'Albinismo além do que se vê': projeto quer dar visibilidade ao assunto e combater preconceitos

Apenas uma em cada 20 mil pessoas no mundo apresenta alguma forma de albinismo, o que torna essa característica algo raro

por Carolina Cotta 13/06/2016 13:00
Gustavo Lacerda/Divulgação
Roberto Biscaro, albino ativista (foto: Gustavo Lacerda/Divulgação)
Nesta segunda-feira (13/06), a Sociedade Brasileira de Dermatologia chama a atenção para o Dia Mundial de Conscientização do Albinismo. Em um evento para 200 pacientes da Santa Casa de São Paulo, intitulado “Albinismo além do que se vê”, a entidade promoverá palestras e uma confraternização. A ideia é exaltar os talentos e conquistas das pessoas com albinismo e promover a união pela luta contra os desafios que os portadores enfrentam, antecipando as comemorações do Dia Mundial do Albino, em 13 de junho, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado.

O músico Hermeto Pascoal é o embaixador do projeto e também mostrará sua aceitação e superação do problema. Em depoimento ao projeto, ele declarou que gosta muito de sua cor. “Acho que ela me influencia para fazer muitas coisas. Nunca senti preconceito, porque quem sente preconceito não se sente feliz com si próprio. Os momentos que são aparentemente mais difíceis, para mim são os mais maravilhosos. Porque são a provação. O mundo é provação”, disse o artista. Mas nem todos os albinos reagem tão positivamente. Afinal, é algo que não passa desapercebido.

Apenas uma em cada 20 mil pessoas no mundo apresenta alguma forma de albinismo, o que torna essa característica algo raro. O albinismo é a incapacidade de um indivíduo em produzir melanina, que é um filtro solar natural e que dá cor à pele, pelos, cabelos e olhos. Além disso, o albino não consegue se defender da exposição ao Sol e a consequência imediata é a queimadura solar, principalmente na infância quando o controle é mais difícil. Sem a prevenção, os pacientes envelhecem precocemente e desenvolvem cânceres da pele agressivos e precoces.

Gabriel Gontijo, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reforça que a principal intenção da ação é, além de conscientizar a sociedade, garantir atendimento de excelência e assistência necessária aos portadores de albinismo, pessoas que ainda sofrem com falta de acesso à saúde e informação. Doutor em literatura, o professor Roberto Bíscaro, de 49 anos, autor do blog Albino Incoerente, vem abordando os desafios e a superação de viver com albinismo.

Divulgação
Hermeto Pascoal é o embaixador do projeto "Albinismo além do que se vê" (foto: Divulgação)
Único albino em sua família, ele hoje lida bem com a condição, mas nem sempre foi assim. “Na minha infância eu não tinha noção do nome ou das implicações do albinismo. Não se falava sobre isso em minha casa, mas nunca fui rejeitado. Também não falava sobre isso com ninguém. Sabia, por experiência própria, que não podia tomar sol. Eu me percebia como diferente e sofri muito bullying. Cheguei a ser agredido fisicamente. No passado, foi um problema sim. As pessoas nunca me deixavam esquecer que eu era diferente. Então, era revoltado e chorava muito. Hoje, adulto, tudo mudou”, desabafa.

Roberto se queixa da falta de atenção e recursos para esses pacientes. “Um albino com pouca condição financeira tem muita dificuldade de se cuidar. Precisamos de protetores solar, que precisam ser de alto fator de proteção. As roupas especiais, com proteção aos raios solares, também são caras”, lamenta. Segundo Gabriel Gontijo, o problema é que no Brasil os protetores solares são vistos como cosméticos e não como medicamentos. Isso atrapalha o controle de preço. Usar adequadamente os fatores de proteção é o que pode garantir mais qualidade de vida aos albinos.

GENÉTICA
O albinismo óculo cutâneo é uma anomalia genética rara. Segundo Gabriel Gontijo, a condição é determinada por um defeito genético que pode ser hereditário. “É essa herança que determina a propagação de pai para filho é autossômica recessiva, ou seja, ela não é ligada ao sexo, tanto homem quanto mulher podem adquirir o defeito do gene. E é recessiva porque a cada quatro filhos, um tem mais chance de nascer albino”, explica. É por isso que é comum albinos gêmeos. Hermeto Pascoal é um exemplo. Seu irmão gêmeo tem a mesma condição. Fatores raciais e casamentos consanguíneos favorecem a anomalia.

