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Corpo e mente em pane

Estamos todos exaustos: veja como identificar sinais do corpo e reorganizar a rotina

A celeridade do mundo moderno tem exigido muito tempo e desgastado a saúde física e mental das pessoas. Chega um momento em que elas não aguentam a pressão e entram em estado de fadiga

Gláucia Chaves
O estresse é o primeiro passo para o cansaço extremo - Foto: Giovani Mariani / DivulgaçãoA lista de atividades do dia parece não ter fim: trabalho, afazeres domésticos, estudo, filhos, animais de estimação.
Ter um momento de paz, sem nada urgente para resolver, já se transformou em uma lembrança distante. Falta energia e sobra sonolência durante o dia, mas, à noite, o sono não vem. A sensação é de estar no limite. Você se identificou? Saiba que não está sozinho! Atualmente, parece impossível encontrar alguém que não reclame de cansaço. A recomendação é sempre diminuir o ritmo, respirar e parar por alguns momentos até recuperar o ar. Mas se a estafa demorar a ir embora, preste atenção: pode ser o corpo avisando que não aguenta mais.

O estresse é o primeiro passo para o cansaço extremo. De acordo com uma pesquisa feita em 2015, pela International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), 72% dos brasileiros economicamente ativos sofrem com sequelas do problema, tais como dores musculares, distúrbios do sono e ansiedade.
Destes, 30% apresentam sintomas da Síndrome de Burnout, nome dado ao esgotamento físico e psicológico provocado pelo trabalho. A taxa da última análise feita pela entidade, em 2013, apontava 70% de afetados. O aumento foi pequeno, mas é preciso considerar que o índice que já era alto. A conclusão? Tal mal nos ronda não é de hoje.

De acordo com a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente e coordenadora de pesquisas da ISMA-BR, o estresse é uma adaptação e, como tal, seu impacto depende de como cada um encara as mudanças. “Não necessariamente é algo negativo. Pode ser por causa de uma viagem planejada, pela compra de um bem que a pessoa poupou para ter, uma promoção no trabalho”, enumera. O estresse, ainda que negativo, não é, necessariamente, uma doença. O problema é quando ele toma conta da vida, dos pensamentos, da rotina e acaba virando esgotamento.

O cansaço persistente em si já pode ser considerado um sintoma de algo que não vai bem, como considera Gabrielle Rezende, clínica geral do Hospital Santa Luzia. Não praticar nenhuma atividade física geralmente está no topo do ranking das origens da indisposição, mas a médica alerta que outras doenças podem se apresentar em forma de fadiga. É o caso de anemia, diabetes, problemas de tireoide ou apneia do sono. “Quando o cansaço começa a atrapalhar as atividades do cotidiano, é preciso procurar um médico para descobrir se a causa é orgânica ou se a introdução de um exercício físico seria suficiente para amenizar o sintoma”, completa a médica.

As crises de pânico de Hellen foram antecedidas por sintomas excessivos de cansaço. A opção foi buscar tratamento medicamentoso e uma pausa na rotina pesada - Foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Quando Hellen Cristina, 33 anos, percebeu que o cansaço que sentia não era normal, ela desfrutava do melhor momento da sua vida. Em 2008, se formava em turismo e seu estágio em um grande hotel da cidade já sinalizava uma contratação assim que o curso chegasse ao fim. Mesmo com a rotina pesada, equilibrando estudos, trabalho, vida conjugal e social, Hellen estava mais feliz que nunca.
Até que, um dia, sentiu falta de ar. “Sentia um bolo na garganta, achei que estava infartando, que desmaiaria”, descreve.

Na emergência do hospital, nada foi constatado. Os episódios, porém, não paravam de acontecer. Hellen passou a associar as crises ao trabalho no hotel. Elas se tornaram tão frequentes e insuportáveis que resolveu pedir demissão. “Uma médica me disse que era crise do pânico. Fiquei superchateada, porque era um momento superfeliz e não tinha nenhuma justificativa aparente.” A partir daí, a moça começou a fazer uma peregrinação por consultórios de terapeutas, psicólogos e psiquiatras, com as mais diversas formações e linhas de atuação. Pesquisou sobre sua condição, mas a vergonha de não ser compreendida a impedia de expor o assunto.

