Idosos e crianças são extremamente vulneráveis à pneumonia

Brasileiros e outros latinos desconhecem que a doença é uma inimiga mortal da velhice e não se vacinam contra ela, indica estudo feito em sete países. Especialistas lamentam a falta de políticas para melhorar a imunização

por Paloma Oliveto 27/06/2016 14:00
Cidade do México — Quando se pensa nas doenças associadas ao envelhecimento, as que vêm à mente são as neurodegenerativas, as articulares, as cardiovasculares... Poucas pessoas se lembram da pneumonia, a mais letal das enfermidades infecciosas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao lado das crianças, pessoas acima de 50 anos — especialmente depois dos 65 — são extremamente vulneráveis a essa inflamação dos pulmões. Enquanto os pequenos sofrem porque não têm o sistema imunológico totalmente desenvolvido, nos mais velhos, as defesas do organismo começam a perder força, fazendo da Streptococcos pneumoniae, principal bactéria transmissora, um inimigo mortal.

Os próprios adultos e idosos desconhecem esse fato, segundo um estudo inédito encomendado pela farmacêutica Pfizer e realizado entre março e abril com 3.253 latino-americanos acima de 50 anos, ouvidos na Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia, na Costa Rica, no México e no Peru. Embora, na região, a taxa de mortalidade por pneumonia seja de pelo menos 12% — percentual considerado subestimado por problemas de subnotificação —, um terço dos entrevistados sequer sabe o que é a doença. Mesmo 54% dizendo que se preocupam com a enfermidade, 71% acreditam que não estão em risco. No Brasil, a realidade não é diferente da média (veja infografia).

O nível de desconhecimento entre a população ouvida é alto também quanto à prevenção. Apenas 41% — no Brasil, 51% — sabem que existe uma vacina, e menos da metade está consciente de que a imunização é recomendada para a sua faixa etária. “Nos últimos 50 anos, mesmo melhorando os tratamentos e os medicamentos para pneumonia, a mortalidade associada à doença continua estável, variando de 11% a 13%. Então, essa mentalidade de tratamento não funciona, não muda o resultado final, pois as pessoas continuam morrendo. Apesar de a vacina estar disponível de graça na maioria dos lugares, as pessoas não se vacinam”, lamenta o infectologista Alejandro Cané, chefe de Assuntos Médicos e científicos da Pfizer.

Valdo Virgo / CB / D.A Press
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No Brasil, o calendário nacional de vacinação do Ministério da Saúde não inclui a vacina pneumocócica 23-valente (protege contra 23 cepas da bactéria) para a população de idosos como um todo. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, o Sistema Único de Saúde (SUS) só oferece essa imunização para maiores de 60 anos que se encontram internados em casas geriátricas, casas de repouso, asilos e hospitais. Nesse grupo, foram aplicadas 192.400 doses da vacina em 2015 — o esquema de imunização é de dose única, não sendo necessário repeti-la anualmente.

Já quanto à imunização contra influenza, os idosos com mais de 60 estão no grupo prioritário do calendário nacional. A associação entre o vírus da gripe e o pneumococo é comum, por isso, a vacina antigripal também ajuda a reduzir os riscos de se contrair pneumonia, com uma eficácia de 40% a 50%. O ideal, segundo especialistas, é que, para a prevenção da doença infecciosa, os mais velhos recebam as duas vacinas, concomitantemente. De acordo com a OMS, a imunização específica contra a pneumonia poderia evitar de 2 milhões a 3 milhões de mortes por ano, em todos os grupos etários. O SUS garante a pneumocócica 10-valente (protege contra 10 cepas da bactéria) para crianças. Uma vez imunizada, a pessoa está protegida para o resto da vida.

Custo alto

O diretor de relações internacionais e corporativas da Federação Internacional do Envelhecimento, Gregory Shaw, lamenta que o acesso dos idosos à imunização contra pneumonia não seja universal. “Melhorar a cobertura de vacinação leva à melhora da saúde do indivíduo a custos mais baixos. Nós sabemos que os que têm pneumonia ficarão internados nos hospitais, e isso terá gastos muito grandes. O retorno financeiro das vacinas geralmente vem em 10 anos, e muitos políticos querem resultados mais rápidos”, diz.

