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O mal de cada idade

Veja quais são os transtornos mentais mais comuns em determinadas fases da vida

É difícil prever quando, e se, a mente poderá adoecer, mas é preciso estar alerta para identificar qualquer problema e procurar ajuda

Gláucia Chaves
Doenças mentais ainda são tabu e é preciso conhecê-los - Foto: Arte: CB / D.A Press
Falar em transtorno ou doença mental é debater um tabu. Ainda hoje, as doenças que acometem a mente causam estranhamento, medo e apreensão. O diagnóstico precoce é importante, mas nem sempre é fácil de ser identificado. O psiquiatra Carlos Guilherme Figueiredo, membro da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, explica que as doenças mais prevalentes, de modo geral, são a depressão, a ansiedade, a dependência química e o transtorno bipolar. Além de fatores genéticos e biológicos, o momento da vida — infância, adolescência, vida adulta ou terceira idade — pode influenciar na incidência de doenças específicas. “Fatores genéticos, associados a alterações neuroquímicas e estressores ambientais, são os principais responsáveis pela ocorrência dos quadros psiquiátricos”, completa o médico.

Segundo Miria Benincasa, professora do programa de pós-graduação em psicologia da saúde, da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e da Faculdade de Psicologia da Universidade de Taubaté (Unitau), uma explicação para as diferentes doenças, recorrentes em cada faixa etária, é a própria maturidade mental da pessoa. Traduzindo: esses males precisam que o “arquivo de dados”, dentro da nossa cabeça, estejam organizados de uma forma propícia para se manifestarem, o que só acontece com a maturidade do intelecto.

Outra explicação seria a própria rotina. Dependendo de qual fase se esteja vivendo, das exigências enfrentadas e da pressão a qual se está exposto, as doenças podem, ou não, se manifestar.
O tipo de transtorno também muda com a idade, assim como as obrigações e preocupações.  “A psicopatologia infantil é diferente da do adulto, mesmo porque a criança está em formação, em amadurecimento de seus recursos e funções”, justifica Miria Benincasa. Segundo a psicóloga, os transtornos do neurodesenvolvimento, como o transtorno do espectro autista e déficit de atenção, tendem a ser diagnosticados pela primeira vez na infância, mas não necessariamente desaparecem na vida adulta. “A esquizofrenia, por exemplo, raramente ocorre pela primeira vez antes dos 10 anos ou após os 50, embora avance até a terceira idade.”

A adolescência é marcada por excesso de transformações: corporais, sociais, de interesses. “Na vida adulta, vem a demanda por trabalho excessivo, busca por dinheiro e estabilidade. As exigências sociais e familiares, a vida na cidade grande, por exemplo, favorecem o surgimento de sintomas ansiosos”, lista a psicóloga Miria Benincasa. A terceira idade, infelizmente, também não está livre dos transtornos mentais. Nesta etapa da vida, em que há o distanciamento dos filhos, a morte de amigos e a crescente perda de habilidades e de potencialidades, a psicóloga diz ser comum o surgimento do transtorno de humor depressivo.

Diagnosticar e, claro, tratar os transtornos mentais o quanto antes é imprescindível para o bem-estar do paciente e de seus familiares. As patologias da mente são responsáveis por graves prejuízos funcionais e geram forte impacto social, econômico e educacional. “Essas doenças em atividade levam ao comprometimento cognitivo, especialmente de atenção e de memória, além de estarem associadas a doenças clínicas, como obesidade, hipertensão e diabetes”, reforça o psiquiatra Carlos Figueiredo.

Quando não são tratados, os males psiquiátricos tendem a piorar. As consequências para a vida de um indivíduo não diagnosticado, e que não tenha recebido o acompanhamento adequado, são perigosíssimas e podem envolver, inclusive, o surgimento de outros transtornos. “O risco é de agravamento e de cronicidade. Ou seja, se um dia for tentar tratar, a remissão dos sintomas é mais difícil”, frisa a psicóloga Miria Benincasa.

