Dilema do fim da licença-maternidade: deixar o bebê em casa ou colocar na escola?

por Valéria Mendes 10/10/2016 19:00

Eliza Nigro / Divulgação Instituto La Fontaine
"Inaugurar outro núcleo de convivência traz benefícios para as crianças em termos de desenvolvimento social e cognitivo em que novos laços afetivos são estabelecidos" - Patrícia Bagno, diretora pedagógica do Instituto La Fontaine (foto: Eliza Nigro / Divulgação Instituto La Fontaine)
O começo da vida de qualquer pessoa deve ser o tempo do afeto, do cuidado, das necessidades físicas e emocionais atendidas, de um olhar atento para aquele ser humano que está iniciando sua caminhada. Investir nos mil primeiros dias de cada bebê (da gestação até os 2 anos) deveria ser prioridade de qualquer nação. Não existe discórdia de que o melhor para a criança é ser cuidada pela mãe ou pelo pai. Infelizmente, a realidade brasileira é de uma licença-maternidade de até seis meses e, no caso deles, um afastamento do trabalho de, no máximo, 20 dias.



Algumas mulheres com condições socioeconômicas e culturais favoráveis têm optado por deixar o mercado de trabalho para se dedicar exclusivamente às crianças nos seus primeiros anos de vida. Mas a realidade é que, muito cedo, meninos e meninas são separados de suas famílias para ir para uma creche, berçário ou para ser cuidado por uma babá ou algum parente. Qual a melhor opção para o meu filho ou minha filha?



A resposta varia dependendo da perspectiva de quem avalia esse dilema de todas as famílias. A psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira considera que atualmente está cada vez mais raro conseguir uma profissional capacitada e de confiança para ficar com as crianças. “Muitas vezes, parentes e conhecidos – por mais confiáveis que sejam –, não têm conhecimento suficiente para cuidar devidamente de um bebê”, pondera. Nesse contexto, de acordo com a especialista, a melhor opção para as famílias seria a creche ou o berçário. “Mesmo por que essas instituições são regidas por normas técnicas de segurança e de higiene, além de terem que cumprir exigências quanto ao perfil profissional de seus cuidadores e ainda serem fiscalizadas pelos órgãos competentes”, salienta.

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
A psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira ressalta a importância da atenção e respeito à individualidade de cada criança (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

Por outro lado, a presidente do Comitê de Primeira Infância da Sociedade Mineira de Pediatra, Lais Valadares afirma que, do ponto de vista médico, 2 anos é a idade mínima para se pensar em expor uma criança ao ambiente escolar. “A criança saudável tem desenvolvimento imunológico maduro nessa idade”, diz. Em relação ao desenvolvimento e sociabilidade, a pediatra observa que “cada caso é único”. Para ela, “se o bebê tem uma babá responsável, afetiva ou algum familiar que possa fazer os cuidados maternos (e/ou paternos), com certeza ele não precisará de berçário. Em casa também é possível criar um ambiente adequado para o desenvolvimento infantil. A escola deve ser opção exclusivamente para famílias em que o casal trabalha em tempo integral e não tem melhores opções”, diz.


Para as famílias que optam por escolas, Cristina Silveira recomenda verificar as referências, visitar pessoalmente os locais, conhecer o programa de educação nutricional da instituição – e não só o pedagógico –, e, se possível, colher informações com as famílias de outras crianças já matriculadas.



ESTÍMULOS Uma boa escola de educação infantil deve estar atenta à individualidade de cada criança e essa é uma prática que deve ser regra em todos os aspectos dos cuidados. Por isso, muitas instituições têm abolido práticas como o desfralde coletivo e a imposição de uma rotina única de sono no berçário. Além disso, a importância do brincar na infância é um conhecimento que cada vez mais circula entre os educadores e, para além dos estímulos adequados a cada faixa etária para o desenvolvimento de habilidades motoras, cognitivas e sociais, a brincadeira deve ser prioridade no ambiente escolar.


A pediatra Lais Valadares reforça que, até os 5 anos, a criança não deve entrar em uma rotina de aulas e tarefas. “Isso a sobrecarrega e seu tempo deve ser respeitado. A criança até essa idade, para ter um desenvolvimento saudável, deve brincar, brincar e brincar”, salienta.

Luiz Carvalhar / Divulgação
"O berçário deve ser um espaço de educação compartilhada - além de agradável, de promover o bem-estar da criança e possibilitar brincadeiras e aprendizado -, é um lugar em que a família também precisa estar" - Gislaine Caetano Carvalhar, coordenadora pedagógica da escola Trilha da Criança (foto: Luiz Carvalhar / Divulgação )

Prazer de ir à escola
A empresária Liliane Espíndola, de 35 anos, mãe de Vitor, de 3, e Marina, de 1 ano e dez meses, está segura e tranquila em relação à sua decisão. Com o filho mais velho conseguiu ficar com ele até um ano e dois meses. Já a caçula foi para a escolinha aos sete meses. “Não cheguei a ter babá, tenho o privilégio de poder levar meus filhos para o trabalho. Apesar de não ter tido licença-maternidade, tenho flexibilidade”, diz.