Segundo uma pesquisa sobre o impacto econômico da pneumonia nos sistemas de saúde da América Latina, realizado pelo Instituto Sabin, pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), pela Universidade de Johns Hopkins e pelo Centro de Prevenção e de Doenças dos Estados Unidos (CDC), enquanto no Brasil o custo do tratamento da doença para crianças e adolescentes de 5 a 17 anos é de US$ 933 por paciente, o valor passa para US$ 1.274 na faixa de 18 a 64 anos, e sobe para US$ 1.746 depois dos 65. Boa parte desses valores, 45%, é consumida pelas internações. No ano passado, pessoas com mais de 50 anos corresponderam a 45,7% dos 626.321 hospitalizados por pneumonia nas instituições ligadas ao SUS. Já crianças de até 4 anos com a mesma doença representaram 30,7% das internações.

“Nos últimos 50 anos, mesmo melhorando os tratamentos e os medicamentos para pneumonia, a mortalidade associada à doença continua estável, variando de 11% a 13%. Então, essa mentalidade de tratamento não funciona, não muda o resultado final, pois as pessoas continuam morrendo” - Alejandro Cané, infectologista e chefe de Assuntos Médicos e científicos da Pfizer


Falta orientação médica

Ao investigar o desconhecimento dos adultos e dos idosos latinos a respeito da prevenção da pneumonia, o estudo encomendado pela Pfizer constatou que os principais responsáveis são os próprios médicos. Eles são a fonte crucial sobre os programas de vacinação, de acordo com 66% dos entrevistados, que afirmaram seguir o conselho de seus especialistas quanto à imunização. Entre os que conheciam a existência da vacina, mas não estavam imunizados, 65% disseram que não se protegeram porque o médico não havia feito essa recomendação.

“Se nem a população nem os médicos valorizam a doença, temos um problema grande. A única forma de mudar isso é educar os médicos para que eles possam informar os pacientes”, observa Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), entidade científica formada por médicos de várias especialidades.

Embora o calendário do Ministério da Saúde não inclua a pneumocócica para idosos, a Sbim recomenda, em seu calendário, a 13-valente e a 23-valente no seguinte esquema: começar com uma dose da 13-valente, seguida por uma da 23-valente de seis a 12 meses depois.Passados cinco anos, fazer mais uma dose da 23-valente. Essas vacinas podem ser tomadas por idosos nas clínicas particular.

Desafio urgente
Para a ex-ministra de saúde da Costa Rica María Luisa Ávila-Agüero, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Nacional de Crianças Dr. Carlos Sáenz Herrera, em San José, a América Latina precisa se preocupar mais com a imunização de idosos, à medida que a população do continente está envelhecendo rapidamente. No Brasil, as pessoas com mais de 50 anos eram 12% na década de 1980, passando para 20% em 2010, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Quando uma criança vai consultar, já sai com todas as vacinas tomadas. Os médicos de adultos devem entender que a vacina é um bem comum. Ninguém é velho demais que não precise ser imunizado”, observa Ávila-Agüero. “As pessoas perderam o medo das doenças. Não podemos espalhar pânico, mas temos de valorizar a pneumomia, explicando bem ao paciente. Infelizmente, muitos profissionais de saúde têm dúvidas sobre vacinas e nem sabem que há um calendário para adultos”, completa Isabela Ballalai.

Defesa estimulada
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária deve aprovar, ainda neste ano, a Prevenar 13, vacina conjugada que protege contra 13 sorotipos da bactéria pneumococo para adultos de 18 a 49 anos. Lançada há sete anos, a imunização do laboratório Pfizer é indicada para crianças e jovens de 2 meses a 17 anos e maiores de 50. Com a liberação da Anvisa, ela passará a ser universal. A vacina é a única para pneumonia que estimula a produção de linfócitos T, as células de defesa do organismo.

*A repórter viajou a convite da Pfizer