Segundo o especialista, o albino tem o melanócito, a célula que produz a melanina, a “nossa tinta”, mas não consegue produzi-la por causa de um defeito em uma enzima específica. “Com isso eles perdem a proteção natural e envelhecem mais precocemente. Se não tiverem cuidados, têm mais chance de câncer de pele, o carcinoma espinocelular, que é agressivo, pode dar metástase e levar à morte. Mas o câncer é evitável, daí a importância dessa campanha que quer conscientizar essa população específica, mas também a sociedade porque ainda há muito preconceito e estigma.

REFERÊNCIA EM CUIDADOS
Há seis anos, a Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo e o Departamento de Oftalmologia instituíram o Programa Piloto Pró Albino, que trata cerca de 200 pacientes. O objetivo é reduzir as repercussões físicas do albinismo por meio da prevenção e detecção precoce das doenças dermatológicas que possam ocorrer no paciente. Segundo Marcus Maia, dermatologista responsável pelo programa, a população albina é pequena, porém totalmente sem assistência, mesmo nos grandes centros. Segundo o especialista, com uma assistência adequada, é possível modificar o curso da doença.

Mais políticas de atenção a esse grupo permitiriam “tratar as comorbidades quando presentes e melhor compreender a forma que incide no Brasil, a fim de trazer benefícios ao paciente e seus familiares, minimizando ainda o estigma e o preconceito relacionados à doença”, explica. Paradoxalmente, esse grupo de pessoas que chama atenção por onde passa ainda não conseguiu chamar a atenção das autoridades. O resultado é uma assistência precária. “O governo deveria oferecer o protetor solar, por exemplo. Usamos muito e é um produto caro, já que precisamos dos maiores fatores de proteção”, diz Roberto.

Por isso mesmo, durante o evento “Albinismo além do que se vê” será gravado um documentário para ser divulgado nas redes sociais e enviado para entidades públicas e privadas ligadas à causa. O material da comemoração exibe ainda fotos da obra Albinos, do fotógrafo Gustavo Lacerda, parte vencedor de prêmios como Conrado Wessel, além de ser parte do acervo do Masp. “Percebi que, além da riqueza estética, havia questões importantes, como a invisibilidade social e a fotofobia, sendo que a fotografia é essencialmente luz. Fui me envolvendo e o projeto foi crescendo, não imaginava aprofundar tanto”, conta Gustavo.

SINTOMAS DO ALBINISMO
Na pele
» É o principal sinal para identificação do albinismo. A pele pode variar em diferentes tons, do branco ao marrom. Para algumas pessoas com albinismo, a pigmentação da pele não muda nunca. Para outras, pode aumentar com o passar do tempo, principalmente durante a infância e a adolescência.

No cabelo
» A cor varia de tons muito brancos até o castanho (depende da quantidade de melanina produzida). Albinos com ascendência africana ou asiática podem apresentar cabelo louro, ruivo ou castanho. A cor do cabelo também pode escurecer com o passar dos anos, conforme aumenta a produção de melanina.

Nos olhos
» A cor dos olhos de uma pessoa com albinismo pode variar do azul muito claro ao castanho e, assim como a cor da pele e do cabelo, também pode mudar com a idade. O albinismo costuma levar ao surgimento de sinais e sintomas diretamente relacionados à visão, como o movimento rápido e involuntário dos olhos, estrabismo, miopia, hipermetropia, fotofobia e outros.

DIANÓSTICO
» Para análise completa é necessário exame físico, oftalmológico minucioso e comparação da pigmentação da pele e do cabelo com a de membros da mesma família. Em geral, é possível determinar um caso de albinismo apenas por meio da observação clínica, uma vez que a maioria dos casos leva ao desenvolvimento de sintomas bastante característicos.

TRATAMENTO
» Para tratar do albinismo é necessário atendimento oftalmológico e dermatológico adequados. É imprescindível acompanhar os sinais na pele buscando detectar possíveis anormalidades e indícios do surgimento de lesões que possam levar ao câncer da pele, uma das principais complicações do albinismo.

CUIDADOS
» Os pacientes devem tomar uma série de medidas de autocuidado para evitar complicações decorrentes do albinismo. O uso de filtro solar é essencial. Além disso, é importante que os pacientes evitem ao máximo a exposição solar de alto risco, sem tomar os cuidados necessários. Se possível, o uso de roupas compridas, que cubram regiões normalmente expostas ao Sol, também deve ser priorizado, além de óculos-escuros que contenham proteção contra os raios UVA e UVB.

Fonte: Sociedade Brasileira de Dermatologia