O isolamento parecia a única opção. A falta de apetite a fez perder peso. “Não queria fazer nada, só chorar”, relembra Hellen.
Um ano depois de iniciado o tratamento medicamentoso, ela aprendeu a reconhecer os sintomas que anunciavam as crises, mas reconhece: para sempre, terá que se observar. Qualquer episódio de morte, sobrecarga, estresse pode desencadear o problema. “Às vezes, não sei lidar com a situação de ter muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e entro em crise. Aí, recomeço o tratamento.” Tudo é uma bola de neve: o estresse em excesso causa depressão, que a deixa culpada por não produzir tudo o que poderia. A ansiedade, por sua vez, desencadeia a crise de pânico. “Sinto calafrios, impotência, dor no peito, uma sensação de que vou morrer. Meu corpo fica todo dolorido e rígido.”

Em seu episódio mais grave, Hellen ficou 48 horas seguidas sem pregar os olhos, mesmo tomando remédios para dormir. “Estava uma pilha. Meu corpo queria dormir, mas eu estava supernervosa, irritada, chorava por tudo.” Hoje, ela está em sua segunda graduação e estuda para se tornar veterinária. Para dar conta da rotina pesada sem se oprimir, abriu mão do trabalho formal, mas faz estágio. “Dizem que pessoas que se cobram muito, e dos outros, têm mais tendência a ter o quadro. Hoje em dia, consigo controlar, mas sempre procuro ajuda médica.” Durante os períodos mais difíceis é em seus dois cachorros e seis gatos que encontra forças para se levantar da cama. “Você quer sumir, mas, ao mesmo tempo, não se deixa ser egoísta. Eles precisam de mim e são minha terapia.”

Os gatilhos da canseira
Demandas intermináveis, prazos curtos, problemas com a chefia, ambiente de trabalho inóspito. As queixas com relação à rotina profissional são, para grande parte das pessoas, o principal estopim do estresse e, consequentemente, do cansaço sem fim. Some isso ao trânsito quase sempre caótico das grandes cidades e à tecnologia imediatista, que insiste em escravizar. Pronto! Está feita a receita perfeita para um ataque de nervos. “Apesar das facilidades tecnológicas, que supostamente nos dariam mais tempo livre por simplificar o trabalho, estamos cada vez mais envolvidos e bombardeados com problemas do cotidiano”, reforça o psicólogo Bernardo Cherulli.

Entender a diferença entre cansaço, fadiga e estresse também é bom para ajudar a auto-observação - Foto: Ana Ulian / Divulgação O que cansa um, no entanto, pode não sobrecarregar o outro. Mas, é fato que a exigência pessoal — com metas muitas vezes não realistas —, e as relações sociais não satisfatórias estão sempre entre as causas mais citadas pelos pacientes como causas da exaustão, de acordo com Bernardo Cherulli.

Entender a diferença entre cansaço, fadiga e estresse também é bom para ajudar a auto-observação. Se há falta de energia para completar as tarefas, mas, ainda assim, elas são realizadas, você provavelmente está só cansado. Uma pausa para descansar e está tudo certo. Já a fadiga é um pouco mais incapacitante: o indivíduo tenta cumprir a obrigação, mas não encontra energia necessária para executá-la. “Normalmente, isso acontece por acúmulo de cansaço ou por uma tarefa específica que o esgotou”, explica o especialista. Adiar constantemente tarefas importantes e não se sentir descansado após noite de sono também pode ser sinais do problema.

“Estresse é a ansiedade gerada por uma situação a qual o indivíduo está passando por não ter o repertório necessário para realizá-la, ou por não perceber que tem esse repertório”, completa Cherulli. “O problema é sempre precedido por pensamentos pessimistas sobre o futuro, nos quais o sujeito acredita que algo ruim acontecerá e que não pode fazer nada para solucionar”, acrescenta

A Síndrome de Burnout (“algo que queima até não sobrar nada”, em tradução livre do inglês) é um dos sintomas do excesso de estímulos e  da vida moderna (veja quadro). Embora o termo tenha sido cunhado para descrever situações relacionadas ao trabalho, de acordo com Mario Louzã — médico psiquiatra, doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg (Alemanha) e membro filiado do Instituto de Psicanálise, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) — a sobrecarga emocional em outras circunstâncias da vida também podem contribuir para o aparecimento do problema. “Se você imaginar a dupla ou tripla jornada de trabalho, que acontece principalmente com as mulheres, você tem uma situação onde a pessoa praticamente só trabalha e dorme”, explica. “Isso, a longo prazo, pode levar a uma situação de esgotamento. Sem o equilíbrio entre esforço físico e mental, o corpo entra em falência.”