“São raros os casos que regridem sem tratamento. Quando ocorre na infância, além do transtorno em si, o desenvolvimento fica comprometido”, alerta, a médica.

O problema da falta de tratamento, além da óbvia perda de qualidade de vida para o paciente, é o chamado fator de risco. Segundo Miria Benincasa, um transtorno da infância chamado de “transtorno de conduta” é fator de risco para o “transtorno de personalidade antissocial”. Assim como o déficit de atenção não tratado é fator de risco para uso de substâncias psicoativas, por exemplo.

Alguns diagnósticos, porém, tanto para crianças como para adultos, precisam apenas de acompanhamento e não apresentam mais sintomas tratáveis por anos ou por toda a vida. “Podemos ver isso em alguns graus do espectro autista, no deficit de atenção, nos transtornos ansiosos, nos depressivos etc”, enumera Benincasa.

Para cada fase, um risco

Infância

Chamadas de transtornos do neurodesenvolvimento, as doenças mentais das crianças, como o nome sugere, ocorrem durante os primeiros anos do crescimento.

A investigação é especialmente complicada em pacientes de pouca idade. Os pequenos não passam por testes laboratoriais, apenas por um detalhado exame clínico. Ainda assim, antes dos 18 anos, não é possível confirmar nenhum diagnóstico com absoluta certeza. De acordo com Carlos Guilherme Figueiredo, psiquiatra membro da SBP, as doenças mais comuns nessa fase são as deficiências intelectuais, os transtornos do espectro autista, o transtorno de deficit de atenção com hiperatividade e os transtornos específicos do aprendizado.

Thiago Blanco Vieira, psiquiatra da infância e da adolescência — especialista em terapia cognitivo-comportamental para crianças e adolescentes e pesquisador colaborador da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (USP) —, explica que a vasta maioria dos transtornos mentais têm suas manifestações iniciais, ainda que atenuadas, durante a infância.

A boa notícia é que transtornos mentais diagnosticados nas crianças podem desaparecer na vida adulta.  Segundo Thiago Vieira, quando o diagnóstico é realizado de forma criteriosa e precoce, e, a partir daí, “sejam instituídos tratamentos adequados e reconhecidamente eficazes”, é possível que os sintomas entrem em remissão.
“A criança ou o adolescente que tinha alguma condição psicopatológica não mais a terá durante a idade adulta e, assim, ela poderá viver sem qualquer diagnóstico”, afirma, o médico.

Transtornos mais comuns


Adolescência e vida adulta
Durante a adolescência, e também no início da vida adulta, segundo Carlos Guilherme Figueiredo (SBP), a manifestação de diagnósticos como depressão, transtorno bipolar e ansiedade são mais frequentes. De acordo com Helena Moura, também membro da SBP, o uso de álcool e de drogas, geralmente, se inicia nesta fase da vida. “Aqueles que vão além da experimentação podem desenvolver problemas mais tarde”, completa.

Transtornos mais comuns


Idosos
Na terceira idade, o diagnóstico das demências são mais comuns. De acordo com a psiquiatra Helena Moura, o risco de demência aumenta de 1% a 2%, aos 65 anos, para cerca de 30%, aos 85. Algumas peculiaridades devem ser levadas em consideração quando se fala em tratamento de pessoas mais velhas. As medicações já ingeridas por conta de outras doenças, como diabetes e hipertensão, podem interagir com os medicamentos para os transtornos mentais (ou vice-versa). “Portanto, nesses indivíduos temos que ter o cuidado de escolher medicamentos que não diminuam ou aumente o efeito quando misturados a outras drogas”, reforça a médica. Outro ponto que merece atenção é o perfil de efeitos colaterais. Medicamentos que possam causar queda de pressão, por exemplo, são perigosos para os idosos.

Transtornos mais comuns

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