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Ouvir é diferente de escutar: processo pode ser aprimorado com exercícios desafiadores

Novas técnicas melhoram as habilidades auditivas do cérebro

Lilian Monteiro
- Foto: Reprodução/Internet/F5 Notícias

Fique atento aos sinais. Quando começar a fazer muito “hã?” durante uma conversa, pedir para aumentar o volume da TV ou do rádio ou quando tiver mais de uma pessoa falando e você não conseguir compreender o que está sendo dito, principalmente numa situação de ruído, ligue o sinal de alerta porque pode ser perda auditiva. É possível treinar o cérebro para escutar melhor? Partindo do princípio que a parte do nosso sistema que ouve é o ouvido e a que escuta é o cérebro, é possível sim treinar o cérebro a escutar melhor, uma vez que, ao ser estimulado, ele pode aumentar suas conexões e criar novas redes neuronais. Quem garante é a fonoaudióloga Katya Freire, especialista em audiologia.

“No entanto, esse aprendizado ocorrerá sempre que existir um desafio e repetição de estímulos. O pulo do gato para fazer o cérebro escutar melhor é propor exercícios que tenham desafio e repetição. É como alguém que vai à academia e deseja aumentar seus músculos e atingir um bom condicionamento. É necessário desafiar a intensidade dos exercícios e ir aumentando o nível de dificuldade, conforme seu desempenho”.


A fonoaudióloga explica que para garantir um bom processo de escuta é preciso que a engrenagem da audição esteja funcionando em perfeito estado. Isso inclui a parte que chamam de sistema periférico, que tem a cóclea, órgão onde estão situadas as células auditivas sensoriais, responsáveis pelo “ouvir”; o sistema central, onde estão situadas todas as áreas do cérebro que são responsáveis pelo “escutar” e, por fim, é necessário ter muita atenção, intenção, memória e linguagem. “Somente com o perfeito funcionamento dessa engrenagem é que se pode ter uma compreensão satisfatória da fala. O processo de 'escuta' pode ser aprimorado por meio de muitos exercícios desafiadores, que podem melhorar as habilidades auditivas do cérebro. Justamente com o objetivo de treinar o cérebro a escutar melhor é que foi desenvolvido o Treinamento Auditivo Musical (T.A.M.).”

Método ajuda a treinar o cérebro para escutar melhor por meio de desafios e repetições - Foto: Audicare/DivulgaçãoKatya Freire conta que o T.A.M. foi idealizado para ajudar, principalmente, as pessoas que ouvem, mas não entendem a mensagem, ou que têm alterações das habilidades auditivas do cérebro. “Para isso, foram desenvolvidos oito exercícios com mais de 1.300 variações, que desafiam o cérebro a cada nível de dificuldade. O T.A.M. é composto por sons instrumentais, música e imagens que, com a estimulação e interação de várias áreas do cérebro, como auditivas, motoras e visuais, irão propiciar uma melhora das habilidades auditivas. Para cada exercício, existem vários níveis de dificuldade a serem treinados e superados, tudo de forma randomizada e interativa, visando sempre desafiar o cérebro e a escuta. O T.A.M. tem um datalloging que irá registrar todo o desempenho dos exercícios feitos, a fim de que o profissional, ou o próprio paciente possam acompanhar a evolução do desempenho das atividades”, explica.

A fonoaudióloga informa que o desenvolvimento do T.A.M foi baseado em sua tese de doutorado, intitulada “Treinamento Auditivo Musical: uma proposta para idosos usuários de próteses auditivas”, defendida na Unifesp, em 2009, e inicialmente lançado em sete DVD’s.
Agora, já há a segunda versão do T.A.M., totalmente on-line e interativa. O usuário pode treinar o cérebro a escutar melhor dentro de casa, no seu computador ou até mesmo em consultório ou escola, com o acompanhamento de um profissional.