A diferença entre estar exausto ou no limite da estafa é o dia seguinte: se nem uma noite de sono foi capaz de reparar o corpo e a mente, é sinal de que o problema pode ser mais grave. “No Burnout, é como se a bateria arriasse”, compara o médico. Além da fadiga, a falta de rendimento, de interesse e de motivação para trabalhar começa a apertar. O diagnóstico, inclusive, precisa ter também os sintomas físicos para se confirmar. Novamente, a tecnologia entra como um agravante. Se antes as pessoas tinham horários fixos para se dedicar ao trabalho, com as redes sociais e a conectividade permanente, o trabalho não acaba quando se chega em casa. “Se você trabalha todos os dias até de madrugada, em algum momento o organismo vai avisar que não está aguentando.”

Ironicamente, o que se esperava das facilidades da internet era justamente que trabalho ficasse mais ágil e, assim, sobrasse mais tempo livre para outras atividades. Só que agora, o mundo conectado cobra resultados mais rápidos e com prazos cada vez mais enxutos. “O mundo acelerou. Antigamente, você mandava uma carta e ela demorava dois, três dias para chegar e outros três para a pessoa responder e te enviar. Hoje, se não te respondem um e-mail ou uma mensagem em cinco minutos, você já fica estressado”, compara Mario Louzã. “Isso tem um impacto na vida da pessoa, que está sempre em estado de alerta.”

Síndrome de Burnout
Fonte: Mario Louzã, médico psiquiatra, doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg (Alemanha) e membro filiado do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).


Equilíbrio: a tábua de salvação
A válvula de escape para o cansaço parece óbvia: descanso. Mas balancear trabalho, vida pessoal e outras atividades a fim de conseguir diminuir a marcha é uma tarefa complexa e, muitas vezes, um problema que não pode ser resolvido de uma hora para outra. De qualquer forma, é imperativo incluir atividades prazerosas na rotina: “Exercícios físicos leves, uma dieta balanceada e boa vida social ajudam bastante no bem-estar”, enumera o psicólogo Bernardo Cherulli. Se o cansaço já está instaurado, contudo, procurar apoio profissional deve ser a primeira providência. “É recomendável buscar ajuda psicoterápica para não piorar e chegar, inclusive, a casos de depressão ou de ansiedade”, reforça o especialista.

Não alimentar pensamentos negativos, destrutivos ou angustiantes, por mais difícil que seja, é uma forma poderosa de treinar o autocontrole - Foto: Giovani Mariani / DivulgaçãoAprender a organizar melhor o próprio tempo, isoladamente, não resolve o problema, mas é um importante aliado na prevenção do cansaço excessivo. Não se comprometer com mais tarefas novas, por exemplo, é uma boa forma de começar a colocar as coisas que ainda estão pendentes no lugar. Pode acontecer, também, de a organização se tornar uma espécie de inimigo às avessas. Em outras palavras: a pessoa recebe mais coisas para fazer, justamente, por ser organizada e terminar o trabalho antes do previsto. “Isso cria uma situação delicada. A pessoa acaba aceitando uma carga extra para não se tornar desempregada, o que é outra fonte de estresse”, analisa Mario Louzã.

É impossível viver sem tensão, porém. Lutar contra é inútil, mas desenvolver a habilidade de viver em harmonia e desapego do controle não só é possível, como essencial. “O nível elevado de estresse pode resultar em doenças. Se a pessoa tem muita dor de cabeça, por exemplo, pode desenvolver uma dor crônica”, reforça a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente e coordenadora de pesquisas da ISMA-BR. A pressão arterial que se eleva pode se tornar hipertensão; a acidez do sistema gastrointestinal, que muda dependendo do nosso humor, pode se transformar em uma úlcera, e por aí vai.

