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Drinque destrutivo

Estudo canadense mostra que a combinação de energético e álcool aumenta riscos diversos

Os beberrões se envolvem mais em acidentes de trânsito e brigas porque a bebida cafeinada mascara os efeitos da alcoólica

Paloma Oliveto
Estudos indicam que a ingestão conjunta também ameaça o sistema cardíaco, com possibilidade de complicações fatais - Foto: Carlos Barria/Reuters - 8/6/12

A mistura faz sucesso na balada. Energéticos e álcool são praticamente uma dupla inseparável quando os jovens querem se manter despertos e, ao mesmo tempo, aproveitar os efeitos de bebidas como uísque e cerveja. Diversos artigos científicos mostram que a prática é perigosa para o coração e pode até matar. Agora, uma pesquisa investigou outro efeito adverso da combinação e constatou o risco aumentado de ferimentos, seja em acidentes de trânsito ou em brigas. O estudo de revisão foi publicado no Journal of Studies on Alcohol and Drugs.

Os pesquisadores canadenses, do Centro de Pesquisa sobre Adição da Universidade de Victoria, investigaram artigos que tratavam da ingestão de álcool e energético publicados entre 1981 e 2016. Eles encontraram 13 que se encaixavam nos critérios do estudo. Desses, 10 mostravam associação entre a mistura dessas bebidas e o risco aumentado de ferimentos, comparando-se à ingestão apenas de álcool. Com base nesses trabalhos, a equipe dividiu esses ferimentos em não intencionais, como queda e batida de carro, e intencionais, caso de brigas e de outras violências físicas.

De acordo com Audra Roemer, principal autora do estudo, os efeitos estimulantes da cafeína mascaram as sensações da intoxicação por álcool, como languidez e sono. “Geralmente, quando você bebe álcool fica cansado e quer ir para casa. Mas o energético mascara isso
. Então, as pessoas não percebem o quão bêbadas estão. Assim, consomem mais e mais álcool, se envolvendo em comportamento de risco e práticas de ingestão alcoólica perigosas”, explica.  

A pesquisadora se interessou em estudar o efeito da mistura de energético e álcool inspirada por estudos que investigaram a combinação de drinques e cocaína. “Fiquei curiosa para saber o que aconteceria em relação a um estimulante menos forte e aceito socialmente. Eu me perguntava se o impacto seria semelhante, embora em menor grau”, diz.

Falsa sobriedade

Aos 15 anos, Daniela (nome fictício a pedido da entrevistada), hoje com 28, teve uma parada cardíaca e ficou cinco minutos desacordada depois de associar vodca e energético. Ela estava em uma festa na casa de amigos e, apesar da alta ingestão de álcool, a jovem conta que se sentia sóbria por causa da bebida cafeinada. “Aí, uma amiga passou mal no banheiro e eu fui socorrer porque achava que estava ótima. Para subir as escadas, tomei um copão cheio de vodca, limão e energético. Ajoelhei para ajudar no chuveiro e as luzes apagaram
. Quando acordei, estavam todos em cima de mim, chorando”, recorda.

A sorte de Daniela foi que o vizinho do dono da casa era bombeiro e prestou socorro rapidamente, com massagem cardíaca. “Eu apaguei mesmo, fiquei sem batimentos.” Depois de acordar, ela ainda passou mal por mais 15 minutos. “Tenho sopro. Aí, tive uma crise. Foi muita falta de ar, o coração acelera tanto que você sente que vai sair batendo sozinho.” Depois disso, a jovem ainda misturou mais uma vez, aos 18 anos. “Foi num show do Chiclete com Banana. Bati aposta de quem bebia mais vodca com frutas vermelhas. Ganhei porque bebi a garrafa toda, mas não sei nada do show.” Essa foi a última vez que Daniela fez a combinação.

Propensão

A pesquisadora Audra Roemer ressalta que esse assunto precisa ser mais investigado, porque há poucos trabalhos científicos que estudam a associação entre a combinação de bebida alcoólica e energético e os comportamentos de risco. “Sabemos que algumas pessoas são mais propensas a se envolver em situações arriscadas. Algumas pesquisas sugerem que esses indivíduos poderiam ser uma população em risco ainda maior de sofrer lesões por procurar misturas que os deixam nesse estado, um misto de bêbados e alertas”, observa. Depois desse trabalho de revisão de artigos científicos, a pesquisadora começou a investigar a associação com base em registros médicos de prontos-socorros. “Os dados que temos até agora apontam para um aumento do risco de lesões com o uso de álcool e energético. Isso poderá se tornar um grave problema de saúde pública”, acredita.

Impactos cerebrais duradouros

Os efeitos de bebidas alcoólicas cafeinadas não são apenas imediatos. Um estudo da Universidade de Prudue, nos Estados Unidos, constatou que a ingestão desses drinques desencadeia mudanças no cérebro do adolescente similares às provocadas pela cocaína, consequências que se arrastam até a idade adulta em forma de alteração na habilidade de lidar com substâncias recompensadoras.

Richard van Rijin, professor de química médica e farmacologia molecular da instituição, avaliou os efeitos de bebidas energéticas altamente cafeinadas misturadas a álcool em ratos adolescentes. Estudos do tipo não podem ser realizados em humanos, mas, segundo Rijin, as alterações detectadas no cérebro dos animais em pesquisas que investigam abuso de drogas indicam que elas se correlacionam àquelas observadas em pessoas. Bebidas energéticas contêm 10 vezes mais cafeína que refrigerantes e costumam ter jovens como alvo, mas pouco se sabe sobre os efeitos que provocam nessa faixa etária.

Anteriormente, Van Rijin publicou estudo no jornal Alcohol, no qual verificou que ratos adolescentes que ingerem energéticos não correm mais risco de tomar quantidades abusivas de álcool quando adultos. Contudo, quando esses drinques são misturados a bebidas alcoólicas, os animais exibem sinais físicos e neuroquímicos similares àqueles que recebem cocaína. Esse trabalho recente foi divulgado na revista Plos One. “Parece que, juntas, as substâncias os empurram para um limite que causa mudanças no comportamento e na neuroquímica do cérebro”, diz o pesquisador. “Nós vimos claramente os efeitos da combinação, o que não teríamos observado caso tivessem tomado uma ou outra bebida.”

Vício


Com a exposição repetida ao álcool cafeinado, os ratos adolescentes se tornaram cada vez mais ativos, mais ainda do que aqueles nos quais se administrou cocaína. Os pesquisadores também detectaram níveis aumentados de uma proteína que indica alterações de longa duração na neuroquímica cerebral e que é elevada naqueles que abusam de drogas como cocaína e morfina. “Essa é uma das razões do por que ser tão difícil para usuários de drogas largar o vício, há alterações duradouras no cérebro”, explica Van Rijin.

Quando adultos, os mesmos ratos mostraram preferência diferente pela cocaína. Eles eram menos sensíveis aos efeitos prazerosos da substância. Embora isso pareça positivo, poderia significar que, para conseguir a sensação de recompensa deflagrada pela droga, eles precisariam de uma quantidade muito maior. Para testar essa teoria, os pesquisadores investigaram se os ratos expostos ao álcool cafeinado na adolescência consumiriam quantidades maiores de uma substância prazerosa — no caso, a sacarina. Eles descobriram que os animais ingeriam muito mais sacarina que aqueles expostos apenas à água quando mais novos. “O cérebro deles mudou de uma forma que ficaram mais propensos a abusar de substâncias naturais ou prazerosas na idade adulta”, ressalta Van Rijin.