacina personalizada ativou a produção de células CD4 e CD8 do sistema de defesa do organismo. Na presença de antígenos específicos do tumor, essas poderosas estruturas se mobilizavam para destruir o câncer. Na pesquisa norte-americana, a equipe de Cahterine Wu e Patrcik A. Ott vacinou seis pessoas que haviam feito cirurgia prévia para a remoção do melanoma. Para conseguir a substância individualizada, os cientistas sequenciaram o DNA das células tumorais e o das saudáveis de cada participante, a fim de identificar as mutações específicas e determinar os antígenos.

Além de segura, a vacina induziu a resposta imunológica esperada. Quatro dos seis participantes tratados não tiveram recorrência durante os 25 meses de acompanhamento, enquanto os outros dois, que tinham formas progressivas da doença, foram tratados depois com uma terapia biológica, a anti-PD-1, e atingiram a remissão total.

Pouco efeito colateral

No ensaio alemão, o time de Ugur Sahin, da BioNTech, usou uma abordagem semelhante para identificar os antígenos que provocariam a resposta das células de defesa. Treze participantes foram vacinados e, em todos, houve ativação imunológica. Oito deles ficaram livres do câncer até o 23º mês de acompanhamento, enquanto cinco sofreram relapso. Nesses casos, eles receberam uma nova dose de vacina. Dois tiveram resposta e um conseguiu regressão total do tumor, quando a imunização foi acompanhada do anti-PD-1. Além da resposta, uma vantagem do tratamento é que, ao contrário da quimioterapia, apenas as células doentes são atingidas. Assim, os efeitos colaterais são os mesmos de qualquer vacina, ou seja, praticamente nenhum.

“Há muitos anos que tratamos o câncer sem diferenciar os pacientes, mas são doenças diferentes, e o tumor de uma pessoa não é igual ao de outra. Por isso, a ideia de desenvolver anticorpos personalizados é o que se busca hoje”, observa o oncologista Andrew Sá, do Grupo Acreditar, em Brasília. O médico afirma que, em alguns casos, como nos cânceres de mama e de pulmão, já é feito um tratamento individualizado, buscando mutações genéticas nos tumores e medicamentos que respondam melhor a elas. Contudo, ainda não há no mercado algo tão personalizado quanto a abordagem testada na Alemanha e nos Estados Unidos.

Mais testes

Apesar de promissora, porém, essa estratégia está longe de se tornar realidade. Antes disso, é preciso fazer testes de fase 2 e 3, com um número maior de pacientes, acompanhados em multicentros de pesquisa, o que vai garantir um público heterogêneo. Depois, um outro desafio: o preço. “Hoje, temos medicamentos não personalizados que já são impraticáveis”, lembra Andrew Sá. O médico, porém, é um entusiasta da abordagem. “Ainda estamos engatinhando no conhecimento, mas esses estudos trazem à luz a ideia de que, no futuro, o paciente vai ter a personalização do tratamento. O tratamento do câncer já melhorou muito, e hoje temos uma gama de medidas, como terapia-alvo e imunoterapia. Embora longe do ideal, sou um entusiasta e vislumbro um futuro melhor para os pacientes”, afirma.

Em um artigo de perspectiva escrito para a Nature, Cornelis J. M. Melief, da Universidade de Leiden, na Holanda, também aposta na vacinação como estratégia do futuro. “Os dois estudos confirmam o potencial desse tipo de abordagem, e melhorias na predição de antígenos provavelmente vão resultar em antígenos mais eficientes e precisos para uso em vacinas terapêuticas. Embora o número de pessoas que se trataram nesses estudos tenha sido pequeno, ambos indicam benefícios em potencial”, observou. “Ensaios clínicos controlados e randomizados de fase 2 com mais participantes são necessários agora para estabelecer a eficácia dessas vacinas em pacientes com qualquer tipo de câncer que tenha mutações suficientes para fornecer alvos antígenos”, concluiu.