Pesquisa mostra que ambientes urbanos não estão livres do barbeiro

Comum no Brasil rural, inseto transmissor da doença foi detectado em um prédio residencial de Roraima. Especialistas alertam para a possibilidade de novas formas de prevenção

por Valéria Mendes 06/12/2016 08:30
A imagem do barbeiro, nome popular das 149 espécies conhecidas dos transmissores da doença de Chagas, parece muito distante de quem mora nos meios urbanos. Mais comum é associá-lo a casinhas de pau-a-pique das zonas rurais, repletas de frestas, onde ele costuma se esconder. Porém, uma pesquisa publicada na edição de novembro da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz mostra que os habitantes das cidades não estão livres do vetor da doença. Os cientistas encontraram espécimes de Triatoma maculata no nicho de um ar-condicionado em um prédio residencial de Boa Vista, em Roraima.

A primeira autora do artigo, Alice Ricardo-Silva, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Vigilância Entomológica em Díptera e Hemíptera do Instituto Oswaldo Cruz, explica que, no Brasil, essa espécie só é encontrada em Roraima e, até hoje, nenhum exemplar do inseto estava infectado pelo Trypanosoma cruzi, o parasita que causa a doença de Chagas. Os insetos alojados no imóvel de Boa Vista estão sendo analisados para verificar a infecção. Além de Roraima, o Triatoma maculata foi detectado na Colômbia, na Guiana, no Suriname e na Venezuela — nesse último país, é o segundo mais importante vetor de Chagas, depois do Rhodnius prolixus.

A pesquisadora, que investiga a presença do barbeiro em três municípios de Boa Vista para sua tese de doutorado, conta que esta é a primeira vez que se documenta o aparecimento do inseto em uma área urbana do estado. “Eu fui convidada a dar uma aula prática em um curso de capacitação. Havia relatos da existência do barbeiro nesse condomínio. Quando puxamos o tijolo do nicho do ar-condicionado, estava cheio do inseto”, conta. “E não é uma área periurbana; o condomínio fica numa rua importante de Boa Vista”, observa. Em apenas um dos oito buracos do tijolo, havia 127 barbeiros. Os outros nichos de ar-condicionado não foram inspecionados porque o objetivo da aula prática — encontrar o inseto no local — havia sido atingido.



Pombos
Segundo Alice Ricardo-Silva, provavelmente a presença do barbeiro no local está associada a um ninho de pombos, construído no nicho. “O Triatoma maculata parece ser ornitofílico; ele se alimenta de aves, e o pombo é uma ave urbana”, diz. Em áreas rurais, ele também é detectado em galinheiros e currais. A pesquisadora diz que o resultado do trabalho serve de alerta de que é preciso manter a vigilância sobre o vetor também nas áreas urbanas, focando no controle de pombos, que, atualmente, não são alvo das políticas de manejo. “Quanto mais próximo dos centros urbanos, mais próximo o inseto fica das pessoas”, lembra.

A professora Teresa Cristina Monte Gonçalves, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Vigilância Entomológica em Díptera e Hemíptera do Instituto Oswaldo Cruz e orientadora da tese de Alice Ricardo-Silva, destaca também a importância de se educar a população para o combate ao vetor. “Esse foi um achado importante. O fato de o Triatoma maculata ter sido encontrado em diferentes estágios de desenvolvimento (havia desde ovos a adultos) mostra que ele está bem estabelecido e tem condições de viver nesse local”, afirma. “A população deve estar atenta à presença do inseto e notificar a Secretaria de Saúde sempre. É muito importante a participação da comunidade. A situação de Roraima não é alarmante, mas mostra a necessidade de um novo olhar para essa situação”, diz.

"O fato de o Triatoma maculata ter sido encontrado em diferentes estágios de desenvolvimento (havia desde ovos a adultos) mostra que ele está bem estabelecido e tem condições de viver nesse local” - Teresa Cristina Monte Gonçalves, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Vigilância Entomológica em Díptera e Hemíptera do Instituto Oswaldo Cruz