As evidências científicas indicam que o homem já está sofrendo, na pele, as consequências das mudanças climáticas. Para o futuro, caso a tendência de emissões de gases do efeito estufa se mantenha, a Terra será um desafio para a saúde humana. Projeções baseadas nos cenários divulgados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas mostram que o aumento de temperatura — que tem atingido níveis recordes mês a mês neste ano — está associado a doenças infecciosas, pulmonares, cardiovasculares e a óbitos por ondas de calor.
De acordo com o IPCC, caso não seja feito nada para deter o avanço das emissões, no próximo século, a temperatura pode ficar 4ºC acima dos níveis pré-industriais, um quadro considerado extremo, mas não impossível. “É como a queda de um avião. É algo muito raro de acontecer.
O trabalho, produzido com a também investigadora da Fiocruz Sandra Hacon, faz parte do relatório Riscos de mudanças climáticas no Brasil e limites à adaptação, realizado com apoio da embaixada britânica no primeiro semestre. Com base em publicações do IPCC, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), do Banco Mundial e da Organização Mundial da Saúde, além de artigos científicos, as pesquisadoras investigaram os impactos diretos (estresse por calor, morte por eventos extremos), os indiretos (mortalidade e morbidade por todas as causas e causas específicas), a distribuição de enfermidades vetoriais e a vulnerabilidade sociodemográfica e econômica, tendo como modelo um país 4ºC mais quente que no fim do século 19.
As projeções para esse cenário são dramáticas. Entre 1999 e 2000 — período usado para a comparação no trabalho — a sensação térmica no país já não era das melhores: enquanto no Sul, no Sudeste, em partes da Bahia e no Distrito Federal o estresse térmico era moderado, o restante do Brasil sofria com estresse por calor forte. Em 2090, todas as regiões estarão sob estresse muito forte ou extremo. Nessa última condição, da qual apenas o litoral escapará, a sobrevivência humana é praticamente impossível. “Algumas vacas conseguem viver no estresse extremo. Vacas”, ressalta Beatriz Oliveira.
A enfermeira explica que estresse por calor é uma condição fisiológica que ocorre quando o organismo não consegue mais manter a temperatura corporal. “Quando você está em um ambiente muito quente, o seu corpo vai suar para tentar dissipar o calor e manter sua temperatura entre 36,5ºC a 37ºC. Quando você está em um ambiente muito quente e muito úmido, o corpo começa a ter dificuldade de dissipar esse calor. Então, vai chegar um momento em que o organismo não consegue mais se adaptar àquela condição climática. O corpo entra em colapso e pode acontecer morte.”
Idosos e pobres sofrerão mais
“À medida que a temperatura sobre, as ondas de calor se tornarão mais frequentes e também poderão ser mais duradouras e severas.
De infartos à zika
O cientista climático Bill Hare, presidente-executivo da organização australiana Instituto do Clima, adverte que o Brasil e o restante do mundo já podem ter uma ideia do que vem pela frente pela experiência australiana de 2009, quando o país sofreu sua pior onda de calor da história, com temperatura máxima até 15°C acima da média em Victoria, e os termômetros ultrapassando os 43ºC em Melbourne durante três dias.
Há duas semanas, o Instituto do Clima divulgou um novo relatório sobre os impactos do aquecimento global, mostrando que basta 0,5°C a mais na média de temperatura para piorar um cenário já drástico.
Em um futuro de temperaturas extremas, epidemias de doenças disseminadas por mosquitos, como o Aedes aegypit, poderão se intensificar. O calor excessivo no Norte e no Centro-Oeste devem afastar o vetor, mas, no resto do país, as condições se mantêm favoráveis à reprodução do mosquito. Contudo, é possível que uma espécie ainda não existente no Brasil, o Aedes albopictus, aproveite a falta de concorrência do Aedes aegypit para chegar ao país e transmitir os agentes patógenos de dengue, zika e chicungunha, por exemplo.
“Ele pode se tornar um potencial vetor. Alguns estudos mostram que ele é mais resistente a algumas condições ambientais, incluindo a temperatura. O ruim desse vetor é que o Aedes aegypit é urbano, mas o albopictus não. Ele transita tanto na área urbana quanto na rural, então pode tanto propagar essas doenças para a área rural como trazer novos vírus para dentro da cidade”, diz a pesquisadora..