A fonoaudióloga diz que ouvir é diferente de escutar. “Ouvir é um mecanismo passivo, que dá acesso apenas ao sinal de fala ou música. E o escutar é um mecanismo ativo, que depende de atenção e intenção do ouvinte. Quando realmente escutamos, temos a compreensão de todo o conteúdo que foi apresentado. E, não fazemos a famosa 'cara de paisagem', com apenas cara de conteúdo, fingindo que escutou.”

DEPRESSÃO

Katya Freire enfatiza que uma das maiores queixas dos pacientes no processo de reabilitação auditiva é o tipo de material utilizado pelos profissionais. Por exemplo, nos casos em que a pessoa tenha muita dificuldade de compreender a fala no ruído, faz-se necessário a realização dos exercícios com outra estimulação, diferentes da fala e do ruído, pois é exatamente nessas situações que existe a dificuldade. “Na minha pesquisa, foi constatada a relevância e eficácia de utilizar a música para atingir a percepção de fala, uma vez que existem áreas do cérebro que são comuns tanto para a fala, como para a música. Sendo assim, um grande diferencial do T.A.M é utilizar apenas sons instrumentais e arranjos musicais que são muito mais prazerosos para estimular as mesmas áreas da percepção de fala, do que usar um ruído de fundo competitivo com sons de fala.”

Clique para ampliar - Foto: Audicare/Divulgação
O T.A.M, conforme Katya Freire, é indicado para crianças acima de 7 anos, adultos e idosos, com ou sem perda auditiva, pessoas com alteração de Processamento Auditivo Central (PAC), usuários de próteses auditivas, implantes cocleares, pessoas com dificuldade de foco e atenção, estudantes e amantes da música ou simplesmente quem deseja aprimorar o cérebro a escutar.
A fonoaudióloga conta que por causa do T.A.M, fruto da sua tese de doutorado, foi premiada quando apresentada no 18º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia, em Curitiba, em 2010. “A perda auditiva é um problema de saúde pública, em que temos quase 10 milhões de brasileiros sofrendo com esse problema por diversas causas. O ruído é o grande vilão da atualidade, sendo o grande causador até mesmo em jovens, com perdas auditivas induzidas por ruído. Além do que temos muitos idosos com a presbiacusia, envelhecimento do sistema auditivo. Com a ocorrência da perda auditiva, perde- se o 'ouvir' e, com isso, consequentemente, temos muitos problemas do 'escutar', que são consequências diretas da lesão das células auditivas, independentemente da causa.  Com o T.A.M. trabalha-se diretamente nas alterações auditivas do cérebro (o 'escutar'), evitando as consequências psicossociais da deficiência auditiva, como isolamento social, frustração e até mesmo depressão.”

DEPOIMENTO
G.T, de 86 anos*

“Meu otorrino indicou o uso de próteses auditivas e fui encaminhado para a Katya Freire para fazer adaptação e a avaliação. Ela recomendou o T.A.M para eu fazer uma vez por semana, por uma hora. Após oito semanas praticando,melhorou muito a minha capacidade de detectar os sons, principalmente na orelha esquerda, a que mais apresentava dificuldade. Agora consigo escutar melhor com o aparelho a fala e identifico melhor os sons. Comecei a compreender mais rapidamente as informações. O resultado me surpreendeu e resolvemos aumentar a frequência, comecei a praticar todo dia.”

* O personagem não quis se identificar

COMO TER ACESSO AO T.A.M

Basta acessar o site www.treinamentoauditivomusical. com.br e fazer uma assinatura. Lá há opções de planos para uso pessoal ou para profissionais, que queiram utilizar e fornecer o T.A.M. em sua clínica. O acompanhamento pode ser feito pelo próprio usuário por meio do datalogging no site ou por um profissional/fonoaudiólogo cadastrado. Para o acesso pessoal anual, o investimento é de R$ 380, o equivalente a R$ 31,60 por mês..