Antes de fazer sua escolha visitou várias escolas da região onde mora e a decisão foi por uma instituição pequena, com poucas crianças e com espaço adequado ao número de alunos. A tradição em educação infantil também pesou na hora de se decidir. O lugar onde Vitor e Marina estudam tem 46 anos de história. “Realmente adoece, mas o meu parâmetro é o fato de os meus filhos gostarem e terem prazer de ir para a escola”, afirma.


Outro lado positivo para ela é a abertura que a escola dá para as famílias. Liliane conta que os filhos ficam em horário semi-integral, entram geralmente às 10h30 e saem às 17h30. Quando eles vão mais tarde, ela mesma pode dar o almoço às crianças e diz que pais e mães podem circular pela instituição. “As regras de portaria são muitos flexíveis e a relação é de muita transparência”, salienta.


Psicóloga, coordenadora pedagógica do berçário e do infantil e vice-diretora da escola Trilha da Criança, Gislaine Caetano Carvalhar reforça a importância de o acolhimento não ser apenas da criança, mas de a instituição acolher também a família. “Quando a mãe e o pai optam pelo berçário logo após o fim da licença-maternidade, é importante atentar para as demandas e angústias da família em aspectos que se referem ao brincar, à alimentação, ao desenvolvimento da criança. É uma fase de muitas mudanças como o início da introdução alimentar. O berçário deve ser um espaço de educação compartilhada – além de agradável, de promover o bem-estar da criança e possibilitar brincadeiras e aprendizado –, é um lugar em que a família também precisa estar”, acredita.


A educadora reforça que, apesar de todo berçário ter uma rotina de funcionamento, é preciso contemplar também a rotina individual e a história de cada criança. Na Trilha da Criança, além das professoras e ajudantes, um terapeuta ocupacional acompanha os bebês e o planejamento das atividades contempla ora o coletivo ora o indivíduo. “Cada bebê tem seu ritmo e por isso é imprescindível esse cuidado individual”, reforça.


Gislaine Caetano Carvalhar salienta ainda que os 1000 primeiros dias de vida de cada criança é um período em que se estabelecem habilidades e competências que serão levadas para o resto da vida. “Esse cuidado começa já na gestação e é um período de ouro, em que a criança senta, engatinha, anda, fala, se alimenta, é quando se dá o início da interação com o outro e a criança começa a fazer representações simbólicas das vivências que ela tem. A escola precisa auxiliá-la em todos os aspectos que envolvem o social, o cultural, o emocional e o físico-motor. Lidando com toda essa aprendizagem para compreender melhor o mundo”, salienta.



BERÇÁRIO

Espaço de socialização
Luiza D´Ávila, de 28 anos, é mãe de Beatriz, de 3, e postergou enquanto foi possível a entrada da garotinha na escola. Para isso, contou com o apoio financeiro da família. “Fiquei um ano e meio exclusivamente com ela, amamentei todo esse período por acreditar que é uma fase importante e especial para estar com a minha filha”, relata. A mãe decidiu que era chegada a hora de inserir a filha no ambiente escolar quando percebeu que ela precisava socializar mais e ter contato com outras crianças. “Ela era muito ligada a mim e vi que teria dificuldades para voltar a ter minha vida”, pontua.

Fabiano Aguiar/Arquivo Pessoal
A tatuadora Luiza D´Ávila, 28 anos, optou por adiar a entrada de Beatriz, 3, na escola e se dedicou exclusivamente à filha por 1 ano e 6 meses (foto: Fabiano Aguiar/Arquivo Pessoal)

Luiza, que é tatuadora, conta que em pouco tempo na escola a filha desenvolveu aspectos motores, a linguagem e certa autonomia. “Não acredito que uma babá vá contribuir em nada, prefiro deixar minha filha com uma profissional de educação”, diz. A escolha da escola foi, segundo ela, muito criteriosa pelo fato de o pai da filha ser jornalista e meticuloso. “Optei por uma escola menor que consegue dar uma atenção mais individualizada à criança”, conta.


Diretora pedagógica do Instituto La Fontaine, que recebe crianças de zero a 8 anos, Patrícia Bagno salienta as vantagens da escola. “O primeiro contato da criança é o núcleo familiar, inaugurar outro núcleo de convivência traz benefícios para as crianças em termos de desenvolvimento social e cognitivo em que novos laços afetivos são estabelecidos”, afirma. Além disso, segundo ela, a escola conta com uma equipe especializada em infância em que os estímulos são pertinentes para cada fase de desenvolvimento e, por isso, propiciam um desenvolvimento harmônico dos aspectos cognitivos, afetivos e sociais.


Patrícia Bagno ressalta a importância da valorização social do bebê. “Algo que prezamos e debatemos muito é a postura de sermos adultos e educadores afetivos e não, invasivos. É fundamental considerar o desenvolvimento de cada criança e não antecipar estímulos que bloqueiem o aprendizado, mas sim que ofereçamos desafios para que elas se desenvolvam no tempo deles. O estímulo deve ser pertinente à idade e a cada criança”, reforça.


