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Brasileiro é reconhecido internacionalmente por estudos sobre a amamentação

Até hoje, entre os vencedores do prêmio Gairdner, 84 receberam, depois, o Nobel de Medicina ou de Fisiologia. Epidemiologista Cesar Victora é o primeiro brasileiro agraciado na premiação

Paloma Oliveto
Cesar Victora foi o primeiro brasileiro a ganhar o renomado prêmio Gairdner pelo trabalho que associa a amamentação exclusiva à redução da mortalidade infantil - Foto: Daniela Xu/Divulgação

Quando Cesar Victora se formou em medicina, no fim da década de 1970, a epidemiologia era um campo de estudo que começava a se desenvolver no Brasil. Ainda eram poucos os cientistas que se debruçavam sobre dados populacionais, informações socioeconômicas e registros de doenças e mortalidade para encontrar associações entre elas. Mas o jovem pediatra estava preocupado com uma situação que vivenciava nos postos de saúde de comunidades pobres de Porto Alegre e Pelotas (RS), por onde clinicou. Por mais que tratasse crianças desnutridas e com diarreia, entre outros problemas, elas sempre estavam de volta.

Victora queria fazer mais do que simplesmente tratá-las. Ele pretendia prevenir o surgimento de doenças potencialmente evitáveis, mas que estavam arraigadas naquelas comunidades carentes de saneamento básico. Para isso, o médico teria de se dividir entre as consultas e as estatísticas. “Naquela época, era estranho quando um clínico resolvia ir para esse lado, uma área com muita matemática. Todo mundo achava que eu fosse dermatologista, porque pensavam que o epi de epidemiologista vinha de epiderme”, recorda.

Do Rio Grande do Sul, Victora partiu para a Inglaterra, onde se doutorou pela prestigiada Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres, pesquisando desnutrição infantil. O primeiro trabalho foi a comprovação de que, no Sul do Brasil, onde predominavam os latifúndios, a mortalidade infantil era muito superior à registrada na Região Norte, onde pequenos agricultores tinham as próprias áreas de cultivo.

No último dia 28, ao completar 65 anos, o epidemiologista se tornou o primeiro brasileiro a receber um dos mais importantes prêmios do mundo na área de saúde, o Gairdner, do Canadá, que, desde 1957, já reconheceu o trabalho de mais de 360 pesquisadores de 30 países
. A premiação é considerada um “pré-Nobel”: entre os laureados até hoje, 84 receberam depois o Nobel de Medicina ou de Fisiologia. Modesto, Victora, que é o cientista brasileiro mais procurado no Google, disse ter sido surpreendido com o reconhecimento. “Fiquei muito satisfeito e surpreso. É um prêmio muito importante na área de saúde global, inclui pessoas que descobriram o ebola e a Aids”, conta.

No anúncio da Fundação Gairdner, que premiou outros seis cientistas neste ano, o reconhecimento de Victora foi justificado, em primeiro lugar, pelas pesquisas que ele desenvolveu a respeito do aleitamento materno. “Possivelmente, a maior contribuição do Dr. Victora à saúde pública foi seu trabalho nos anos de 1980, com o primeiro estudo mostrando a importância da amamentação exclusiva para prevenir a mortalidade infantil”, destacaram os organizadores do prêmio.

Recomendação mundial De volta ao Brasil em 1983, o médico se associou ao colega Fernando C. Barros, da Universidade de Pelotas, nos estudos de coorte que, até hoje, acompanham 6 mil pessoas nascidas no município. No início, a ideia era medir mortalidade infantil e número de prematuros, mas, com o tempo, o trabalho se mostrou muito mais revelador
.

Em meados da década, Victora resolveu aplicar alguns métodos mais modernos de epidemiologia que, nos países desenvolvidos, estavam sendo usados para investigar doenças crônicas. “Tive a ideia de aplicá-los para a mortalidade infantil”, diz. Naquela época, era comum dar chá, suco e água para recém-nascidos. O pediatra resolveu investigar se isso teria influência no número de óbitos e fez um estudo em 10 cidades do Rio Grande do Sul. O resultado foi impressionante. As crianças que eram alimentadas exclusivamente com leite materno até os 6 meses de vida tinham risco 14 vezes menor de morrer por diarreia e 3,6 vezes menor por doenças respiratórias.

Graças a essa descoberta, depois confirmada por outros pesquisadores que repetiram o estudo em vários países, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) reviram as recomendações sobre aleitamento exclusivo até os seis meses de vida.

Segundo o médico, existem algumas hipóteses que explicam a associação entre a oferta de água, suco e chá aos bebês e o aumento nos casos de morte. “Em primeiro lugar, a mortalidade maior era nas famílias mais pobres, que não tinham acesso a saneamento. A má higienização da água poderia introduzir bactérias e contaminar os bebês. Além disso, o estômago do recém-nascido é muito pequeno, do tamanho de uma colher de sopa. Ao ingerir mais líquido, ele mama menos e deixa de receber todas as substâncias do leite materno que evitam infecções”, diz.