A má notícia é que não existe uma forma de se livrar do cansaço e da exaustão de uma hora para outra. É importante que a pessoa tenha claro o objetivo de diminuir os danos causados pelo excesso de tarefas. Afinal, as demandas e pressões atuais são muitas e não tendem a desacelerar. “A pessoa precisa identificar quais situações que causam estresse e, dessas, separar quais ela não tem controle para mudar”, ensina Ana Maria Rossi. Se não está sob o seu controle, de que adianta se desesperar?

Racionalizar a situação é outra alternativa. Não alimentar pensamentos negativos, destrutivos ou angustiantes, por mais difícil que seja, é uma forma poderosa de treinar o autocontrole, ou seja, se você faz o estilo “por que tudo acontece comigo?”, é bom repensar a postura. “A pessoa fica muito problematizada”, reforça a especialista.

Já se sente no controle da situação, porém? Então, o próximo passo é pensar em um plano de ação. “Se te incomoda chegar atrasada ao trabalho, pense em uma rota alternativa, saia mais cedo. Quando você tem o controle, precisa que isso gere uma ação.” Para momentos de desespero, técnicas de respiração também são boas opções para voltar aos eixos (veja quadro).

Sophia de Oliveira Rodrigues da Costa, 34 anos, aprendeu a se controlar a duras penas. Além de dividir seu tempo entre trabalho, afazeres domésticos, cuidado com os dois filhos (de 1 e 5 anos), e tempo com seu marido; a advogada ainda precisava encontrar um momento para encaixar na agenda o trabalho voluntário da igreja. “Não era um cansaço só da rotina. Eu chegava a ter dores físicas, minha mente dava ‘brancos’. Os conhecimentos pareciam evaporar.” As crises de choro eram constantes e, quase sempre, sem nenhum motivo aparente.

Por mais que dormisse, Sophia não acordava descansada. Desesperada, procurou inúmeros vários médicos, entre ginecologistas, endocrinologistas e clínicos gerais. Os três primeiros não chegaram a nenhum diagnóstico. Sophia resolveu tentar terapia, mas a psicóloga não deu nenhuma análise mais animadora. O jeito foi apelar para o grupo de orações. Lá, uma amiga se identificou com os sintomas descritos por Sophia. “Ela disse que já tinha passado por tudo isso e me indicou um nutrólogo que trabalha com medicina ortomolecular”, relembra. Assim que pisou no consultório dele, Sophia desabou a chorar. “Eu já não aguentava mais. Pedi a Deus que aquele médico me desse atenção de fato, que eu não precisasse contar tudo de novo para não ter resposta alguma.”

O especialista analisou a bateria de exames que Sophia já havia feito com outros médicos. “Ele me disse que meus exames estavam dentro dos valores de referência da medicina tradicional, mas que estes valores estão defasados em pelo menos 50 anos na medicina ortomolecular”, explica Sophia. Segundo o médico, a tireoide da paciente estava atrofiada há, pelo menos, três anos. “Foi quando ele me passou um tratamento de reposição hormonal da tireoide e de testosterona. Depois disso, tudo mudou.”

Dores musculares, distúrbios do sono e alterações gastrointestinais são sinais de estresse - Foto: CB / D.A PressA resolução do problema hormonal significou, também, o fim da canseira sem fim. Mas outras coisas precisaram mudar na rotina para manter o equilíbrio alcançado por meio do tratamento. “Depois do WhatsApp, percebo que, além de ter uma rotina puxada, a gente não se desconecta nunca”, explica. “Estamos sempre conectados e eu não me desligo dos problemas de ninguém, das notícias. Isso cansa minha mente.” Os exercícios físicos também passaram a fazer parte da rotina dela. Sophia e o marido começaram a fazer dança de salão. “Agora, tenho muito mais gás para fazer tudo o que eu fazia, sem me sentir mal.”

Um inimigo chamado estresse

Fonte: Ana Maria Rossi, presidente e coordenadora de pesquisas da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR)

Respirando fundo


Fonte: Bernardo Cherulli, psicólogo..