A instituição que Patrícia coordena optou por separar o berçário da educação infantil. Assim, bebês até 2 anos ficam na ‘Casa Materna’ e, a partir dessa idade até o segundo ano do ensino fundamental, seguem para o ‘La Fontaine’. “Falo como diretora pedagógica, mas também como mãe. Cada escola tem seus pontos positivos e negativos e a sugestão que eu daria como critério de escolha é, além da visita à escola, ouvir as pessoas que trabalham lá. É uma questão de empatia. Confiar nos profissionais que vão cuidar dos seus filhos é muito importante. A escola deve dar abertura para que as famílias entrem e sejam recebidas quando precisam, que possam telefonar e ter notícia da criança. Para os bebês que ficam em horário integral, que a mãe e o pai possam passar na escola para dar um abraço na criança, ficar um tempo com ela. As palavras essenciais de uma boa relação entre escola e família são empatia e confiança. Se você confia, entrega com segurança”, resume.


Eliza Nigro / Divulgação Instituto La Fontaine
(foto: Eliza Nigro / Divulgação Instituto La Fontaine)

Mais velho ou o caçula?
Em uma mesma turma, a diferença de idade pode ser de até 9 meses entre uma criança e outra. Essa diferença é mais sentida quanto menores são os meninos e as meninas. Para ingressar no ensino fundamental, é necessário ter 6 anos completos até 30 de junho. O que geralmente se faz nas escolas é usar essa data como referência na educação infantil. Para Cristina Silveira, no entanto, as situações devem ser avaliadas individualmente. “Muitas vezes, por ser mais velha cronologicamente, não significa que a criança tenha maturidade psíquica para ser inserida em uma determinada turma. Tal inserção, nesse caso, pode trazer prejuízos emocionais fazendo com que a criança se sinta fora do contexto, isolada e pouca participativa no grupo. As consequências são baixo rendimento pedagógico e alterações comportamentais”, enumera.


O contrário, segundo ela, também é verdade: “Quando se trata de criança mais nova inserida em uma turma que não acompanhe a sua maturidade. Pode ocorrer regressão comportamental e atraso pedagógico”. Assim, o ideal é uma boa avaliação psicopedagógica do aluno ou da aluna com o objetivo de determinar o perfil psicológico, emocional e pedagógico de cada um para determinar o que é melhor em cada situação.



Lais Valadares, presidente do Comitê de Primeira Infância da Sociedade Mineira de Pediatra

O que fazer ao final da licença-maternidade é um dilema para toda mulher. Considerando que os contextos sociais são diversos – e é a minoria das mulheres que pode se afastar do mercado de trabalho –, o que é importante saber na hora de optar por uma babá ou um berçário?

No mundo contemporâneo, está mais difícil para as famílias o cuidado com os filhos, principalmente nos primeiros dois anos de vida. Sabemos a importância do apego e do vínculo nessa faixa etária para o pleno desenvolvimento infantil. O ideal seria se a mulher tivesse o direito trabalhista para cuidar de seus filhos até os 3 anos; idade melhor para o ingresso à escola, como ocorre em alguns países desenvolvidos. Aqui, já conseguimos aumentar a licença-maternidade para seis meses, mas ainda temos que lutar muito para prorrogá-la. O governo e gestores devem entender que a prioridade é a criança quando queremos uma sociedade melhor. No retorno da mulher ao trabalho e a decisão de com quem deixar os bebês, devemos lembrar sempre das necessidades das crianças e as possibilidades das famílias. As crianças têm que ser bem atendidas principalmente na questão afetiva e estímulos adequados. Na grande maioria das vezes, recebem isso da sua mãe, lembrando que os homens contemporâneos estão exercendo uma paternidade de qualidade e há casais que conseguem revezar os cuidados. Mas há famílias em que os dois precisam trabalhar em horário integral e precisam recorrer a terceiros. Quando isso ocorre, é preciso avaliar junto ao pediatra, a opção mais adequada para essa família, lembrando sempre que o bom desenvolvimento da criança será sempre prioridade para as escolhas. O afeto e o carinho são nutritivos e o nosso dever como cuidadores é dar possibilidade a ela de se tornar um adulto feliz.

Hoje, muito se tem falado sobre a importância dos mil primeiros dias de vida de uma pessoa. Você concorda que essa é realmente uma fase crucial do desenvolvimento humano? Por quê?

Os primeiros mil dias (270 de gravidez, 365 do primeiro ano e 365 do segundo ano), ou seja, os dois primeiros anos de vida de cada pessoa são extremamente importantes para o futuro da humanidade. A mulher teria que ter o direito trabalhista para cuidar de suas crianças nessa faixa etária. O verbo “desenvolver” significa sair do envolvimento e o ideal é que fosse feito em parceria com os pais. Os trabalhos científicos mostram que as sinapses neuronais aumentam até os 3 anos, e para que isso ocorra será necessário, além dos cuidados básicos, afeto e amor que vão propiciar a formação do apego seguro e dos vínculos familiares.




O Começo da Vida (2016)