Em 2013, o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia e a Sociedade de Medicina Fetal dos Estados Unidos elaboraram uma subdivisão que define o que é considerado gestação a termo e o que não é: bebê que nasce de 37 a 38 semanas e 6 dias é “termo precoce”; bebê que nasce de 39 a 40 semanas e 6 dias é classificado “termo completo”; bebê que nasce de 41 a 41 semanas e 6 dias é chamado “termo tardio” e bebê que nasce depois de 42 semanas, “pós-termo”. A expectativa é de que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) passe a adotar essa definição.
Seis dias depois de publicada a resolução do CFM, o deputado federal Victorio Galli (PSC-Mato Grosso) protocolou o projeto de lei nº 5687/2016 na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). O PL que “dispõe sobre o direito de pedido de cesariana à gestante ao completar no mínimo 37 semanas de gestação” gerou revolta entre as mulheres, mães e ativistas que lutam para garantir uma boa assistência ao parto normal e combater a cultura da cesariana que é uma realidade no Brasil. “É um projeto de lei absurdo em termos do conhecimento atual. É a prova de uma banalização maior da cultura da cesariana, da ideia de que tanto faz cesariana quanto parto normal. Em nome de uma pretensa autonomia da mulher, a indústria da cesariana vem se mostrando mais forte. Em uma relação hierárquica desigual, como é a relação médico-paciente, não se pode falar em autonomia”, resume a pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky.
A Associação Artemis, organização não governamental que atua na defesa dos direitos da mulher, formulou denúncia na CSSF, para onde o projeto de lei foi encaminhado, e mobiliza a ‘Marcha Contra PL da Prematuridade’, simultaneamente, em várias cidades brasileiras para este domingo, 10 de julho. Em Belo Horizonte, o ato está marcado para 14h, no Parque Municipal, e é organizado pelos grupos Gestar, Ishtar BH, Parto do Princípio e Ong Bem Nascer. “Só se pode dizer que uma mulher tem autonomia sobre o próprio corpo se ela souber 100% o que acontece no corpo dela a partir da cesariana. A autonomia não pode estar desacompanhada de informação de qualidade”, defende a diretora de relações legislativas da Associação Artemis, Valéria Sousa.
O decreto 20.931, de 1932, que disciplina o exercício da medicina no Brasil diz que é vedado ao profissional médico interromper a gestação sem motivo terapêutico. Se houver necessidade clínica, essa interrupção deve ser justificada por junta médica. “Ou seja, precisa de segunda opinião e precisa de motivo clínico. Assim, o PL que autoriza cesariana com 37 semanas contraria a legislação”, explica a advogada.
A doula, coordenadora do Ishtar BH e ativista pelo parto normal, Polly do Amaral, afirma que “dizer que a mulher tem direito a optar por uma cesariana porque deve ter autonomia é uma fraude porque, na verdade, ela assina um monte de documentos que nem lê. O profissional deveria ser obrigado durante todo o pré-natal a informar sobre os riscos da cesariana e benefícios do parto normal baseados em estudos científicos, mas eles estão contaminados pela lógica de uma assistência obstétrica que só vai replicando processos sem questionar o que é benéfico para a mulher e para a criança. E as mulheres que querem ter direito a um parto normal bem assistido com as melhores práticas evidenciadas pela ciência?”, questiona.
Riscos para o bebê
Segundo o Ministério da Saúde, a cesariana aumenta em até 120 vezes a probabilidade de o bebê nascer prematuro e ter a síndrome de angústia respiratória. “Quando se pensa em infância, as principais condições de risco são a prematuridade e o baixo peso ao nascer - que geralmente andam juntos. Um bebê prematuro tem 20 vezes mais chances de morrer do que um bebê nascido a termo. É um risco enorme tirar, do útero da mãe, um bebê que não está pronto. Os riscos de mortalidade e morbidade são constatações científicas apontadas décadas atrás. Por isso, temos o dever de proteger ao máximo o bebê intraútero para garantir que ele amadureça tudo o que é necessário e desenvolva plenamente todos os seus sistemas: pulmonar, nervoso, intestinal”, enumera Sônia Lansky.
A pediatra reforça que a marca de 37 semanas é meramente administrativa e não é indicação de que um bebê está pronto para vir ao mundo. “Nenhum método existente é capaz de medir com precisão a idade gestacional do bebê.
Sônia Lansky lembra ainda que 2/3 dos bebês vão entrar em trabalho de parto até 39 semanas, mas os outros 1/3, não. Esses podem ir até 41 semanas e seis dias. Ou seja, mesmo a marca de 39 semanas não garante a maturidade completa do feto. “O que as evidências científicas mostram é que, depois de 39 semanas, não tem diferença de risco de mortalidade, mas de morbidade, sim. Ou seja, na vida adulta essas crianças são mais propensas à obesidade, hipertensão e alergia. Além disso, estudos mostram que, durante o trabalho de parto, o bebê se beneficia dos hormônios da mãe para finalizar seu desenvolvimento”, explica.
Segundo a especialista, o Brasil, principalmente na rede privada, vive um desvio na curva do peso ao nascer. “Não conseguimos mais atingir a marca de 3 quilos (média de normalidade de bebê nascido a termo) em razão de cesariana eletiva e sem justificativa”, cita Sônia Lansky.
Um bebê prematuro ou um bebê imaturo, ainda de acordo com ela, que vai para a UTI neonatal tem risco maior de icterícia, distúrbio de deglutição que dificulta o aleitamento materno, dificuldades de linguagem. “Internado, ele fica longe do colo da mãe, essa separação dificulta o estabelecimento de vínculo, impede o contato pele a pele e interfere na imunidade”, pontua.
Riscos para mãe
A cesariana sem indicação aumenta em três vezes o risco de mortalidade materna em relação ao parto normal. O Brasil não conseguiu atingir a meta número cinco dos Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e previstos para 2015, que incluía a redução dessa taxa. Além disso, segundo a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, existe o risco reprodutivo. “A cicatriz no útero em razão do corte da cesariana pode tanto ocasionar uma implantação anômala da placenta como aumenta o risco de morte intraútero do bebê em gestações futuras”, salienta Sônia Lansky.
Além de garantir, para o bebê, o marco de 39 semanas para cesariana eletiva, o Brasil precisa oferecer uma boa assistência ao parto normal, reduzir as taxas de cesariana e mudar a cultura de que essa cirurgia é um procedimento simples, controlado e sem risco. Valéria Sousa explica que a carta-denúncia elaborada pela Artemis e encaminhada à Comissão de Seguridade Social e Família tem o propósito de mostrar que o projeto de lei é uma violação de direitos humanos por ser um risco para a mulher e o bebê e também é uma forma de promover uma discussão mais madura sobre a forma como se nasce no país.
Na internet, uma petição pública está coletando assinaturas contra o projeto proposto pelo deputado Victorio Galli (clique aqui se quiser apoiar). .